Muito se tem falado em apropriação cultural nos últimos dias. Um termo que, a meu ver, ainda causa alguma confusão à maioria das pessoas.
A primeira vez que ouvi a expressão (e que me fez todo o sentido) foi em 2016, quando uma conhecida revista feminina internacional creditou Kim Kardashian por ter colocado as boxer braids no mapa. Ora bem, e o que são as ditas tranças à pugilista? Nada mais nada menos que tranças corridas — as mesmas que têm o poder de marginalizar pessoas de minorias étnicas em diferentes esferas, da social à profissional — rebatizadas.
Muito resumidamente, este processo de ‘lavagem’ fez com que o penteado deixasse de ser visto como descuidado e pouco profissional, entre outros adjetivos preconceituosos e dolorosos, para ser aclamado e descrito pelas massas como “exótico”, “inovador”, “refrescante” e “divertido”. A grande diferença? Quem o usa, da cor da pele à textura do cabelo.
Não muito tempo depois, um artigo do New York Post elogiava Sasha Obama por ter aderido à tendência “inspirada por celebridades e pela popularidade das lutadoras da UFC” para marcar presença num evento na Casa Branca. Completamente desconectado da realidade, o jornalista Alev Aktar ignorou o facto de este estilo clássico nunca ter saído de moda, particularmente nas comunidades negras, associando-o a toda a gente, menos às referências que, muito provavelmente, a filha mais nova de Barack e Michelle Obama teve durante toda a vida.
E mais: observações deste género confirmam que os meios de comunicação mainstream não veem as minorias, ou as contribuições das mesmas para determinados fenómenos da cultura popular, até que uma pessoa branca ou racialmente ambígua lhes dê uma espécie de selo de aprovação. Pelo meio fica a noção de que este fascínio por parte dos média só existe porque os caucasianos finalmente estão a par de algo que já existia há muito tempo.
No que diz respeito a este assunto, é importante referir que nem sempre os perpetradores são brancos e as vítimas negras — lembram-se do caso da Camisola Poveira de Tory Burch que tanto revoltou o País? —, embora esse cenário tenda a gerar mais polémica.
De acordo com a organização americana National Conference for Community and Justice, o termo apropriação cultural “faz referência à utilização de objetos ou elementos de uma cultura não dominante de uma forma que reforça estereótipos ou contribui para a opressão, e não respeita o seu significado original ou dá crédito à fonte. Também inclui o uso não autorizado de partes da cultura alheia (roupas, dança, etc.)”.
Quer isto dizer que qualquer pessoa pode usar tranças corridas, torcidos, rastas, perucas e aquilo que bem entender. Isto só se torna um problema quando nós, enquanto sociedade, compramos a ideia de que essas tendências são novas ou foram impulsionadas por celebridades.
Por fim, não posso deixar de referir a cultura de cancelamento. Às vezes, a pressa para apontar um erro é tanta que nos esquecemos de analisar a intenção por detrás de uma determinada ação. Será que foi mesmo discriminar, oprimir e marginalizar? Algumas pessoas são só cringe em tudo o que fazem, mas isso não lhes vale automaticamente o rótulo de racistas. Enquanto tentarmos resolver certos problemas com humilhação em praça pública, o caso vai continuar mal parado.