Não é à toa que a hipertensão é chamada “doença silenciosa”. Muitas vezes nem se anuncia de mansinho com sintomas, até ao primeiro grande susto cardiovascular. “É muito prevalente na população portuguesa e um fator de risco muito importante para o enfarte do miocárdio, do AVC e da falência renal, que leva à entrada em diálise – é muito habitual os doentes em diálise serem hipertensos ou diabéticos, ou ambos”, alerta o cardiologista Pedro Gonçalves, do hospital de Santa Cruz, em Lisboa. A hipertensão afeta 42% dos portugueses adultos mas apenas 11% a têm controlada clinicamente.
Simples e sem cirurgia
Pedro Gonçalves, juntamente com o cardiologista Manuel Almeida e as nefrologistas Augusta Gaspar e Patrícia Branco, do mesmo hospital, formam uma equipa interdisciplinar pioneira em Portugal, numa intervenção pensada para os casos mais difíceis, a ablação renal para hipertensão arterial resistente. “Não é uma cirurgia nem é feita num bloco operatório e, sim, num laboratório por cardiologistas de intervenção”, explica Pedro Gonçalves. “O doente não está sob anestesia geral, mas tem o apoio de um anestesista que lhe pode dar medicamentos que lhe tiram as dores e o adormecem. Depois, é introduzido um cateter na artéria femoral, dentro do qual está outro ainda mais fino que aplica radiofrequência na artéria renal. A radiofrequência aquece os tecidos e destrói as terminações nervosas que fazem a comunicação entre o sistema nervoso e o rim, sem destruir a artéria renal.” A intervenção dura cerca de uma hora; o doente vai para casa no dia seguinte e ao fim de três pode voltar à vida normal. É indicada para hipertensos resistentes aos medicamentos. “Já tomam, em média, cinco ou seis fármacos só para a hipertensão e continuam com valores muito elevados. Têm, em média, entre 50/65 anos e um risco maior de acidentes cardiovasculares”, diz Augusta Gaspar.
A equipa ouviu falar do tratamento pela primeira vez há quase três anos e desde então tem feito formações consecutivas e esforços logísticos para o trazer para Portugal. Um estudo internacional publicado no jornal médico ‘The Lancet’, em 2010, confirmou que era eficaz e apontava para uma redução de cerca de 30mm na tensão sistólica (o valor mais alto). O tratamento está a ser feito, por esta equipa, nos hospitais de Santa Cruz e Luz (Lisboa), e também já está disponível em Santa Maria e Santo António (Porto). De julho a outubro, nove doentes foram tratados, com resultados animadores até agora. Para já, tem o inconveniente de ser caro – cerca de 4500 euros – mas pode salvar vidas.
Um problema nada simpático
Hoje, os médicos sabem que, em muitos casos, é o sistema nervoso simpático que está por detrás desta hipertensão resistente aos medicamentos, tal como de alguns casos de resistência à insulina na diabetes de tipo 2. O sistema nervoso simpático é uma das partes do sistema nervoso autónomo, que controla vários órgãos internos. O sistema simpático ajusta o organismo a suportar situações de perigo, esforço intenso, stresse físico e psíquico. São as suas terminações nervosas, situadas na artéria renal, que são destruídas através desta intervenção. Na maioria dos casos de hipertensão, são as artérias que estão doentes e rígidas. Mas aqui o problema é outro. “Os rins são órgãos endócrinos, sensores e emissores de estímulos, e contribuem para estados de hiperatividade do sistema simpático. Nestes casos, a hipertensão é uma manifestação desta hiperatividade”, explica Patrícia Branco. “Este tratamento permitiu não só controlar a hipertensão mas também baixar os níveis de glicemia em jejum nos doentes que os tinham altos.” Augusta Gaspar acrescenta: “Cerca de 30% dos doentes que entram em diálise têm esta doença metabólica, que também se manifesta por diabetes e dislipidemias [colesterol e triglicéridos elevados].”