A escritora portuguesa Maria Teresa Horta figura na lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo elaborada pela BBC, que destaca as ‘Novas Cartas Portuguesas’, livro que a a feminista portuguesa escreveu em coautoria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.
Mas quem é Maria Teresa Horta? “Uma chata, sempre fui uma chata”: é assim que se define na recente biografia que dela escreveu Patrícia Reis. Escritora, jornalista, feminista, sempre foi silenciada por ser incómoda de várias maneiras: de pensamento, de ação, de mudança. Numa altura em que a vida das mulheres era ela própria feita de tantos silêncios, Maria Teresa Horta soube corajosamente tomar para si as dores e as lutas das outras, que eram também as suas.
Filha mais velha de um médico conservador que não a compreendia e de uma mulher livre e muito à frente do seu tempo, sobreviveu ao divórcio dos pais numa altura em que isso não era comum. Para toda a vida ficou o sentimento de não ser amada e a dor do abandono, que a levaram a um primeiro casamento sem amor mas também à consciência daquilo que era preciso mudar na vida das mulheres.
Muito nova descobre a poesia, o cinema e o jornalismo, e cedo se torna ativa na cena cultural de um pais em ditadura, onde as mulheres sofriam ainda mais. “Antes do 25 de Abril, era tudo dramático na vida das mulheres, desde o início do dia até ao fim da noite, porque elas não eram ninguém, não tinham nenhuma espécie de liberdade”, lembrou numa entrevista à Activa. “Os homens tinham o poder total, inclusive sobre os filhos. As mulheres podiam ‘dar opinião’. Mas essa opinião não contava para nada.”
E ela dava. Opinião. Segundo o Regime, dava opinião a mais. Quando o seu primeiro livro, ‘Minha senhora de mim’, foi publicado, pela D. Quixote, a editora Snu Abecassis foi chamada e avisada pelo censor: ‘Não pode publicar mais nada desta senhora. Porque se tornar a fazê-lo, fecho-lhe a editora.’ Atacada e fisicamente espancada na rua para, segundo palavras do seu atacante ‘aprenderes a não escrever como escreves’, nem assim Maria Teresa Horta desistiu de ser incómoda. “Mas era o tipo de coisa a que se estava sujeita”, contou-nos. “Na altura, eu conhecia pessoalmente mulheres que escreviam na casa de banho, sentadas na sanita, porque era o único sítio onde tinham privacidade e podiam trancar a porta.”
O ataque deu origem às ‘Novas Cartas Portuguesas’, publicado em 1972, onde se tornou uma das célebres ‘Três Marias’, com Maria Velho da Costa e a Maria Isabel Barreno. Tendo como ponto de partida as cartas de Mariana Alcoforado, o livro dava uma voz a várias ‘Marias’ portuguesas e às suas vidas amordaçadas, abordando temas como o casamento, a sexualidade e a maternidade e mostrando como a repressão da ditadura e o peso do patriarcado reprimiam as mulheres. “Sabíamos que íamos ter problemas graves” recorda Maria Teresa. Tiveram. Publicado graças à coragem de uma outra mulher, Natália Correia, o livro foi imediatamente apreendido e as suas autoras condenadas naquele que foi o último caso de perseguição a escritores em Portugal, mas tornou-se uma bandeira do feminismo e recebeu apoio de mulheres como Simone de Beauvoir ou Marguerite Duras. Só depois do 25 de Abril o processo foi desativado.
A liberdade não a travou, e a sua atividade política e literária continuou intensa, desenvolvendo uma poesia que abordava o erotismo e a relação com o corpo de uma forma totalmente inédita na literatura feminina portuguesa. Agora, tantos anos depois das ‘Novas Cartas’, afirma que ainda não podemos baixar os braços. “O que mais me entristece hoje é as ‘Novas Cartas Portuguesas’ continuar tão atual.”