Para quem não sabe, o que é a psicooncologia?

A psicooncologia é uma área da psicologia que dá apoio aos doentes de cancro, aos seus familiares e cuidadores, ajudando nas diversas fases que se atravessa numa doença oncológica. Quando falamos de cancro temos tendência a pensar nos tratamentos, na quimioterapia, mas por vezes o maior sofrimento é o medo. Quando enfrentamos uma doença que pode ameaçar a nossa vida, o medo e a ansiedade estão muito presentes, e é normal que estejam.

De que temos mais medo?

Temos medo dos tratamentos, temos medo em relação ao futuro, temos medo de questões muito práticas como ‘como é que eu vou contar à minha família’, há muitas dúvidas que nos assaltam, é tudo muito assustador. E nós trazemos algum conforto a essas pessoas.

Como é que as pessoas lidam com um diagnóstico de cancro?

Claro que cada pessoa liga com o seu diagnóstico de forma diferente. Há pessoas que nos chegam quando acabaram de saber o diagnóstico, com muita incerteza acerca do que vai acontecer, pessoas que chegamno meio dos tratamentos e querem muita informação para saber lidar com os efeitos secundários e com a família, e pessoas que nos chegam já em fase de remissão. Porque muitas vezes, mesmo quando os tratamentos já passaram, a pessoa sente que não está tudo bem e a incerteza mantém-se.

Como se ajuda alguém que enfrenta o fantasma da morte?

Há muita coisa dentro do medo da morte. Na maioria das vezes está ligado ao medo do desconhecido, do sofrimento, da dependência, e está muito ligado às nossas crenças. Costumo perguntar às pessoas quais são as 3 coisas sem as quais não se consegue viver: para mim, por exemplo, são a saúde, a família e amigos, e um certo conforto financeiro. Estas são as coisas básicas para qualquer um de nós, e em muitos casos de cancro as pessoas perdem tudo isto. Começam por perder a saúde, muitas vezes perdem o conforto financeiro e perdem mesmo as pessoas que as rodeiam. Isso acontece mais do que esperávamos. Muitos amigos nos abandonam nessa altura, com desculpas como ‘quero manter uma imagem dele enquanto pessoa saudável’, ou ‘não sei o que hei-de dizer’.

Lidamos mal com a morte?

Lidamos muito mal com a nossa morte mas lidamos ainda pior com a morte dos outros. Porque a doença dos outros também nos confronta com a nossa própria finitude. Até já há uma palavra para isso: cancerghosting. Inicialmente, quando alguém que amamos nos abandona, há sempre um choque. Mas nós temos de pensar que só somos responsáveis pelas nossas atitudes. Os outros são responsáveis pelas deles.

Como superamos o medo do limite, quando durante a vida ninguém nos educou para isso?

Fomos sempre educados a ver a morte como um tabu, a não se falar dela, quando é a coisa mais natural da vida. Acompanhei doentes em fim de vida que estavam em paz com toda a sua vida, de tal maneira que a família achava que estavam em processo de negação. E temos pessoas que chegam ao seu fim muito revoltadas. Tudo tem a ver com a nossa vida. Se vivemos bem, morremos bem.

Como é que se prepara uma boa morte?

Vivendo. Muitas vezes andamos na pressa do dia a dia mas devemos parar para aproveitar os bons momentos. Parar para termos consciência da vida, por mais banal que seja.

Calculo que haja muitas coisas de que não se fala com uma pessoa que tem cancro…

Há muitos elefantes na sala, sim. As pessoas estão todas a pensar na morte mas ninguém quer falar nisto com medo que chegue mais depressa, com medo que o outro baixe os braços e deixe de lutar, com medo que o outro se afunde no seu sofrimento, com medo de nós próprios não sabermos lidar com isso, não sabermos o que dizer, como ajudar. Às vezes os próprios doentes não falam porque não querem ser um fardo, não querem fazer sofrer a família. No fundo, é um tabu protetor, é um ato de amor desorganizado, de parte a parte.

Há pessoas que não querem falar?

Há. E nós temos de perceber até onde é que a pessoa quer e pode ir. Mas geralmente todas as pessoas querem qualquer tipo de informação, ninguém quer o silêncio completo.

Como funcionam os cuidados paliativos?

Os cuidados paliativos não terminam com a morte da pessoa, continuam com o apoio à família. Deviamos falar mais em cuidados paliativos, porque a definição de cuidados paliativos não fala em fim de vida, fala em melhoria da qualidade de vida. Apoiam não só o doente como também os familiares e cuidadores. E é muito importante que a própria família vá tendo acompanhamento, porque os cuidadores vivem numa grande solidão.

Queremos tanto cuidar do outro que nos esquecemos das nossas necessidades?

Tal qual. Portanto, é muito importante que os profissionais também escutem a família. Porque as pessoas têm o direito de ser informadas, e a maioria quer ser informada, porque precisa de tempo para se organizar e para viver. Mas ainda não temos respostas adequadas. Segundo dados muito recentes, só 30% das pessoas que precisam de cuidados paliativos os recebem. É mesmo muito pouco. Deviamos abrir duas portas em conjunto, os tratamentos e os cuidados, até porque muitas vezes estes cuidados ajudam a controlar as dores e o desconforto dos tratamentos. Mas fala-se sempre destes cuidados como uma espécie de fim de linha.

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