1 – O Profissional da Praia – Está em todo o lado na praia como se tivesse dez clones simultâneos. Vai-se ao bar e ele está lá a beber tequillas, vai-se ao banho e ele está lá a furar ondas, volta-se para a areia e, ninguém sabe como, ele já lá está a atirar-nos a bola para cima e a encher-nos de areia e a dar gargalhadas demasiado altas para serem genuínas, gargalhadas que só são menos intensas que o seu bronze. Orgulha-se que os empregados da esplanada o tratem por tu, dá palmadões nas costas dos pescadores, conhece a vida inteira do nadador salvador, leva um rancho de crianças ao banho, já comeu todos os gelados do carrinho e se começar a falar com ele, de certeza que têm um primo comum em Alfornelos.
2 – O Tio de Férias – O Verão incomoda-o sempre um bocado: tem areia a mais, povo a mais, sol a mais, água a mais, carros a mais, e em geral, imensa gentinha a querer ir exactamente aos mesmos sítios que ele, que maçada. Quando pode, prefere as piscinas dos hotéis, que pelo menos não têm areia e selecionam a clientela, ou então as esplanadas, que não têm pindéricos a dar mergulhos de chapão nem criancinhas suecas a avançar cegamente à velocidade do carro do Batman atrás de bóias em forma de cisne e a gritar – Mamã, estou a divertir-me bué neste país bárbaro e sem segurança social decente – em sueco, mas mesmo as esplanadas já foram invadidas pelo povo. Deixa-se estar no seu poiso com o chapéu inclinado para a testa e os óculos na ponta do nariz e uns caracolinhos a enrolar-se na nuca para mostrar que pode não ter cabelo à frente mas inda tem atrás que chegue para um penacho guerreiro, a tentar ler o suplemento de economia do ‘Expresso’ mas sem conseguir abstrair-se de achar que toda a gente está a olhar para ele e a dizer: – Olha aquele tio com uma barriga tão descomunal – e que Portugal está cada vez mais entregue aos bichos e que para o ano se há-de ir para o Brasil, se bem que, com a praga das ‘low-cost’, até o Brasil actualmente esteja invadido de gente sem categoria nenhuma.
3 – O Empregado de Bar Stressado – Deixou-se convencer pelo primo que é amigo do dono do bar a ganhar uns cobres durante Agosto para em Setembro poder ir para a ‘night’ de Ibiza, mas acaba tão derreado que gasta os cobres todos numa noite no Algarve e passa Setembro em casa da Tia Odete deitado na cama com uma colcha de malmequeres que é pequena de mais para ele e onde ele dorme com as pernas encolhidas como a Branca-de-Neve na cama dos anões. De dia trabalha no bar ‘Mar & Sol’ como se tivesse morrido e acordado no Inferno. Não tem jeito nenhum para aquilo: embrulha as ordens, esquece-se dos nomes dos gelados, põe manteiga no pão que era sem e deixa a seco a torrada, esturra a sandes mista, deixa derreter o gelo, entorna os cafés, empurra as crianças, tropeça nos degraus, anda a correr e demora, demora, demora. Claro que há os eficientes: mas desse, tristemente, nunca nos lembramos.
4 – O Citadino Zen – Este não passou o ano a rezar para que Agosto chegasse, nem via praias de areia branca quando fechava os olhos nas aulas de meditação. Passa a vida a dizer que adora a cidade em Agosto, ‘tão vazia’. Vai para as esplanadas ler, vai aos museus, diz ele e é capaz de ser verdade, porque sabe dizer o nome de pelo menos três exposições com nomes do tipo “Instalação para Duas Cadeiras e Um Bacalhau da Noruega’. Nós chegamos de férias com aspecto stressado, enjoado, despenteado, desesperado, e ele recebe-nos com ar quase irreal de tão branco. Parece a menina do ‘Exorcista’, estamos quase à espera de o ver desatar a vomitar para cima de nós, mas quando ele abre a boca é para dizer qualquer coisa pseudo-simpática do estilo, “Então a praia, estava boa?” com aquele sorriso que diz, “Coitadinha, é boa rapariga mas é um bocado primária”. Entre aquilo e vomitado, a diferença é praticamente nula.
5 – O Chato da Excursão – Ou do quarto ao lado, ou das termas. Há sempre um chato pronto a ocupar o lugar dos nossos chatos habituais, deve ser uma qualquer lei universal da física. Nas excursões senta-se ao nosso lado na camioneta e não se cala. É capaz de passar 700 quilómetros a ler-nos o guia das catacumbas ou a explicar-nos como é que os escravos construíam as pirâmides ou pior ainda, como é que os seus queridos filhos viviam injustiçados pelos professores. A pessoa quer aproveitar uns dias a sós com o amor da sua vida e ele insiste em combinar passeios a quatro e cola-se a nós para o resto da estadia. Acha que a vida é para ser vivida em grupo e não percebe que há quem queira estar a dois, ou mesmo a um.
7 – O Estrangeiro – Vem em muitas cores, tamanhos e feitios, mas basicamente em duas versões: versão encantada e versão furiosa. Ou acham tudo lindo, os portugueses simpáticos, o sol maravilhoso, os campos de golfe adoráveis, os percebes divinos (não que eles consigam dizer percebes), ou passam a vida a torcer o nariz porque as praias não são como lhes venderam no folheto da agência, a água parece sopa, a cerveja está quente, as ruas estão sujas, os nativos são porcos, os empregados são lentos, o hotel não tem jacuzzi, e o sumo não tem palhinha.
8 – O Chefe de Calções – Avistamo-lo ao fundo da praia a caminhar na nossa direcção. Ao princípio ainda achamos que pode ser outra pessoa, mas não, é mesmo ele! É cada vez mais ele: só que em vez de fatinho cinzento e gravatinha ainda mais cinzenta, agora vem ataviado com uns calções de palmeiras, coqueiros e papagaios e com uma loira que não é a Mrs. Chefe pelo braço. Tentamos fugir, mas já não podemos. As palmeiras, os papagaios e a loira que não é a Mrs. Chefe estão cada vez mais próximos. Revemos mentalmente todos os episódios do ‘Prison Break’ mas temos o mar à direita, banhistas à esquerda e o Chefe mais os coqueiros e a loira à frente. Não há fuga possível. Passamos por ele e fazemos um sorrizinho amarelo (tal como no escritório à segunda feira de manhã quando ele usa fato e gravata). É escusado o ataque de pânico: ele nem nos vê. Ou finge que nem nos vê. À noite, é dos voluntários que se levantam para imitar a Marylin Monroe de vestido branco.
9 – O Amigo de Há Anos – Há dez anos que não nos víamos, quando ele foi trabalhar para Londres e depois casou com uma londrina e nunca mais voltou à pátria. Agora dão um com o outro ao virar de uma qualquer esquina de Armação-de-Pêra e é como se nunca se tivessem deixado. Vamos lanchar à esplanada e pomos dez anos de vida em dia enquanto a londrina (que já não é a primeira, se calhar até já nem é a segunda) come tremoços. Casamentos, filhos, divórcios, e o que aconteceu à Filomena que nunca mais ninguém a viu. Trocamos mais e telemóveis. Separamo-nos com juras de nunca mais ficar um mês sem dar notícas. Sabemos perfeitamente que vão passar mais dez anos até darmos um com o outro noutra esquina qualquer, com outra londrina qualquer, de preferência num sítio mais exótico.
10 – O Nativo – Pode ser o verdadeiro nativo, como na Polinésia, pode ser o mascarado de nativo, como nas piscinas dos hotéis a servir daiquiris aos estrangeiros (nós) , pode ser um nativo daqueles tipo franceses, que nos insultam, ou ingleses, que nos ignoram, ou holandeses, que medem mais meio metro do que nós, e com quem nos fartamos de aprender palavras novas (insultos em francês, agradecimentos em inglês, 20 palavras diferentes para dizer cerveja em holandês). Ou podem ser os nativos de cá da terra mesmo, os velhinhos de beira da estrada (há cada vez menos, porque as estradas já não passam pelos velhinhos) a quem perguntamos direcções quando estamos perdidas e que nos dizem que ‘é sempre em frente, depois vira à esquerda, depois passa uma rotunda, depois vira à direita, depois há um cruzamento, depois passa três saídas e vira na quarta’ e a gente agradece com muitas mesuras e segue caminho a pensar – Como é que era?