É o maior assassino em série português, mas não persegue vítimas seleccionadas em ruas escuras. Todos os anos, os acidentes vasculares cerebrais matam mais de 16 mil portugueses, mantendo há vários anos o pódio de primeira causa de morte nacional.
Apesar ouvirmos regularmente que doenças cardiovasculares afectam mais homens, os efeitos do AVC são, normalmente, mais nefastos para as mulheres, sobretudo depois dos 65 anos. Segundo o estudo ‘Risco de Morrer em Portugal’, da Direcção-geral de Saúde, relativo a 2005, foram 9168 os óbitos femininos em consequência de doença cérebro vascular.
Os AVC matam também mais mulheres do que todos os tipos de cancro: em 2004, foram cerca de 9500 contra nove mil óbitos por causas oncológicas diversas. E as sobreviventes têm mais probabilidade de vir a ter pior qualidade de vida, diz ainda a norte-americana National Stroke Association (NSA). E, apesar de continuar a ser muito baixo para a população portuguesa, os responsáveis daquela organização revelam que o risco de AVC antes dos 65 anos duplica a cada nova década, perfazendo já os 30% nos EUA.
Reconheça os sintomas
Por tudo isto, e lembrando que 70% das mortes por AVC acontecem fora dos hospitais, importa reconhecer os sinais de AVC mais comuns para agir atempadamente:
– Perda ou perturbação da sensibilidade num braço, perna ou lado do corpo.
– Cegueira súbita em de um dos olhos; perda parcial da visão ou da audição
– Linguagem ininteligível, dificuldades de expressão ou em lembra-se da palavra certa
– Dor de cabeça súbita e forte, sem razão aparente
– Enjoo, visão dupla e debilidade generalizada
Mas as pesquisas dos últimos anos revelaram que afinal, os sinais de AVC nas mulheres podem ser diferentes. Em Fevereiro de 2007, um estudo da Universidade do Michigan, EUA, feito com 1724 participantes de ambos os sexos, concluía que elas tinham 33% menos probabilidades de apresentarem um dos cinco sinais clássicos. Os sintomas atípicos apresentados no estudo incluíam perda de consciência ou desmaios, dor generalizada e membros, dificuldades respiratórias e convulsões. Segundo a equipa, isto põe as mulheres em desvantagem, é menos provável que os médicos reconheçam nelas os sintomas de que um AVC, administrando-lhes as drogas fibrinolíticas que dissolvem os coágulos. Num estudo anterior, de 2002, a percentagem de sintomas não tradicionais nas mulheres subia para 62% e incluía, para além destes, náuseas, ataques de soluços, dor na cara e membros, palpitações e dores no peito.
Porque morremos mais de AVC?
Apesar de relembrar que os estudos feitos nos EUA ou noutros países da Europa não reflectem totalmente a realidade portuguesa, Pedro Marques da Silva, responsável pela Consulta de Hipertensão Arterial e Dislipidemias do Hospital de Santa Marta e autor do ‘Livro da Hipertensão’ em co-autoria com a jornalista Cláudia Borges (Esfera dos Livros, admite que estes dados sobre sintomas atípicos "têm substância".
Porque morremos, então, mais de AVC? "Primeiro, porque as mulheres têm uma esperança de vida maior que os homens". Na verdade, os homens morrem mais de doença coronária a partir dos 55 anos. "Nesses 10 anos de diferença, as mulheres entram na menopausa aumentaram de peso, têm muitas vezes diabetes associada, doenças reumáticas. Vão estar polimedicadas e apresentar várias doenças. A carga da doença não é a mesma do que se aparecesse aos 55 anos; as artérias são mais velhas, é uma doença trabalhada pelo tempo."
As mulheres expressam também as mesmas doenças de maneira diferente. "Há várias manifestações de tipo neurológico, nas mulheres, que fazem com que, frequentemente, sejam descurados alguns sinais de AVC. Têm enxaquecas com mais frequência – uma dor de cabeça que apareça como sintomatologia vascular é interpretada como algo que ela já tem há muito tempo. Além disso, a componente emotiva e de vivência da dor é completamente diferente, o que releva alguns dos sintomas de AVC. Por causa do aumento de peso também têm mais osteoartrose – queixam-se mais de ‘braço dormente’ e dizem-lhes que é um problema na coluna cervical quando pode ser um sinal de AVC."
Os dados de que dispomos provêm de estudos onde, a maior parte dos participantes são homens, avisa Pedro Marques da Silva. "Estamos a dizer que o que é válido para os eles também o é para as mulheres. Mas não temos ainda medicina baseada em evidências do mesmo valor científico que suporte aquilo que já se sabe para os homens."
A verdade sobre os factores de risco
A hipertensão, considerada desde sempre como principal factor de risco para os acidentes cerebrovasculares, "explica parte do problema mas não tudo", explica ainda o clínico. "Os valores médios de distribuição da tensão arterial na população portuguesa são até, aparentemente, mais baixos do que os da Alemanha ou Reino Unido e, no entanto eles, não têm tantos AVC." A diferença genética entre povos moldada por factores culturais como a dieta, pode ser uma hipótese a considerar, avança Marques da Silva.
As conclusões que, até hoje, a Medicina retirou em relação às doenças cerebrovasculares e às mulheres, originaram silogismos como este: se a menopausa é um factor de risco e se significa a perda de estrogénios, então dão-se estrogénios nas terapias de compensação hormonal e os AVC’s diminuem. "Mas não foi assim que se passou e o estudo do Womens Health Iniciative é o exemplo mais cabal disso", observa Marques da Silva. O estudo, que começou em 1997 e devia decorrer até 2005, foi parado em Maio de 2002 quando os responsáveis concluíram que o risco de doenças cardiovasculares e cancro de mama aumentava nas mulheres que faziam terapia hormonal há mais de quatro anos. Por cada fractura decorrente de osteoporose que se evitou (o estrogénio protege-nos desta doença óssea), houve oito AVC, diz a NSA.
O que fazer em caso de emergência
As primeiras três horas a seguir a um AVC, são determinantes para que o tratamento seja eficaz e que se evitem as sequelas neurológicas. Sempre reconheça os sinais de AVC, deve deitar o doente de lado, certificando-se que respira bem, e chamar imediatamente o 112, solicitando a Via Verde do AVC, que o conduzirá a um Hospital equipado com uma Unidade de AVC também chamada de ‘tratamento de fase aguda’.