Repleto de imagens inéditas, muitas captadas por militares alemães durante a ocupação de França, o programa detalha as diversas e estranhas dinâmicas de relacionamento entre opressores e invadidos: a prostituição, o “colaboracionismo”, a espionagem, a resistência e as histórias de amor puro e simples que surgem em todas as épocas, principalmente em tempos conturbados.
O ponto mais interessante, a meus olhos, foi a constatação da lógica clássica: quando não se sabe o dia de amanhã, as pessoas tendem a viver muito e depressa. Todos os instintos primitivos vêm à tona, todas as áreas cinzentas entram na jogada, as fronteiras da moral esbatem-se. Com os homens franceses vencidos e derrotados e, aos olhos das suas mulheres, incapazes de as defender, os invasores alemães – que pelo menos no início, se comportaram com cavalheirismo, ao contrário do que possa pensar-se – tinham uma aura sedutora, capaz de abalar os mais ferozes sentimentos patrióticos. Eram varonis, bonitos, garbosos, vitoriosos. Muitos não tinham sequer simpatias nazis, estavam ali por serem alemães, alheios à própria vontade. As mulheres estavam vulneráveis. O poder seduz. E os relacionamentos aconteciam, alguns sórdidos, movidos pelo entusiasmo e pela necessidade, outros pelo acaso ou simplesmente porque o amor é cego.
Um trabalho fantástico, que cobre todas as nuances e ângulos do cenário, regado por imagens preciosas das belas parisienses.
Sou apaixonada por essa época, e já conhecia alguns modelos de sapatos, de chapéus e truques de beleza usados pelas francesas nesse tempo: tingir as pernas (o equivalente ao bronzeamento artificial de hoje) para compensar a escassez de meias de seda (saber que as mulheres andavam de pernas nuas tinha nos homens o efeito de um narcótico) adaptar as calças dos maridos, empregar materiais novos para fazer solas e acessórios. Mas nunca tinha visto nada tão detalhado. Os penteados, a maquilhagem, e Deus meu, os chapéus. O racionamento obrigava à criatividade, e era mais fácil obter matéria prima para variar nos acessórios do que nas roupas (vide aqui um óptimo artigo sobre o tema). Manter a toilette no auge, garantir a sobrevivência da coquetterie, era uma forma de resistir, de conservar a sanidade e o orgulho. E ninguém bate as francesas nesse campo.
O reverso da medalha, os terríveis – e em muitos casos, injustos – castigos impostos às mulheres envolvidas com alemães depois da Libertação também é mostrado em toda a sua fealdade: a sexualidade feminina, e a auto determinação sobre a mesma, foi (e infelizmente, creio que será sempre) um tema espinhoso, uma arma de arremesso.
Mas o que mais me fez impressão foi o caso de uma jovem que se apaixonou por um oficial alemão. Tiveram um filho. O acto ficou sem consequências de maior no pós guerra porque a família a ajudou a esconder a identidade da criança. O homem foi mobilizado e ela nunca mais o viu. Não se sabe o que foi feito dele – provavelmente morreu pouco depois. Ela guardou a última carta que ele lhe enviou, e ainda tem o seu retrato. A rapariga, agora uma senhora de muita idade, ainda chora por ele. Está certo que quando se é jovem, há a tendência para idealizar. Que foi o seu primeiro amor.
Mas que um amor, primeiro, último ou o que seja, tenha o condão de assombrar dessa maneira uma mulher pelo resto da vida, isso é mais assustador do que a própria guerra.