Imaginem que têm uma macieira. Plantam a semente, regam anos e anos a fio. Esperam que a árvore dê fruto e depois esperam mais algum tempo que amadureça. Quando a maçã está no ponto, bem docinha, vocês pegam nela e deitam fora – para o baldinho de resíduos orgânicos, esperemos – e optam por uma maçã mais verdinha que decidem amadurecer fora da árvore (pensem nas mangas que vêm de barco e nas que vêm de avião).
Esqueçam Adão e Eva, o bíblico casal de nudistas enrolados com uma árvore, não é aí que quero chegar. Muito menos à “relação especial” de 15 anos que o tenista Novak Djokovic mantém com uma árvore de Melbourne, até porque parece tratar-se de uma figueira. A história da maçã que vos trago hoje é do Diabo, uma analogia para a forma como a sociedade encara a idade: a maçã é uma mulher (podia ser um homem, mas cada macaco na sua macieira) e vocês as empresas. Sei que prefeririam que a analogia fosse feita com peras, pelo aspeto físico da coisa, mas nas minhas analogias cabem todas a frutas, como manda a ética da inclusão, e não me apetece levar um banano do sindicato tutti-frutti.
Voltando à maçã madura – claramente uma mulher com mais de 50 –, não seria mais lógico que, ao estar finalmente docinha – e apesar de pontuais amarguras –, aproveitassem todo o seu sumo? Eu sei que estamos a falar de fruta, mas só me apetece dizer que é a lógica da batata. Aproveitar uma maçã sumarenta não quer dizer que não se continue a regar as verdinhas que permanecem na árvore – um dia elas também estarão no ponto. Claro que as maçãs não são todas iguais, na verdade nunca percebi a diferença entre uma maçã e um pero, só que tendo e encolher–me quando me oferecem este último.
Lembrei-me disto porque tenho 50 anos e pelos menos 17 até à reforma. (Quando tinha 20, também eu achava as maçãs maduras um bocadinho podres – desculpa, mãe!) Tenho amigas à procura de trabalho, cansadas de ouvir que são sobrequalificadas. A minha sogra costuma dizer que onde cabe muito cabe pouco (e também chama peros a todas as maçãs, indiscriminadamente) e isso aplica-se à sobrequalificação. Ou seja, se eu sei falar inglês e francês e candidatar-me a um cargo onde seja preciso falar em inglês, não será por falar outra língua que deixo de ser adequada. N’est-ce pas?
Uma amiga, jornalista, costuma dizer que se não encontrar emprego vai para a reposição noturna num supermercado. Mas temo que ela seja sobrequalificada para o trabalho. Estou a vê-la a entrevistar o azeite a propósito da inflação ou a cobrir uma manifestação de garrafas de vinagre a reivindicar o mesmo estatuto dos vizinhos azeiteiros. Se bem a conheço, vai entreter-se a editar as prateleiras e a pôr os artigos expostos na ordem. O azeite novamente todo inchado por manter a liderança virgem, o gin e o zimbro desaparecidos, sem nunca terem oportunidade de representar as respetivas categorias alfabéticas, e, na ressaca, a minha amiga emprateleirada para todo o sempre.
Nada contra as verdinhas, mas no outro dia ficou provado que talvez seja boa ideia continuar a apostar nas maduras. Um problema na empresa levou-nos a regressar a um programa informático antigo e adivinhem quem de repente era indispensável? Aqui a tiktoker do tempo da Bota Botilde (ou do Limão, que vai aqui melhor)… Toca a seguir a maçã docinha. Bravo! ‘Mofo’ é que não.