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Compenetrado, o Tiago revia a matéria para o teste. “É o sistema respiratório, certo?” O pai abanava a cabeça, distraído. O Tiago continuava. “Então, primeiro há as fossas nasais, depois a faringe, depois a laringe, e depois, sabes?” O pai abanou a cabeça. Já tinha feito a quarta classe há mais ou menos 35 anos, quando ainda se chamava quarta classe, lembrava-se lá do que é que vinha a seguir à laringe. “A traqueia!”, ensina o Tiago. “E a seguir à traqueia, sabes?” O pai torna a acenar a cabeça. Indignado, o Tiago explode: “Mas tu, afinal, não sabes nada!”


A história dá vontade de rir, mas a verdade é que a primeira vez que se cai do pedestal é trágica para qualquer pai ou mãe. Pode ser o sistema respiratório, pode ser aquele jogo da Playstation em que eles, como dizia a Mafaldinha do Quino, nos fazem morder o pó da derrota, pode ser aquela cena típica de perceberem em meio minuto como é que funciona o Ipod que acabámos de comprar. É sempre duro. E sendo que poucos pais guardaram eternamente o estatuto de heróis, hoje em dia é cada vez mais habitual que eles nos ultrapassem em conhecimentos, principalmente informáticos: o que é normal – afinal, eles já nasceram na era dos computadores, enquanto nós permanecemos largamente pré-históricos.

APRENDA TAMBÉM

Afinal, como é que podemos manter o ego intacto? “Não podemos”, ri a psicóloga Rita Xarepe. “Quem quer manter o ego, o nosso lado que não dá parte de fraco, não deve lidar com crianças…”

Por isso, se a sua criança acabou de descobrir que afinal você não sabe nada acerca de qualquer coisa, relaxe, respire fundo, e passe à etapa seguinte: aprender com ela, em vez de ficar a pensar que efectivamente é um zero à esquerda. “Abrirmo-nos a isso é melhor do que ir a um spa: é uma cura de rejuvenescimento”, nota Rita. “Podemos dizer: ‘Pois não, não sei, explica-me, porque os pais não têm de saber tudo!'”

Humm. Mas isso não é assim tão fácil de fazer, pois não? “Pois não. Porque nós crescemos com o padrão de adulto como um ser intocável que sabe tudo, ainda é a herança do antigo regime em que as pessoas não podiam ser elas próprias.”

Mas nem todos temos de ser superinteressados em computadores e informática. E se eu simplesmente não quiser aprender? “Claro que isso depende do contexto”, explica a psicóloga. “Imagine que tem uma relação óptima com o seu filho, em que há outros temas e pólos de interesse onde os dois se encontram. Aí pode dizer, ‘ai isso não me interessa muito’. Hoje em dia o importante não é ter informação, é saber chegar a ela. Cada pessoa tem os seus interesses, e ninguém pode saber tudo. Mas se aquele for o único bocadinho que passa com ele, se calhar mais vale tentar a ponte…”

VALORIZE A SABEDORIA DELES

Aquele era um serão familiar como outro qualquer, com amigos presentes, e um novo ‘membro’ da família, um MP3 última geração. Estavam todos a tentar perceber como funcionava, quando o Rodrigo, de 12 anos, descobriu imediatamente a filosofia da máquina. “O pai ficou desconcertado”, ri a mãe do Rodrigo. “Amuou durante uma semana.”

“Em vez de ficar desconcertado, o pai podia ter aproveitado para dizer ‘vejam lá o que o meu filho sabe, isto é um orgulho para qualquer pai”, nota Rita Xarepe. “Mas as pessoas seguem um modelo de parentalidade que tem mais que ver com ser professor do que pai, aquela pessoa que ‘passa’ coisas, que ensina. Ora esse modelo está talhado para o insucesso. E depois os filhos chegam à adolescência e os pais queixam-se de que eles são ‘complicados’. Eles não são complicados. A relação que temos com eles é que é ‘complicada’.”

Se os valorizarmos, eles vão-nos retribuir com respeito e consideração, não com rebeldia e agressividade. Se um pai ao mínimo toque arma defesas, eles fazem a mesma coisa: ou reagem para fora e explodem como eles, ou reagem para dentro e se retraem.

Alguns pais também acham que se elogiarem os filhos, eles vão dar em mimados e convencidos das próprias capacidades. “Mas isso é óptimo…”, ri a psicóloga. “Claro que o facto de eles se acharem o máximo tem de passar por um diálogo, obviamente, para manter os pés na realidade. Mas à partida é muitíssimo preferível uma criança superconfiante do que a que acha que não vale nada…”

MÃE À PROVA DE BALA


Então, pronto, eu acabo de ser batida no xadrez, ou na playstation, ou no computador. E agora? Como é que continuo a minha vida tal como era, sabendo que já não sou a ‘ídola’ da minha criança? “Tenho que me lembrar que continuo pai ou mãe dele, continuo responsável por ele, com integridade para o fazer”, lembra Rita. “Isso nunca muda. E um jogo da Playstation não devia ser motivo para eu abanar toda. No fundo, a questão que se levanta é ‘quem sou eu’? Que pai ou mãe é que estou a ser, se deixo que isto aconteça’? É muito angustiante para um filho ter pais tão frágeis.”

Então, pronto, eu acabo de ser batida no xadrez, ou na playstation, ou no computador. E agora? Como é que continuo a minha vida tal como era, sabendo que já não sou a ‘ídola’ da minha criança? “Tenho que me lembrar que continuo pai ou mãe dele, continuo responsável por ele, com integridade para o fazer”, lembra Rita. “Isso nunca muda. E um jogo da Playstation não devia ser motivo para eu abanar toda. No fundo, a questão que se levanta é ‘quem sou eu’? Que pai ou mãe é que estou a ser, se deixo que isto aconteça’? É muito angustiante para um filho ter pais tão frágeis.”


Mas as pessoas têm muito aquela ideia de que se o filho for melhor do que eles, isso os diminui como pais. “É exactamente ao contrário. Os filhos têm de se sentir seguros, têm de sentir que não há problema nenhum se forem ases no computador porque os pais não vão abaixo, não quebram, são fortes interiormente.” Pois: se queremos filhos fantásticos, temos de lhes dar esta segurança de saberem que podem crescer e aprender. Se os pais entram em competição, como é que os filhos evoluem? “Têm medo!”, explica a psicóloga. “Então, se cresço e me torno bom, vou matar os meus pais, eles não aguentam! Claro que isto é no sentido simbólico, mas eles têm medo efectivamente da morte dos pais.”

Então o que temos de fazer, não só quem tem filhos, mas toda a gente, é tornarmo-nos mais fortes interiormente. Se soubermos quem somos, não temos medo. E com filhos, isso é ainda mais urgente, porque eles provocam-nos e põem-nos em causa a toda a hora, e temos de estar preparados e tranquilos, e pensar ‘eu não tenho de andar nesta corrida louca e ser isto ou aquilo’.

“Relaxe, seja o que é”, aconselha Rita. Claro que isto parece simples, mas não é, porque não fomos educados para nos conhecermos. Por isso, antes de termos uma relação com as crianças, temos de ter uma relação connosco. “Se eu não sei quem sou e não tenho coragem de ir ver, vou ficar presa de todas as minhas fragilidades e inseguranças.”

O QUE POSSO ENSINAR?


Então, se não lhe posso ensinar matemática nem informática, o que é que posso ensinar? “Os pais não têm de ensinar matéria, deixem isso para os professores!”, diz Rita. “Há milhares de outras coisas para ensinar! Estão a fugir de quê, quando se refugiam na matéria da escola?”

Então, se não lhe posso ensinar matemática nem informática, o que é que posso ensinar? “Os pais não têm de ensinar matéria, deixem isso para os professores!”, diz Rita. “Há milhares de outras coisas para ensinar! Estão a fugir de quê, quando se refugiam na matéria da escola?”


Boa pergunta. Mas quando os massacramos com os TPC, isso não quer dizer simplesmente que queremos que sejam os melhores? “Muitas vezes não. Muitos pais têm medo de se mostrarem como são aos filhos.”

Pois: passamos às crianças imensos conhecimentos técnicos, mas não a parte humana, relacional, emocional, empática. “E isso é tão importante!”, reforça Rita. “Até para o futuro deles. Quando eles forem procurar emprego, às vezes quem é que é escolhido? O mais simpático, desenrascado e comunicativo.”
Então volto à pergunta inicial: afinal, o que é que podemos ‘ensinar’ (pronto, desta vez com aspas)? Alguma coisa se há-de arranjar… E arranja, de facto: “Os pais podem ensinar aos filhos a chegarem a eles próprios com segurança, para que possam ser autónomos e felizes. Que não faz mal enganarem-se e errarem, porque não estão sozinhos. Podemos ensiná-los a amar, e a aceitar que o outro pode ser diferente, e que isso é bom. A conhecerem-se a eles próprios: a saberem o que é que querem fazer na vida, aquilo de que gostam e não gostam.”

A lista ainda não acabou: “Podem ensinar os filhos a serem cidadãos activos e solidários, que manifestam as suas opiniões com coragem. Não dizer logo ‘que ideia tão estapafúrdia’. Devem dar-lhes tempo para explorar as coisas, dar-lhes espaço para os próprios filhos concluírem se aquela ideia resulta ou não. Partilhem o contacto com a natureza e a aventura.” Ou seja, reinventem a relação com criatividade e prazer, sem estarmos preocupados em cair do pedestal. Porque um verdadeiro pai é muito mais do que um ídolo de pés de barro: deve ser um companheiro para a vida.

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