O Apressadinho – Apita ao da frente, apita ao de trás, apita ao do lado, e se há coisa que lhe transtorna a cabeça é ter alguém à frente. Como normalmente toda a gente que vai na estrada tem alguém à frente, o seu percurso é um constante rol de ultrapassagens e angústias. Se lhe calhou um assim, nem pense em entrar na cama, a não ser que queira o tipo de carro, desculpe, de homem, que só pensa em si próprio, chega lá em 5 minutos, e depois ainda passa a vida a gabar-se dos seus feitos e a achar que é o Casanova.
O Nervoso – Estaria na categoria do apressadinho se não tivesse tanto medo de possibilidades que na maioria das vezes não acontecem: matar o polícia, atropelar um cão, meter a marcha-atrás em vez da 5ª, e galgar a faixa da esquerda enquanto está a mudar de CD. Farta-se de travar e vai aos repelões. Não espere um Marquês de Sade: nunca vai fazer nada muito original com medo de lhe desagradar, e passará o tempo todo enervadíssimo a perguntar: "Então, foi bom não foi?"
O Vaidoso – Carro, para ele, nunca é menos de um Jaguar, ou quando muito um Volvo (mas não dos cor de laranja com 50 lugares, que são para o povo). Nos semáforos, arranca e mete a primeira sempre a olhar para o carro do lado e a fazer olhinhos à loira, razão pela qual se estampa todas as semanas. Pede imensas desculpas ao condutor da frente, preenche a declaração amigável e, se for mulher, convida-a para ‘tomar um drinque’. Se conseguir prolongar a coisa para além do drinque, é daqueles que faz imensas acrobacias e adora testar coisas novas, mas geralmente diverte-se mais ele do que outra pessoa qualquer…
O Condutor de Fórmula 1 – Diz sempre que se andar a menos de 160 km/h adormece. No dia em que sofrer um desastre, terá morte imediata por colidir a 300 contra uma retroescavadora. É avistado a passar na autoestrada do Norte tão depressa que os outros condutores não se apercebem se é um pássaro, um avião ou o Super-Homem. Vai tão disparado que nunca teve oportunidade de ler aqueles avisos ‘Conduza na faixa da direita’. Anda sempre pela esquerda porque é do lado esquerdo que fica a Via Verde e toda a gente sabe que as faixas do centro/direita são para totós e ele não pode parar nem um segundo, sob o risco de ser desclassificado do ‘Grande Prémio Pato Bravo 2010’. Se arranjar um assim, ou consegue acalmá-lo, ou vai ser daqueles que quando foi, já era.
O Relaxado – Passeia-se ao Domingo pela linha de Sintra a 40 à hora. Tem no assento uma daquelas esteiras de madeira com bolinhas que parecem carraças aglomeradas umas às outras. O Sábado é inteiramente dedicado ao carro, lava-o com balde e esponja, dá-lhe cera de polir e põe os pneus a brilhar com óleo de bebé que aplica com cotonetes em cada sulco, murmurando-lhe palavras de amor ao, enfim, ouvido. Corre o risco de ligar mais ao carro do que a si, mas se conseguir convencê-lo a uma noite romântica, e se ele não estiver completamente esfalfado de pôr óleo com cotonetes nos sulcos, pode ter uma belíssima surpresa.
O Malcriado – É perito em tapar a saída a outros, e quando lhe chamam à atenção acha que ‘as pessoas fazem uma cena por uma coisa de nada’. Claro que, quando lhe tapam a saída a ele, percorre os restaurantes da rua a espumar de raiva e arrasta o condutor pelos colarinhos. Se vai para a Av. Almirante Reis nº53, vai mesmo para a Av. Almirante Reis nº53, e se não houver lugar pára em 1ª, 2ª ou 53ª fila. Acham que se têm carro é para irem de carro a todo o lado, porque andar dois passos lhes faz calos e lhes traz fantasmas de pobreza, têm medo que alguém que eles conheçam os veja andar a pé e pense: ‘olha o Silva não tem carro’. Na cama ele é que manda. É sempre na sua posição preferida, à hora a que lhe apetece mais e as vezes que lhe apetecer. Porque em casa dele ‘ele é que usa as calças’. Arrisca-se a que o mandem mandar para outro lado.
O Assobiador – Não, não é o que vai a mandar piropos pela janela, é o que vai a assobiar baixinho o caminho todo, com um ar muito calmo, sem precisar de provar nada, a meter as mudanças como se o carro fosse um prolongamento do seu corpo. Deixe-se ficar depois do pôr do sol, que vai valer a pena.