Agora que estamos a dias de celebrar o Dia de Portugal, a escritora Isabel Machado conta-nos um pouco mais sobre uma das mulheres mais importantes para a nossa independência.
A primeira pergunta é óbvia: afinal, a frase ‘Antes rainha por um dia que duquesa toda a vida’ é verdade ou é mito?
O mais plausível é que tenha dito: “É mais acertado morrer reinando do que acabar servindo.” Esta frase mostra-nos a sua coragem perante a indecisão do marido, duque de Bragança e futuro D. João IV, que tinha receio de apoiar os conjurados que queriam derrubar o rei espanhol, Filipe III, e entregar-lhe a si o trono, restaurando a nossa independência, em 1640. Apesar de saber que poderia perder a vida se o golpe corresse mal, D. Luísa mostra a imensa determinação que sempre a norteou.
Mas Luísa não se via como uma ‘traidora’ de Espanha, pois não?
Pelo contrário, a sua preocupação era o que poderia acontecer à sua família de Espanha. Quando veio para Portugal, era leal ao rei espanhol, mas à medida que os anos foram passando testemunhou vários atos de injustiça para com os portugueses e para com o seu próprio marido, nomeadamente os pesadíssimos impostos para pagar as guerras de Filipe III. Madrid também exigia que os portugueses integrassem os exércitos espanhóis. Os atropelos foram muitos, sobretudo durante o reinado de Filipe III, que queria mesmo que Portugal viesse a ser uma mera província de Espanha. D. Luísa também assistiu às mostras de afeto e de apoio do povo ao marido, que era adorado no Alentejo, e não só, e aos apelos para que fosse rei. E claro que os direitos do filho, D. Teodósio, por quem D. Luísa tinha verdadeira paixão, tiveram um grande peso na sua posição a favor dos conjurados.
Há muita coisa sobre Luísa de Gusmão ou teve de ‘preencher espaços’ imaginativamente?
Há algumas biografias, mas tive que preencher muitos, muitíssimos, espaços em branco. D. Luísa estava por detrás de quase todas as decisões do marido, pois D. João IV confiava plenamente nas suas capacidades, tanto que lhe entregou a regência quando, inesperadamente, se viu às portas da morte. O seu papel é crucial para a nossa independência! Eu não sabia, por exemplo, que todas as batalhas da Guerra da Restauração em solo português foram depois da morte de D. João IV. Foi D. Luísa quem decidiu fortalecer os exércitos, o que viria a permitir a Portugal todas as vitórias! O maior triunfo diplomático da Restauração, o casamento de D. Catarina com o rei de Inglaterra, foi D. Luísa que o conseguiu, quando toda a Europa se uniu contra Portugal. A História que aprendemos não nos conta nada disso, e também não nos dá a dimensão humana de D. Luísa, que é interessantíssima.
Também vemos Luísa como uma mãe preocupada com os filhos: a morte de Teodósio, a falta de cabeça (e coração) de Afonso, os problemas do casamento de Catarina (considerada ‘feia’ para o mulherengo Carlos). Foi uma rainha que até como mãe teve muitas dores de cabeça, certo?
É uma mãe muitíssimo afetiva, apesar da entrega à política. Os filhos foram a causa das suas maiores alegrias e preocupações, nomeadamente D. Afonso VI, que a maltratou. Além disso, passa pela maior tragédia de uma mãe: perdeu os dois filhos mais velhos em seis meses. Três anos depois, morre o marido. Mas não desiste, continua a lutar até ter a certeza de que Portugal estava capaz de manter a independência. As cartas que escrevia aos filhos são uma maravilha. Fala sem protocolo nenhum, como uma mãe moderna. As cartas à filha quando ela vai para Inglaterra são muito comovedoras.
O que é que D. Luísa e a Restauração nos ensinam?
Lembram-nos o quanto devemos valorizar o esforço que foi preciso para sermos hoje um país independente. Espero que os leitores sintam orgulho de ver como um pequeno país, que perdera a independência havia 60 anos, conseguiu reerguer-se do nada, enfrentando Espanha, o mais poderoso império do mundo na época, e uma Europa hostil. A maior riqueza de um povo é a sua identidade e a sua língua. É tudo isso que devemos à Restauração.