Li Furtado licenciou-se em Geografia, na cidade de Coimbra, numa altura em que não se falava muito de cursos ligados à moda. Aliás, foi por isso que essa área nunca lhe passou pela cabeça. Trabalhou como consultora durante 10 anos e, nesse período, criou um blogue por brincadeira.
Em 2013, quis experimentar as vendas online e lançou um site onde revendia um pouco de tudo, desde peças de bijuteria a capas de telemóvel. Um dos segredos para o sucesso da plataforma CINCO logo no início foi o facto de a fundadora perceber as duas faces da moeda: o lado das marcas e o lado das bloggers. Além disso, com o trabalho como consultora, tinha algumas competências que facilitaram esta aventura, nomeadamente nas áreas do empreendedorismo, das finanças e da gestão.
“Às vezes, esquecemo-nos de que os negócios criativos não valem a pena se não conseguirmos fazer dinheiro com eles. A minha paixão é o comércio online, não é necessariamente a joalharia ou a moda”, conta-nos.
No final de 2017, Li decidiu deixar um emprego estável e dedicar-se a 100 por cento à CINCO. O passo seguinte foi contratar uma pessoa para ajudar nas tarefas relacionadas com os envios e na relação com os clientes. O marido da empresária também se juntou à equipa, assumindo a gestão e a contabilidade deste projeto, que é uma das melhores marcas digitais que existem em Portugal.
Neste momento, a proprietária da empresa dedica-se à criatividade, à produção de conteúdos conteúdo e à relação com influenciadoras. Entre dias com diferentes ritmos de trabalho, gosta de manter um registo mais calmo e o facto de viver e trabalhar em Coimbra permite-lhe ter essa qualidade de vida que tanto valoriza, especialmente porque consegue dedicar-se à família.
Li Furtado é a segunda convidada da rubrica DEEP TALK e não deixou nada por responder nos nossos questionários.
Qual foi a maior ‘dor de crescimento’ da CINCO?
A CINCO tem crescido de forma consistente desde o início e a maior dificuldade prende-se com conseguir dar resposta a picos de procura por determinadas peças. Mantemo-nos fiéis a um único fornecedor, exatamente porque as relações interpessoais que rodeiam a marca são muito relevantes e tem de ser assente na confiança para que todos saiam a ganhar.
Uma das estratégias que ajudam a evitar esta urgência na produção é a utilização da pré-encomenda, porque ajuda a perceber a recetividade aos novos lançamentos sem obedecer a temporadas ou datas marcadas. O site, no fundo, é como uma montra que tem de estar sempre com novidades. Outra das nossas preocupações tem a ver com o tempo de entrega e a ideia de comprar hoje e receber logo no dia seguinte. Algo que conseguimos fazer não só em Portugal, mas também em alguns outros países, deixando os clientes muito bem impressionados logo a partir da primeira experiência.
Como é que começaram a vender para outros países logo desde início?
Não existe uma fórmula. Entram vários fatores na equação como, por exemplo, ouvir ativamente os clientes, ter um ótimo serviço de apoio ao cliente, arriscar com produtos novos e haver uma evolução constante, procurando atrair outros tipos de público, na perspetiva de crescimento da empresa. No fundo, é uma pesquisa constante e intensa que passa muito pelo digital e por estudar perfis de influenciadoras.
A melhor influenciadora é a cliente que surge naturalmente e, felizmente, tivemos a sorte de algumas das nossas clientes iniciais terem sido figuras com presenças fortes nas redes sociais que, de facto, quiseram comprar os produtos CINCO. Isso foi espetacular porque já havia um interesse na marca. Dito isto, é claro que quando uma blogger ou Instagrammer sugere uma parceria, é preciso fazer uma filtragem. Não há que ter medo de rejeitar a oferta se a pessoa não refletir o espírito da marca.
Qual é a sua opinião sobre a relação entre as marcas e as influenciadoras digitais?
Sinto que o principal ‘problema’ é a forma como este mundo de influenciadoras evoluiu. Ou seja, hoje temos um grande número de influenciadoras que acabam por se associar a muitos produtos e marcas, e isso baralha as pessoas. Não podemos querer ser boas em tudo. Eu não posso querer ser uma especialista em moda e também ser especialista em maquilhagem.
Por outro lado, é difícil para as marcas identificar os nomes que efetivamente têm engagement e vendem produtos, e aqueles que apenas geram visualizações e não acrescentam muito. Na realidade que vivemos, onde somos expostos a tanta informação diariamente, o desafio é conseguir captar a atenção, o que passa também pela coerência e consistência no uso de uma determinada marca ou produto. Se a relação com a marca é verdadeira, conseguimos perceber isso.
Quantas pessoas integram a equipa da CINCO?
A equipa da CINCO é formada por quatro funcionários e um fotógrafo, que acaba por estar quase sempre por perto. Também aceitamos estágios, sempre que a função em questão se justifique e acrescente algo ao fluxo de trabalho. Brevemente, teremos um estagiário na área de apoio ao cliente e vai entrar outra pessoa para um estágio de verão.
Quais são as marcas que tem como referência a nível de estratégia para a CINCO?
The Attico e Amina Muaddi são as marcas que me vêm logo à cabeça, porque são duas marcas relativamente recentes e que estão a criar uma imagem em torno do lifestyle. As casas italianas sabem fazer este trabalho muito bem, apoiando-se entre si.
Que oportunidades deteta para o surgimento de novas marcas em Portugal?
Tudo é possível, ou seja, qualquer marca tem ainda espaço no mercado. Tem é de apresentar alguma coisa diferente. O mercado em Portugal está saturado de projetos semelhantes, que vemos lá fora e aos quais temos acesso. Não precisamos de inventar nada e, no caso da CINCO, recriamos tradições antigas ou inspirações com uma visão muito própria. Fazemos muita pesquisa, mas não nos inspiramos em sites ou marcas dentro do mesmo target; olhamos para grandes marcas de jóias ou com um posicionamento diferente.
E como vê as novas marcas que estão a surgir no País?
Na minha perspetiva, ainda falta alguma qualidade nas novas marcas portuguesas comparativamente a algumas marcas que têm surgido lá fora e com produção portuguesa. A questão do preço também é bastante delicada. Dando o exemplo da CINCO, em que Portugal representa apenas 20% das vendas, o PVP pode ser percebido como um pouco elevado, mas não é assim em mercados externos.
As novas marcas também recorrem constantemente aos chavões do “made in Portugal” e da “sustentabilidade”. Sobre a sustentabilidade, que acaba sempre por ser visto de uma perspetiva ambiental, é um erro as marcas assumirem-se como tal se não o fazem de uma forma transversal no negócio. No caso da CINCO, esse valor passa muito pela forma como os colaboradores são tratados e pelas condições de trabalho. A identidade é lifestyle e é isso que queremos comunicar.
Também é importante que as marcas saibam adaptar o produto àquilo que o consumidor quer, ou ainda não sabe que quer, estando sempre à frente. A The Attico, que é uma das minhas marcas preferidas, é um bom exemplo. Isto porque passou de uma marca de roupa para festa e noite a uma marca que também tem peças de sportswear.
Onde se vê daqui a 5 anos ou daqui a 10 anos?
Espero estar a surpreender-me a mim mesma. Não gosta do conceito de previsão, nem tenho um plano de negócios para a CINCO. Os planos acarretam uma pressão que não quero ter, porque sinto que posso perder a fluidez e descontração, e, consequentemente, comprometer a criatividade.
Objetivamente, espero que a secção de ouro naCINCO cresça, uma vez que é um tipo de produto que acompanha a procura das clientes que estão numa fase da vida mais adulta e, obviamente, têm um maior poder de compra. Mas também espero conseguir agarrar a geração Z.
Quanto a expandir para outras áreas de negócio, especialmente no online, isso implica um comprometimento e uma adaptação constante. Não há muita estabilidade nem muitas certezas, por isso prefiro consolidar bem a marca CINCO. É preciso estar sempre a antecipar o que aí vem. Temos o exemplo do Facebook que, há uns anos, era a principal rede social e atualmente perdeu terreno para o Instagram e o TikTok.
Quais são os meios que consome para estar informada?
BOF, WHOWHATWEAR, THREADS, e o conteúdo editorial das grandes plataformas de e-commerce como a Farfetch e a revista da Net-a-porter, a Porter.
Se a CINCO tivesse de deixar de existir por algum motivo, qual seria o plano B?
O plano B seria certamente permanecer no comércio online, talvez com uma uma marca de roupa, embora acredite que o mercado está saturado e é difícil ser diferenciador. Contudo, a Austrália em marcas que ainda não existem por cá e esta seria, sem dúvida, uma fonte de inspiração.