Como é que podemos descrever uma dor de cabeça? Pode ser aquela dor que mais se assemelha a uma pressão sobre o crânio e que faz com que o seu dia custe muito mais a passar. Ou a enxaqueca que até consegue pressentir chegar e que a faz sentir-se doente, enjoada e incapaz de fazer seja o que for, a não ser deitar-se num lugar silencioso e escuro. Ou aquela dor de cabeça que aparece todos os dias a meio da tarde e a impede de se concentrar no seu trabalho e a leva a tomar analgésicos quase todos os dias. Ou pior, mas muito mais rara: a dor que a acorda a meio da noite e que, numa questão de segundos, se torna intolerável como um ferro em brasa, obrigando-a a andar no quarto de um lado para o outro agarrada à cabeça. Quase todos sofremos uma dor de cabeça mais ou menos intensa ao longo da vida. Mas para algumas pessoas a intensidade e frequência das crises torna-as num verdadeiro pesadelo.
MAIS FREQUENTES NAS MULHERES
As dores de cabeça, ou cefaleias, não são todas iguais. “A grande maioria não tem outra causa por trás; são já, em si próprias, uma doença. São as chamadas cefaleias primárias”, afirma Jorge Machado, neurologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias. “A pequena percentagem de dores de cabeça que são tradução de outra doença, chamam-se cefaleias secundárias: é o caso de quem sofre de refração ocular e passe um dia ao computador, quem faça um traumatismo craniano ou tenha um tumor cerebral (raríssimo). O grande medo das pessoas é que a sua dor de cabeça possa ser tradução de outra doença – sobretudo um tumor – mas em mais de 95% dos casos são primárias. É raro que uma pessoa com uma dor de cabeça intensa e um exame neurológico normal tenha uma cefaleia secundária.”
Se para despistar a diabetes basta uma análise ao sangue, não há nenhum exame analítico, eletrofisiológico ou imagiológico que permita diagnosticar dores de cabeça primárias. “Mas uma história clínica bem feita e um exame neurológico normal permitem-nos fazer o diagnóstico, com uma grande dose de certeza, do tipo de cefaleia primária que o doente tem, seja ela enxaqueca, dor de cabeça tipo tensão (as mais frequentes), ou cefaleia em salvas, esta mais rara (ver caixa).”
Quase todos os tipos de dores de cabeça são mais comuns nas mulheres, à exceção da cefaleia tipo salvas. “Os fatores hormonais são um potente estímulo desencadeante de crises”, explica o neurologista. “Grande parte das senhoras tem-nas durante o período fértil da vida. O principal fator para aparecerem é a baixa abrupta dos níveis de estrogénios em circulação, antes e durante a menstruação. Se tomarem a pílula e não fizerem a habitual paragem da toma não têm período. Essa, aliás, é uma das estratégias terapêuticas que usamos com as senhoras que tomam a pílula e têm crises sobretudo durante a menstruação. Depois da menopausa, na maioria dos casos, as crises desaparecem porque deixa de haver essa oscilação.”
O único tipo de dor de cabeça mais comum entre os homens é a cefaleia em salvas, que afeta três em cada mil pessoas. “A sua dor está descrita como sendo uma das dores mais intensas que se podem sentir.” Estudos recentes chamaram a atenção para as alterações que as pessoas que sofrem deste tipo de cefaleia apresentam no hipotálamo, a parte do cérebro que controla o nosso relógio biológico.
CUIDADO COM A MEDICAÇÃO EM EXCESSO
“A cefaleia do tipo tensão é a mais frequente, afetando 78% dos adultos ao longo da vida. É aquela que as pessoas referem como ‘dor de cabeça normal’. Não há dores de cabeça ‘normais’, o normal é não as ter”, observa Jorge Machado. Pode ser desencadeada por stresse ou por uma má postura enquanto trabalha ao computador, que aumenta a tensão nos músculos do couro cabeludo e pescoço. “É muito menos incapacitante que a enxaqueca, embora, em termos de saúde pública não seja menos importante porque ainda leva menos as pessoas ao médico. Conduz a outra situação terrível, que é a dor de cabeça por uso excessivo de medicação. As cefaleias de tensão e a enxaqueca são as únicas dores em que a medicação usada para a aliviar pode agravá-la, se tomada em excesso. É a maneira melhor de se passar de uma dor de cabeça episódica a uma crónica.” Por isso, não tome comprimidos para a dor de cabeça mais do que duas vezes por semana (10 ao mês) se não quer que ela passe a ser crónica e diária.
O ácido acetilsalicílico, o paracetamol, a codeína e o ibuprofeno, os analgésicos mais comuns de venda livre, mas também os medicamentos para tratar a enxaqueca (triptanos e ergotamina), estão associados a este problema. Pensa-se que isto acontece porque, ao longo do tempo, os analgésicos vão alterando os sistemas de sinalização da dor situados no cérebro, que se habituam aos efeitos da medicação; esta passa a ser necessária em doses cada vez maiores. Embora não seja exatamente igual, uma dor de cabeça deste tipo pode surgir devido ao consumo excessivo de bebidas com cafeína – café, chá ou bebidas ‘energizantes’.
“MALDITA ENXAQUECA!”
Uma em cada sete pessoas – 15% das mulheres em idade fértil e 10% dos homens – sofre de enxaqueca. As mulheres têm três vezes mais probabilidades de vir a desenvolvê-la. Pode ser