Ao lado de uma foto de uma mulher bem roliça numa pose que transparece autoconfiança lê-se: gorda ou encantadora? Uma bonita ruiva coberta de sardas: serão sinais a esconder ou marcas de beleza? Uma mulher de meia-idade, de longos cabelos brancos, uns fascinantes olhos azuis, rugas assumidas: velha ou deslumbrante?
Estes são alguns dos rostos femininos que fazem parte da campanha da marca de grande consumo Dove e que nada têm a ver com os modelos de 18 anos, rosto de anjo, 1,80 m de altura e 50 kg de peso que estamos habituadas a ver nos anúncios. Esta campanha, que se chama ‘Por uma beleza real’, já chegou aos pequenos ecrãs.
ASSUMIR AS IMPERFEIÇÕES
Não é todos os dias que vemos publicidade como esta na televisão ou nas revistas, com mulheres iguais a nós, que assumem todas as suas imperfeições, das rugas à celulite. Segundo Rita Vilaça, directora da marca Dove em Portugal, a intenção "é mostrar que a beleza pode ter diferentes formas, tamanhos, idades, que a beleza real pode ser genuinamente deslumbrante. Vemos confiança, optimismo, aspectos de mulheres que habitualmente não são retratados em publicidade. Desafiam-se os padrões actuais de beleza".
Nenhuma destas imagens foi retocada em computador numa pós-produção, garante Ana do Carmo, directora de contas da Ogilvy & Mather, a filial portuguesa da agência responsável pelo anúncio. "Isso seria a negação da própria campanha. As mulheres seleccionadas teriam de se destacar pelo seu entusiasmo, autoconfiança e amor próprio. Procuravam-se mulheres que representassem tipos físicos que não cabem habitualmente nos estereótipos de beleza retratados nos media: com curvas roliças, gordinhas, com muito peito ou tipo ’tábua rasa’, cabelos precocemente embranquecidos, celulite, ancas grandes e características não convencionais, mulheres excessivamente sardentas ou com narizes muito grandes. Em resumo: mulheres reais."
Nenhuma destas protagonistas de beleza é portuguesa. A publicitária Ana do Carmo explica porquê: "Até faz parte da história da marca o recurso a testemunhos reais de portuguesas desde o seu lançamento em Portugal, mas a importância desta campanha vai para além-fronteiras: implica a mudança de atitudes que estão a influenciar negativamente mulheres e jovens adolescentes em todo o mundo. No entanto, isso não elimina a possibilidade de no futuro ser feita uma campanha local." E lembra que uma das primeiras iniciativas da marca foi criar uma exposição itinerante intitulada ‘Para além do comparável: a beleza retratada por objectivas femininas’, em que fotógrafas de todo o mundo foram convidadas a mostrar trabalhos que exprimissem o seu próprio conceito debeleza. Inês Gonçalves e Rita Barros representaram Portugal.
PORTUGUESAS INSATISFEITAS COM O SEU ASPECTO
A campanha ‘Por uma beleza real’ surgiu em resposta a um estudo de Susie Orbach, da London School of Economics, e Nancy Etcoff, psicóloga, professora da Universidade de Harvard e autora do livro ‘Sobrevivência dos mais Belos’, publicado em Portugal pela editora Replicação.
As conclusões da pesquisa não são surpreendentes: 40% das mulheres em todo o mundo afirmam que não se sentem bonitas. Apenas 5% se sentem confortáveis para dizer que se acham "giras" e 9% julgam-se mulheres atraentes. Dois terços das inquiridas, por exemplo, concordavam com a afirmação "A atracção física está relacionada com o aspecto exterior, enquanto a beleza tem muito mais a ver com o que a pessoa realmente é." Uns esmagadores 75% pensam que os mass media deveriam fazer um melhor trabalho e retratar mulheres com diferentes características físicas – idade, forma e tamanho. Os resultados nacionais provam que um pouco mais de auto-estima não nos faria mal.
"Portugal está no fundo da lista relativamente à satisfação com a aparência física: apenas 6% das mulheres abordadas se sentem muito satisfeitas – ao contrário dos EUA, com 23%, ou Itália e Brasil, com 9%. A maioria das portuguesas (70%) sente-se mais ou menos satisfeita", esclarece Rita Vilaça.
TEMPOS DE MUDANÇA?
Para já, as expectativas são altas, até porque já havia sinais anteriores de que este tipo de anúncio cativava o coração das consumidoras/espectadoras. Ana do Carmo está confiante. "Pensamos que o público irá reagir bem, à semelhança do que aconteceu com a campanha da Dove Firming (a linha de cremes refirmantes). Essa campanha mostrava seis mulheres reais orgulhosas do seu corpo e das suas curvas roliças. E recolheu comentários muito positivos da comunicação social e das consumidoras." Rita Vilaça recorda que esta primeira campanha, feita no Reino Unido, gerou controvérsia mas cativou as consumidoras, que pela primeira vez se identificaram com o que viam no ecrã. "Em Portugal, as vendas unitárias de Dove no segmento de cremes refirmantes cresceram acima de 300%." Mas se a ideia é assim tão revolucionária e lucrativa, porque é que nenhuma outra marca se tinha lembrado disto antes? Rita Vilaça põe o dedo na ferida: "Provavelmente porque a venda de um sonho é mais atractiva e fácil. O mundo da cosmética aposta que uma mulher com falta de confiança compra propostas inatingíveis na esperança de um dia também ela fazer parte dessa ínfima percentagem."
Quer isto dizer que o padrão vigente de beleza feminina abriu falência e que a magreza já não vende como antes? Estamos face a uma tendência que veio para ficar? "Não o sabemos, nem nos parece que isso venha a acontecer nos anos mais próximos", diz Ana do Carmo. "O nosso objectivo também não é tirar essas raparigas dos media, mas sim mudar o status quo e oferecer uma visão mais sã e democrática de beleza, que todas as mulheres possam alcançar e desfrutar todos os dias."