Rúben Pacheco Correia: “As decisões mais importantes da minha família são sempre tomadas à mesa”

Fevereiro marca a estreia da primeira edição do Chefs à Prova, uma experiência verdadeiramente imersiva no mundo da gastronomia, onde mais de 50 chefs – conceituados e em ascensão – foram desafiados a criar experiências gastronómicas únicas, num menu de degustação com quatro pratos, onde a cerveja é o ponto de partida. Esta iniciativa, que acontece de Norte a Sul do país, também marca presença nos Açores, e foi até lá que nos levou para uma conversa com Rúben Pacheco Correia, onde os sabores e os cheiros açorianos se misturam facilmente com as memórias de quem tem na cozinha uma grande paixão de família.

Como é que se casam os sabores açorianos com uma cerveja espanhola?

A gastronomia é multicultural. Se hoje temos um conjunto de receitas, produtos e técnicas a que podemos chamar de gastronomia açoriana, tivemos que ter, no passado, aquando do nosso povoamento e desenvolvimento, influência de várias gastronomias de diferentes povos que vieram povoar as ilhas. Portanto, esta fusão de sabores do mundo já não é estranha aos sabores dos Açores. Além de multicultural, a gastronomia é intemporal, ou seja, todos os dias contribuímos para a sua História e creio que a presença desta cerveja agora nos Açores, harmonizando com receitas que nos caracterizam enquanto povo, é um desafio, mas sobretudo é mais um passo na fusão de sabores continentais e ilhéus. Creio que juntar sabores diferentes de vários pontos do mundo é sempre um casamento perfeito. No caso em particular dos Açores, e tendo em conta as características de cada uma das cervejas, diria mesmo que é já obrigatório degustarmos algumas das nossas especialidades acompanhando com Estrella Damm e outras marcas do grupo.

Foi fácil criar um menu de quatro pratos com estas exigências?

O desafio foi lançado ao meu novo restaurante, Mercado da Vila. E como o conceito deste espaço são quatro cozinhas, com assinatura de quatro chefes diferentes, meus consultores neste projeto, a ideia foi selecionar um prato de cada uma destas cozinhas, pensado para as características de cada uma das quatro cervejas da marca que temos ao nosso dispor. Da cozinha oriental, selecionamos para começar um Mishosiru, que acompanha perfeitamente com a Inedit, no meu entender. De seguida, uma entrada com sabores bastante regionais: uns bombons de morcela com chutney de ananás da ilha que casa perfeitamente com a Estrella Damm. Depois, um hambúrguer de atum dos Açores, que precisa da consistência da Voll Damm e, claro, para sobremesa um Tiramisù com a Bock Damm que é, por si só, uma sobremesa. De todas as cervejas, é a minha preferida.

Embora seja um homem de desafios, como foi aceitar este especificamente?

Fiquei muito feliz, sobretudo por ter o meu novo espaço, com poucos meses de existência, num evento como o Chefs à Prova, com a dimensão que tem.

“A mesa é uma espécie de embaixada internacional, sem fronteiras, sem limites, sem cores, onde a diversidade e a partilha são as palavras de ordem”

A cerveja faz parte do convívio dos portugueses. E a cozinha é muito essa partilha. Tanto numa, como noutra, falamos de uma comunhão de afetos, não é?!

A cerveja é das bebidas mais antigas do mundo, pelo que esteve sempre presente nos grandes momentos de toda a nossa evolução. E, claramente, é uma das bebidas que faz parte das grandes comemorações, sobretudo em momentos de comunhão de afetos e família, tal como  é a cozinha também. São elementos que nos ligam e que nos aproximam, à volta da mesa. A mesa é uma espécie de embaixada internacional, sem fronteiras, sem limites, sem cores, onde a diversidade e a partilha são as palavras de ordem.

É isso que a cozinha é para si: afetos?

É sobretudo afeto. Aliás, se formos à Antiguidade Clássica, encontramos recorrentemente em textos de grandes filósofos a palavra “ágape”, expressão utilizada para os banquetes diários, afectuosos. Na atualidade, ainda em grego, “ágape” é uma das palavras utilizadas para o amor. Ou seja, o amor intimamente ligado à gastronomia, à partilha, à cozinha, à mesa.

Esta paixão pelos sabores e pelos alimentos vem-lhe de família, da sua mãe, não é verdade?

Sem dúvida. Sou neto e filho de cozinheiras. O meu contacto com as panelas, com as cozinhas, com a comida, é inato. As decisões mais importantes da minha família são sempre tomadas à mesa e desde muito cedo que fui educado para ter muito respeito pelos alimentos, pelo que se come e por quem se propõe a cozinhar. É uma vida dura, de total dedicação. E acompanhei sempre de perto este sacrifício da minha mãe e da minha avó nesta entrega diária que é a cozinha e a restauração.

“Quando falo em gastronomia tradicional açoriana e recordo-me da minha bisavó Rosa a fritar malassadas ou a preparar o bolo da sertã, claramente que se torna numa ligação afetiva, mas também identitária”.

Esta partilha de memórias, tanto olfativas como visuais, torna esta sua paixão pela cozinha ainda mais especial? Acaba por ser uma ligação afetiva…

Completamente. Costumo referenciar a minha mãe e a minha avó paterna como referências para mim na cozinha profissional, na restauração. Foram elas que me ensinaram o pouco que hoje sei e emprego nos meus negócios, enquanto empresário da área. Mas depois, a paixão pela gastronomia mais genuína foi-me passada pela minha bisavó e pela minha avó materna que, não sendo cozinheiras, mas cozinhando perfeitamente, mostraram-me o outro lado da gastronomia, não profissional digamos, mas que é a nossa gastronomia. A cozinha das nossas tias, das nossas avós, que longe dos holofotes e da ribalta, das cozinhas dos grandes chefes, deram, ao longo dos anos, o seu contributo para a preservação das receitas mais antigas e humildes dos Açores. E aí, claramente, quando falo em gastronomia tradicional açoriana e recordo-me da minha bisavó Rosa a fritar malassadas ou a preparar o bolo da sertã, claramente que se torna numa ligação afetiva, mas também identitária. Há um escritor francês que dizia “diz-me o que comes, dir-te-ei quem és” e revejo-me muito nestas palavras.

O Rúben é uma espécie de embaixador dos sabores dos Açores. Num desafio como este, do Chefs à Prova, ainda sente mais responsabilidade em enaltecer esses mesmos sabores?

Nestes últimos anos, tenho dado o melhor de mim para promover os Açores e os seus produtos. Neste evento, com a dimensão nacional que tem, não poderia ser diferente. Mas falo dos Açores, como falo de mim. Tenho os Açores tatuados na alma e isto reflete-se em tudo o que faço. Nos pratos, nos restaurantes que abro, nos livros que escrevo, enfim.

Qual é o cheiro e o sabor que associa imediatamente aos Açores?

Pergunta muito difícil. Os Açores são ilhas de vários aromas e sabores. Mas a ter que responder, diria que destacaria o cheiro da salsa e o sabor da pimenta da terra. E estes dois ingredientes dariam para mais uma conversa, não tivesse recentemente escrito Miguel Esteves Cardoso que há uma fronteira de Portugal da salsa que divide Portugal dos coentros. Os Açores, estariam do lado da fronteira da salsa.

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