@camrihewie

A dor é uma das queixas mais comuns das pessoas que vão ao médico. Só em Portugal estima-se que quase 40% das pessoas vivam com dor crónica.

O termo faz referência a uma experiência multidimensional que é muito diferente da dor aguda. Esta última é um sintoma que pode sinalizar o organismo para uma lesão ou doença, fornecendo informação à qual podemos dar uso. Já a dor crónica é aquela que se prolonga temporalmente durante vários meses ou anos e persiste para além do problema que lhe deu origem, não tendo nenhuma utilidade. Além disso, é uma doença silenciosa que pode ter um grande impacto no quotidiano e na vida social, profissional e financeira dos doentes.

Para entendermos a complexidade deste problema, falámos com Rogério Liporaci, o autor do livro “Acredite. A Vida sem Dor é Possível!”. O fisioterapeuta pós-graduado em reabilitação de dores crónicas explica-nos como é possível encontrar um caminho de alívio para a dor.

Sinopse

Sentir dor é péssimo, mas viver diariamente com ela é insuportável. Viver dessa forma pode transformar uma qualquer simples atividade num terrível pesadelo como, por exemplo, trabalhar sentado, usar saltos altos ou até mesmo pegar numa criança ao colo.

Em Portugal, uma em cada três pessoas vive com dor crónica, num total de quase 40% da população. Ao conviverem com esta realidade de forma prolongada, podem não só vir a sofrer mais problemas de saúde física, como também psicológicos e emocionais. Muitas delas passaram por diversos especialistas, recebendo inúmeros diagnósticos e tentando vários tratamentos.

Este livro mostra como é possível encontrar um caminho de alívio para a dor. Nas suas páginas, vai encontrar informações sobre como iniciar um caminho de diminuição da dor por meio de exercícios e aprendizagens práticas; acabar com os mitos que pioram a dor crónica; identificar como o perfil pessoal afeta a relação com a dor e os sintomas com os quais a pessoa sofre frequentemente; estabelecer uma relação diferente com os profissionais que acompanham estes pacientes; quebrar o ciclo da dor; assumir o controlo da vida.

Porque é que decidiu especializar-se em reabilitação de dores crónicas?

No início da minha carreira clínica, eu deparava-me com situações de pacientes atletas que me intrigavam: o corpo, já sem a lesão de outrora, mas ainda a desconfiar da sua capacidade; ainda a sentir dor. Isto deixava-me aflito e obcecado por encontrar respostas que vão além do puro entendimento físico. O interesse aumentou quando eu passei por uma depressão profunda, o que me mostrou definitivamente que a dor física ainda não tem a atenção que devia ter. 

Como se caracteriza a dor crónica?

A dor é uma construção cerebral como resposta a estímulos que, possivelmente, ameaçam o nosso corpo. Esta ameaça é amplificada pelo contexto envolvido; pelas vivências prévias; pelas convicções sobre o que pode estar a acontecer; e pelos hábitos e estilo de vida. Estas informações são processadas no cérebro em conjunto com o estímulo vindo do local em questão e podem ser reconhecidas como ameaças, sendo que a resposta é a dor. Mas repare, a dor é uma experiência sensitiva e emocional, e, por isso, não basta ocorrer uma lesão nos tecidos do corpo. Também há uma emoção descompensada pelo contexto hostil.

Vou dar um exemplo que resume isto bem: pense no cenário de uma pessoa que ganha a lotaria. Ela começa a pular e torce o tornozelo. A entorse é leve, mas irrita os tecidos, porém a emoção está toda favorável pelo prémio. Agora pense noutro cenário: essa pessoa vai trabalhar e, ao chegar, recebe a notícia de que foi demitida. Triste, ela desce as escadas e torce o tornozelo. É a mesma intensidade de torção, mas será que as dores percebidas serão iguais? Há uma grande probabilidade de a resposta ser não, por a dor ser um reflexo que envolve o físico, o contexto interno (emocional) e o contexto externo (as possíveis interações hostis com o uso do corpo).

Quais as principais causas ou fatores de risco associados à dor crónica?

Não há uma causa única para a dor crónica. A construção da dor, seja aguda ou crónica, é sempre multifatorial e envolve o físico, o psicológico e o social. E, entenda-se, nem sempre o componente físico é uma lesão (pode ser uma fraqueza ou incapacidade, por exemplo).  Nem sempre o componente psicológico está relacionado com um transtorno mental (os pensamentos pessimistas e as convicções sobre o que pode estar a acontecer não são transtornos; pertencem à esfera emocional). Já o componente social é em relação às interações com o uso do corpo, ou seja, o corpo é exposto na rotina. Em conjunto, estes três componentes produzem a resposta dolorosa que pode durar mais tempo do que devia.

Esta perpetuação da dor pode ser por fatores ambientais — o estímulo irritante continuar. Por exemplo: ter de caminhar mais do que o corpo está treinado — e por fatores físico-psicológicos, tais como doenças prévias, estilo de vida, maus hábitos, como o sono não reparador, ansiedade e depressão.

Quais as populações mais vulneráveis?

Não há um padrão populacional para se ser vulnerável à dor crónica, já que a dor em si é algo natural e necessário para os seres humanos. Como tal, todos sentem dor. Mas, pensando em tipos populacionais, podemos relacionar fatores mais comuns para perpetuação da dor com diferentes idades. Nos mais jovens, a ansiedade e a depressão são fatores comuns na dor crónica. Nos idosos, a presença de comorbidades. Por género, as mulheres podem ser mais suscetíveis à fibromialgia (dores musculares persistentes com fundo de dominância emocional). Em todas populações: o sono não reparador.

Como é feito o diagnóstico? De que forma se quantifica a dor, tendo em conta que é algo bastante subjetivo?

O diagnóstico é feito com um rastreio do físico e do contexto envolvido, por meio de uma entrevista profunda da vivência com a dor. Além disso, é feito um exame físico e recorre-se a testes específicos e questionários para entender a dinâmica da dor. Se for necessário, fazem-se exames complementares. Estes testes e questionários trazem, justamente, o subjetivo para o universo objetivo, quantificando a dor com notas e com escalas.

Em que consiste o tratamento de um problema tão complexo?

As dores crónicas mais comuns, as que afetam o movimento e a sustentação do corpo (nas articulações, músculos) são tratadas com uma mistura de intervenções, administradas por diferentes especialistas, sendo que os medicamentos, as terapias psicológicas de comportamento e o exercício físico surgem como linhas básicas. Mas, se pudermos destacar uma delas, tanto para prevenir a cronicidade como para evitá-la, o exercício físico é fundamental para podermos reprogramar a maneira como os gestos são realizados, melhorando a sensibilidade à dor.

Uma abordagem multidisciplinar é sempre a melhor opção?

Sim, mas sublinho que a multidisciplinaridade também é utópica. A maioria das pessoas não tem recursos para suportar os custos de um tratamento desta natureza e, por isso, devemos dar prioridade à opção que pode ser mais eficaz com um bom custo-benefício. Assim sendo, e porque nunca é demais salientar, é muito importante a prescrição da atividade física como um tratamento.

Em termos de respostas farmacológicas, a inovação tem chegado a esta área de tratamento? 

Esta pergunta tem uma resposta complexa. Enquanto se usam novos medicamentos, com ações centrais no cérebro, tem-se visto que, com o passar do tempo, os resultados farmacológicos ficam aquém do que se imaginava, quando não causam muitos efeitos colaterais. Por conseguinte, encontrar o momento do uso da medicação, bem como o tempo do uso para dar vazão a outros tratamentos, é fundamental.

Quais são os maiores desafios no tratamento da dor crónica?

Sem dúvida nenhuma, o maior desafio é a informação equivocada ou desfasada em relação à dor, o que faz surgir nas pessoas aquilo a que chamamos crenças limitantes. Imagine: só o facto de pensarmos que usar o telemóvel desenvolve dores no pescoço cria um ambiente de medo. Esta afirmação até pode parecer plausível, mas é irreal. Não existe uma relação direta entre o uso do telemóvel e dores no pescoço, nem de mochilas e malas pesadas com dores nas costas, nem mesmo em exames “maus” de imagem da coluna e as dores lombares.

Muitas informações desorientadas passam a impressão de que o corpo é frágil, de que há a necessidade de um excesso de cuidado, o que não é real. Combater a má informação com a difusão de boa informação é o maior desafio, pois a informação equivocada está presente até mesmo entre os profissionais de saúde que não se atualizaram com os conceitos modernos da ciência da dor. Mas, como estamos num momento de transição, acredito que isso vai melhorar.

Qual é o impacto que esta condição pode ter na qualidade de vida do paciente?

A dor crónica musculoesquelética já é uma das condições mais incapacitantes que culmina em altas taxas de afastamento do trabalho. Agora, temos de conseguir reverter esta curva de subida das taxas para depois pensarmos na queda destes números. Nesse sentido, duas coisas que já mencionei são fundamentais para o achatamento da curva dos casos: informação correta e prescrição de exercícios físicos como terapia de tratamento.

É possível gerir a dor crónica e levar uma vida saudável e produtiva? Como?

Pense na dor como um alerta no corpo. Um alerta muito, mas muito importante! Então, não temos de pensar em fazê-lo desaparecer, mas sim em colocá-lo no seu devido lugar de alerta. Como? Entendendo-o.

Só procuramos ajuda profissional quando a dor foge ao nosso controlo. Gerir a dor é conseguir manter tarefas apesar da dor; aos poucos, ir tentando aumentar os limites novamente para se chegar aos níveis de antes, se não aparecer nenhuma lesão séria nos exames. Aqui, o segredo é aumentar a capacidade do corpo, fazendo o possível e treinando para ir além, sempre com a melhor informação possível que nos encoraje a fazer.

Que respostas podemos encontrar no livro “Acredite: A Vida sem Dor é Possível”?

Neste meu livro, terão a informação mais atual sobre a ciência que estuda a dor, mas traduzida para toda a  população entender. Entenderão o que é a dor, como ela passa de aguda para crónica, o porquê de a dor se multiplicar sem aparecerem grandes mudanças nos exames de imagem, além de aprenderem a fazer uma gestão inteligente dos vossos casos.

Enquanto profissional de saúde e autor, na sua opinião, qual é a principal mensagem a reter sobre este tema?

Eu tenho alguns “mantras” essenciais para os leitores não tirarem da cabeça, porque são totalmente reais e científicos:

  1. O seu corpo não é frágil: ele adapta-se. Se sentir dor e não aparecer nada sério nos exames, seja otimista e não pessimista, pois, se fosse graves, os exames modernos já teriam apontado a causa. Procure a adaptação do corpo através do exercício físico.
  2. O sofrimento físico é treinável: nós sofremos com o corpo ao associarmos o que se passa no físico com o emocional. Mas, apesar do físico, podemos ter controlo emocional para suportar os movimentos e, assim, treinando, o sofrimento passa a ser gerido até nos casos de quem tem alguma lesão.
  3. Doer não é sinónimo de lesão: a maioria das dores que persistem não são justificadas pela existência de uma lesão no corpo. E, às vezes, encontramos nos exames pequenas alterações do dito “padrão comum” que não fazem parte dessa dor diretamente, pois não vêm acompanhadas de outros sintomas. É por isso que, hoje, sabemos que é mais fácil a dor ser fruto de um desequilíbrio fisico-psico-social do que de uma lesão importante.

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