“O mais irritante é o nariz no ar… os amuos… os silêncios… as portas fechadas e, acima de tudo, a frase ‘sim, mas comigo é diferente’. Com eles é tudo diferente!”, ri Paula Faria, ‘avó profissional’ que já sobreviveu à adolescência de dois filhos e três netos. A experiência com vários ‘armários’ diz-lhe que as gerações não fazem assim tanta diferença: dantes trancavam-se no quarto a ler, hoje trancam-se no quarto com o iPod, dantes falavam com as amigas ao telefone, agora mandam três dúzias de sms por minuto. Os adultos é que, defende Paula, estão mais preocupados. “Acho que não se deve ir a correr com eles ao psicólogo. Não é uma doença, é uma fase, e com bom senso tudo se ultrapassa.”
É esperar que passe
Então, mas, e conselhos práticos de mãe e avó, que é o que me interessa? “Acho que para os pais e os avós não há muito a fazer, sinceramente… É como uma gripe prolongada: segura-se na mãozinha e espera-se que passe.” Então, mas e como é que se pode distinguir entre o que é fase e passa e aquilo que tem de ser corrigido? “A adolescência não surge do nada e, sobretudo, não os transforma em pessoas que não são. Acho que se uma criança já era bem acompanhada e saudável, pode ficar um bocado mais difícil de aturar, mas em essência não vai tornar-se diferente do que era.”
Quando o tema é a idade do armário, nada melhor do que falar com alguém que acaba de sair de lá. “A minha fase do armário durou pouco”, afirma orgulhosamente Mafalda, de 14 anos. “É difícil falar-se disso na própria altura, porque a pessoa não tem consciência do que lhe está a acontecer. Eu pelo menos não tinha. Sentia-me farta de tudo e chateada com o mundo, e sentia-me muito sozinha. Aquilo que mais me irritava era dizerem-me constantemente que estava na idade do armário. [ri] Por isso deixo aqui um recado a todos os pais: por favor, não nos digam isso!”
E como é que um ‘armário’ se dá com outros ‘armários’? Muito bem, ao que parece: “Sentimo-nos melhor com os nossos amigos porque eles também lá estão, portanto, ninguém estranha nada e ninguém nos diz ‘ai bem se vê que estás na idade do armário’! E conheço gente com 45 anos que nunca saiu de lá…”
E ela, saiu? “Claro que saí. Aquilo lá dentro é tão mau que a própria pessoa também não aguenta muito tempo!” [ri] Tem tempo de antena – ensine os outros adolescentes como é que se sai: “É um processo gradual. Começa-se lentamente a abrir a porta e a pôr o pé lá fora…”
A adolescência não existe?
Hmm. A Paula que me desculpe, mas eu aqui não me viro sem umas ajudinhas de psicólogo. Uma pequena investigação na net revela-me algumas teorias absolutamente fascinantes sobre a adolescência. A mais intrigante: afinal, a adolescência não existe!
Visto isto, talvez possamos ficar por aqui. Não? Ora bem: a teoria já não é nova: não, os adolescentes não estão mais precoces, afirmam alguns investigadores. Afinal, Romeu e Julieta tinham 15 anos… “O mais surpreendente é, pelo contrário, a idade tardia a que se é considerado um adulto na nossa sociedade”, defende o pedopsiquiatra francês Patrice Huerre. Enquanto a nossa sociedade encoraja os adolescentes a crescer depressa, põe travões a esse crescimento, prolongando ao infinito um período estéril em que não se é nem criança nem adulto. Não admira que eles andem irritados.
Mais desafiante ainda é o raciocínio de Robert Epstein, psiquiatra, investigador e autor do clássico ‘The Case Against Adolescence’ (qualquer coisa como: ‘O processo antiadolescência). Segundo ele, a adolescência é uma anomalia histórica criada muito recentemente e artificialmente para manter os jovens sob controlo. Cometemos o erro de os infantilizarmos desnecessariamente, quando a maioria dos adolescentes são perfeitamente capazes de funcionar como adultos (e quando não são, a culpa é nossa), e essa infantilização terá sérias consequências para a sociedade.
Soltem os prisioneiros
Para reforçar o raciocínio, Epstein apresentou ainda um questionário a igual número de adolescentes, adultos e adultos que estavam presos, com perguntas do tipo: costumam invadir a minha privacidade? Leem os meus sms? Controlam a minha hora de deitar? Conclusão: os adolescentes são sujeitos a dez vezes mais restrições do que os adultos, e duas vezes mais restrições do que os adultos… prisioneiros.
Ahhhhh! Será que estamos a criar… prisioneiros? Então, mas eles não precisam de limites? E quando eles se fecham, o que é que se faz? Agarro-me à porta e bato, como faz o Senhor com os pecadores naquele passo da missa? Vou bater à porta de Clara Soares, que, além de psicóloga e jornalista, é mãe de uma filha adolescente. Talvez por isso ela não diga que a adolescência não existe (confesso que ia com algumas esperanças): “Claro que a adolescência existe. Nesta altura, o cérebro passa por transformações químicas só comparáveis a uma montanha-russa: há uma plasticidade muito grande que permite explorar o mundo e aprender rapidamente. Sabemos hoje que compensa aproveitar esta fase para uma vida adulta mais madura e complexa, porque simplesmente vivemos mais tempo e temos um desenvolvimento social que não tínhamos há pouco mais de um século e meio.”
E ainda menos nega a dramática existência do ‘armário’. “É um direito juvenil que pode ‘doer’ aos pais, mas é necessário.” A necessidade de maior independência da quase ex-criança assusta muitos pais, pouco preparados para ‘libertarem’ o seu menino. Estar vigilante ajuda, diz Clara, mas é preciso respeitar a distância que eles pedem, sem interferências abusivas: “Ouvir atrás das portas é tentador, mas não é um voto de confiança! Fazer interrogatórios do tipo ‘que estiveste a fazer tanto tempo no quarto’ não é a melhor abordagem para obter feedback.”
Margem de erro
E, acima de tudo, os pais não podem sufocar os filhos, têm de perceber que, nesta fase, os miúdos é que precisam de se entender com eles próprios. “Precisam de confrontar-se com os seus dilemas, de estar sozinhos e pensar por eles!”, confirma a psicóloga. “E de ter a liberdade de errar, sabendo que os pais estarão lá para o que for preciso. Claro, o tempo de clausura tem limites. O ideal para mim é definir com os filhos um tempo médio para estarem a sós, sabendo que nesse tempo não serão importunados, sem comprometer horas de refeições e de sono, atividades com a família (negociadas e não impostas).”
Ora bem: imaginemos que o meu rebento acaba de se trancar no armário (isto nem sempre é uma metáfora…). E agora? Recupero a ‘lista’ da Paula: os amuos, os silêncios, as respostas tortas… “Os silêncios prolongados justificam uma aproximação empática”, lembra Clara Soares. “Pode ser uma conversa simples, sem dramas, enquanto fazem uma atividade em comum ou durante a viagem de casa para a escola.”
Ok, silêncios, check. Nariz no ar? “Deixem-nos achar que são os melhores do mundo e descobrirem quando não o são”. Feito. Respostas tortas? “Não dar excessiva importância, mas se começam a ser um hábito, estabelecer limites: definir palavras ou atitudes interditas em determinado contexto e retirar privilégios (semanada, telemóvel, saídas) quando esses interditos são violados.” Siga. Portas trancadas: “Não se recomenda, mas apenas se não trancar as suas! O lema é ‘dê-se ao respeito, mas respeite a privacidade deles também’. Eles abusarão se os modelos caseiros forem frouxos (tipo ler as mensagens deles quando eles não estão na sala).”
Negócio fechado
O mais complicado é os pais perceberem que a criança já não é criança e precisa de novas regras: “As regras básicas devem mudar em função da idade do teen e do progressivo grau de responsabilidade que se lhe dá”, diz Clara. “Isto aplica-se também ao tempo no Facebook e etcs, nos downloads e partilha de músicas, nos sms, no tempo em que está a ver TV: se o adulto faz qualquer destas coisas depois da meia-
-noite, ou a meio do jantar, como exigir algo diferente ao filho?”
Negociar é preciso: “Deve haver um equilíbrio entre as horas de estudo e de lazer, e quando se está com os pais não se deve estar a mandar sms. Mais de duas horas no computador ou deitar-se muito tarde quando tem aulas no dia seguinte – sinal vermelho.”
Recapitulemos: respirar fundo, bom senso, negociação parecem-me as palavras que mais ouvi. E, acima de tudo, não se ria deles: as Julietas podem já não se casar com 15 anos, mas um desgosto de amor aos 15 dói tanto como aos 30…