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No ano passado, quando a Universidade de Lisboa atribuiu a Leonor Beleza o título de doutor honoris causa, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que a homenageada poderia ter sido Presidente da República e descreveu-a mesmo como “um vulcão contido, que só não foi mais longe em todas as vertentes da sua vida porque chegou quase sempre antes do tempo numa sociedade que prefere esperar para ver antes de viver”.
Já desde pequena se via que não tinha vindo ao mundo para ser aquilo que as meninas eram maioritariamente nessa altura. Quando nasceu, em 1948, o mundo estava recém-saído de uma guerra devastadora e Portugal vivia uma ditadura que duraria quase mais três décadas. No princípio da década, a percentagem de analfabetos era de 60%, incluindo um grande número de mulheres, que era suposto dedicarem-se acima de tudo à maternidade e à família (as que podiam, claro).
Leonor cedo mostrou que não tencionava ficar-se por aí e afirma que aprendeu com a mãe que o mundo também era das mulheres. Aliás, nasceu numa família absolutamente fora do normal no nosso país, onde havia muitos exemplos femininos fortes. A bisavó e as irmãs foram das primeiras médicas portuguesas, ainda no século XIX, e a mãe fora do Porto para Coimbra estudar direito numa altura em que isso era raríssimo.
Aliás, uma rapariga na universidade de Direito continuava a não ser muito comum na década de 60 quando Leonor Beleza entrou na Universidade de Lisboa, onde os rapazes continuavam em maioria. Tal como as duas irmãs mais novas, Teresa e Maria dos Prazeres, nunca quis outro curso que não direito.
Foi professora na Universidade e em 1977 participou na alteração do código civil português que foi importante em vários aspetos, principalmente no que diz respeito à igualdade das mulheres. Depois do 25 de Abril entrou na vida política, onde ocupou vários cargos.
Fez parte do PSD desde a sua fundação, foi Secretária de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, foi a primeira ministra da saúde e a segunda mulher ministra.
Eleita várias vezes deputada do Parlamento, travou lutas que hoje seriam, felizmente, impensáveis: foi por exemplo a primeira Secretária de Estado a ser chamada no feminino, tal como pediu ao primeiro ministro Francisco Pinto Balsemão.
Voltou a pedir a ‘nomeação’ feminina do cargo quando foi ministra, com Aníbal Cavaco Silva. Também lutou contra estereótipos, contra a culpa feminina, contra os horários de trabalho na política, impiedosos para quem tem filhos, e defendeu as quotas como forma de abrir o poder a mais participação feminina.
A batalha pelos direitos das mulheres trava-a até agora e abriu portas que de outra forma permaneceriam fechadas. Como afirmou numa entrevista ao DN em 2008, “olho à volta para os outros países e, com quotas ou sem quotas, percebo que a equidade se transformou numa coisa normal. E aquilo que a mim me dói é achar que aqui em Portugal as pessoas em geral, não é só os líderes, não se ralam.”
Hoje, além de membro do Conselho de Estado, é a Presidente da Fundação Champalimaud desde a sua criação em 2004. Em 2000, António Champalimaud telefonou-lhe e convidou-a para presidir a uma fundação dedicada à investigação e saúde. Aceitou imediatamente.
A Fundação tornou-se uma das principais referências na área da saúde e da investigação em cancro e neurociências e a sua presidente continua a acreditar no poder da ciência e na capacidade das mulheres para mudarem o mundo. Resta saber se o mundo está disposto a ouvi-las.
Luís Marques Mendes, membro do júri, fez o discurso de apresentação e entregou este prémio a Leonor Beleza.
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