Vivemos num mundo cada vez mais stressante, não é?
Sim. E grande parte da ansiedade e stress e confusão tem a ver com as redes sociais, que têm um impacto muito grande na forma como vivemos. Dantes não havia tanto ‘ruído’ como agora nem tanto excesso de informação. Agora cada vez há mais opiniões e é muito difícil perceber o que é que está certo e errado, o que é que está bem ou mal, quem é que devo ouvir. Estamos constantemente rodeados de gente a falar, seja em reels, seja em stories, seja em posts.
E que consequências é que isso tem?
Ficamos cada vez mais viciados em dopamina, o neurotransmissor libertado quando usamos as redes sociais, porque os likes, os comentários, e todo o feedback imediato, aumentam os niveis de dopamina e queremos sempre mais. Por isso é que os vídeos e os clips dão para ver em acelerado, ou seja, tornámo-nos incapazes de esperar seja pelo que for. As crianças – e muitos adultos – já não conseguem aguentar um filme até ao fim. O ritmo está tão rápido e estamos tão habituados a consumir tudo de forma desenfreada que é muito difícil abrandar, estar em sossego, porque está tudo pensado para sermos viciados.
Isso faz com que seja mais difícil viver?
O que acontece é que dexámos de conseguir viver o momento presente. É difícil para nós estarmos focados neste presente, porque se estamos viciados em futuro, não aguentamos o presente.
Porque é que isso é importante?
Porque a vida acontece agora. Sei que isto parece cliché, mas se estamos a viver para o futuro, então nunca estamos verdadeiramente a viver. Quando pensamos em gestão e regulação emocional, as coisas têm de ser sentidas e vividas no agora. Quanto mais viciados ficamos no futuro, mais intolerantes somos àquilo que é desagradável, e muitas das emoções que sentimos são desagradáveis. Nós o que é que fazemos: um fast forward das emoções como se fossem um vídeo no YouTube, e não paramos para tomar consciência delas, para as vivermos, para aprendermos com elas, para pensarmos sobre elas.
E se não fazemos isso, o que é que nos acontece?
Se não tivermos a experiência da tristeza, também não temos a da verdadeira alegria. O sistema da gratificação imediata orienta-nos exclusivamente para a alegria, mas o nosso sistema emocional fica totalmente desregulado, porque o que é que fizemos à tristeza que ali estava? Por isso é que andamos cada vez mais impacientes e desatentos. Andamos a diagnosticar ADHD a toda a gente, quando estamos todos é viciados no telemóvel em vez de estarmos a viver!
Todos?
Adultos e crianças, sim. Estamos todos viciados, até eu, que vivo das redes sociais. Mas temos de tentar fazer de vez em quando um detox de dopamina para tentarmos perceber o que é viver de verdade. Tudo isto é muito preocupante, porque é um vício que nos apanha a todos.
E quais são então os primeiros-socorros da ansiedade?
O autocuidado, que é a primeira linha de combate, porque quando estamos muito focados na recompensa da dopamina ou em pensamentos catastróficos esquecemo-nos de tratar de nós. Temos de dormir bem, de comer bem, de descansar. Depois a psicoterapia e o mindfulness ajudam muito.
De que forma é que a autocrítica aumenta a ansiedade?
A autocrítica contribui muitíssimo para a ansiedade, aliás contribui para todas as perturbações mentais, é um fenómeno transversal a qualquer diagnósticos. E a autocrítica não tem a ver só com a forma como fomos educados, mas com a nossa própria base genética. A autocrítica é um mecanismo de proteção contra a rejeição social. Ser aceite no grupo é fundamental para sobrevivermos. Dantes, se fossemos rejeitados pela nossa aldeia ou tribo, não sobrevivíamos. E se eu conseguir prever as críticas que me serão feitas, eu consigo aumentar as minhas hipóteses de aceitação. Isto é um mecanismo muito antigo. Portanto, a autocrítica é fundamental. Mas quando ela passa de ser autocorretiva para uma função patológica de autopunição, aí ela passa a atacar-nos em vez de nos defender.
Como é que a autocrítica pode destruir-nos em vez de nos ajudar?
Se formos rejeitados, a nossa memória traumática fica fixada para sempre. E os acontecimentos e emoções negativos fixam-se com muito mais força do que os positivos. Claro que se tivermos uma edcação segura e calmante, não vamos ativar tanto este mecanismo de autocrítica porque já nos sentimos seguros. Mas se tivermos uma educação ou vivências traumáticas como abuso, punição ou bullying, mais facilmente desencadearemos esse mecanismo primordial de defesa que é a autocrítica, que se torna facilmente numa coisa patológica. Portanto, quando eu digo que basta de autocrítica, basta de autocrítica patológica. Todos nós temos de ter autocrítica suficiente para reconhecer os nossos pontos fracos e tentar melhorá-los. Mas quando chegamos ao ponto de uma paciente minha que teve 19 na defesa do estágio e chorava que tinha tido essa nota porque os professores tiveram pena dela, aí essa crítica já não nos defende.
Então como é que nos defendemos, no meio disto tudo?
Temos de pensar acima de tudo naquilo que nos faz felizes. A gratidão é muito importante. Paremos para pensar um bocadinho em quem somos, naquilo que queremos, e naquilo por que estamos gratos. Temos muito a agradecer. As nossas qualidades positivas, a nossa família, aquilo que nos aconteceu de bom durante a semana, os nossos amigos, as nossas pernas que andam e são funcionais. Estamos tão agarrados à vida perfeita dos outros que nos esquecemos das coisas básicas.