
Quem já foi adolescente ainda se lembra da queixa mais ouvida lá em casa (a seguir a ‘mas não posso porquê?’): ‘Os meus pais tratam-me como um bebé!’ Se isso sempre foi verdade, os pais de hoje tendem a ser cada vez mais protetores das suas crias, mesmo quando as crias já têm pouco de crianças.
Afinal, até que ponto devemos protegê-los? Afinal, o mundo não está mais perigoso? Afinal, eles têm ou não razão quando se queixam?
“Os pais vivem a adolescência dos filhos com um medo imenso, quando podiam olhá-la com entusiasmo”, nota a psicóloga Eliana Vilaça, da consulta de adolescentes da clínica Psicronos. “Muitos pais e até muitos jovens encaram a adolescência como um período conturbado e problemático. Claro que é um período de reajustes, de desequilíbrio e reequilíbrio, mas é sobretudo um período de recriação, de criatividade, de descoberta e de novidade. Os adolescentes têm muitas vezes um papel pedagógico junto dos pais: levam-nos a conhecer coisas que não conheciam, trazem-lhes coisas novas…”
Problema: muitos pais assustam-se com estas ‘coisas novas’… e também com o fantasma das memórias antigas. “Ser pai de um adolescente significa muitas vezes um reencontro com a sua própria adolescência, com as frustrações dos projetos irrealizados, inacabados, adiados…”, lembra Eliana Vilaça. “Mas também com as conquistas realizadas, a maturação de uma vida percorrida. Cabe aos pais reviver tudo isso e ainda assim dar espaço a que o seu filho escolha, experimente, erre e acerte.”
E se ele fosse… um colega de trabalho?
É normal que os pais fiquem, de repente, perdidos. “Como é que eu podia tratar o meu filho de 14 anos como um adulto se ele, na maioria das vezes, fazia mais birras que o irmão de 3?’ pergunta a ‘blogger’ americana Kori Irons, no site www.parenting.families.com. De repente, Kori teve uma ‘iluminação’: “Apercebi–me de que trabalhava com adultos com atitudes tão ou mais infantis que as do meu filho, e que não os infantilizava como fazia com ele.’ A comparação com os colegas de trabalho levou-a a tratar o filho de outra maneira: ‘Pensava sempre ‘e, se em vez de meu filho, fosse meu colega’? Em vez de lhe ralhar, passar sermões e dar ordens sem fim, tentava afastar-me das suas escolhas e ações.” E começou a perceber que eles reagiam muito melhor quando tratados como… colegas. “Claro que ainda sou a mãe deles, ainda há regras e limites em casa – se bem que muito ajustados às mudanças de idade – mas deixei o ‘dedo espetado’, e estamos a comunicar muito melhor a um nível mais adulto.”
Ou seja, a disciplina também deve sofrer alterações na adolescência. “Por vezes os pais ainda não sabem que lugar ocupar, e acabam por rigidificar, reagem com agressividade ou demitem-se das suas funções, deixando o adolescente entregue a si próprio e agarrado às suas ainda frágeis certezas”, nota Eliana Vilaça. É a cena típica do ‘se não fazes como eu quero, amanha-te sozinho’.
Às vezes, os pais têm dificuldade em aceitar que os filhos vão crescer à maneira deles, e não como os pais desejariam que fossem. “Então tentam impor determinadas características através da disciplina, quando isso não se coaduna com o caráter daquela pessoa. Os pais têm de aceitar o adolescente como ele é, e ao mesmo tempo ajudá-lo a manter-se no limite do razoável.”
Regras, mas com calma
Então e estes limites de que tanto se fala, quais devem ser? “É verdade que tem de haver limites, mas vejo os pais demasiado ansiosos com a disciplina”, nota Eliana Vilaça. “Preocupa-me tanta questão em torno das regras, tantos livros sobre limites, tanta gente a falar na importância do ‘não’.
Claro que é preciso dizer não, mas vamos com calma. Em famílias descontraídas, onde a vida se passa de maneira aberta e natural, não é assim tão necessário impor muitas regras: elas estão implícitas.”
“Noto que os pais com dificuldades em lidar com os afetos, disponibilidade e compreensão, dão regras, para sentirem que estão a cumprir o seu dever”, nota Eliana. “As regras são a sua forma de proximidade. Então e o resto?”
Ou seja, é importante haver balizas para manter oleada a dinâmica familiar, mas com um adolescente os pais têm já outros papéis que não o de disciplinadores: “Têm de guiar, de estar atentos, de ser companheiros. Um adolescente precisa menos de um disciplinador e mais de um orientador.”
Problema: orientar não é andar em cima, e tem de se encontrar um equilíbrio entre estar informado e ser controlador… Os pais passam necessariamente a um plano secundário, têm de saber alargar a distância que os separa dos filhos.
Dependência não é afeto
O objetivo da adolescência é que os filhos se afastem dos pais, mas quando os pais têm os filhos como única missão na vida, a aceitação da autonomia dos filhos pode ser adiada. Quem não conhece mães que passam a vida agarradas ao telemóvel? “Ó Tiaguinho, comeste bem? Já saíste de casa? Já acabaste as aulas? Fizeste o que te disse? Comeste o lanche que te mandei?” Não o fazem com más intenções, mas estão a perpetuar o modelo ’cuidador’ da infância que já não se adequa à vida de um adolescente. E lá por ser um controlo preocupado, não deixa de ser controlo…
Mas como é que eu lido com um filho de quem já não preciso de cuidar? “O pai ou mãe tem de reaprender a relacionar-se com o filho não como o cuidador que foi na infância, mas como o companheiro que é na adolescência”, defende Eliana. “Se os pais não deixarem que os filhos façam o seu caminho, isto pode provocar uma contrarreação: o adolescente afasta-se mais do que seria necessário para poder experimentar a sua independência.
É importante não confundir dependência com afeto. Afeto é abdicar das suas necessidades e medos próprios para que os filhos possam ir à sua vida.”
A superproteção pode fazer sentir ao adolescente que não consegue tomar conta de si próprio sozinho. Mas a conquista da autonomia não começa na adolescência, é o trabalho de uma vida. “É na infância que cabe aos pais criar filhos desempoeirados, incentivar a autonomia (adequada à idade), mostrar que a criança é capaz, incentivá-la à descoberta e alimentar a curiosidade.”
Desculpa: os pais dizem muitas vezes que o mundo é perigoso… Já ninguém vai a pé para a escola, já ninguém tem uma dor de cabeça sem ligar aos pais, já ninguém sai de casa sem telemóvel… “O mundo é perigoso, e precisamente por isso é que temos de habituar as crianças a identificar e lidar com o perigo”, defende Eliana.
Estar próximo sem sufocar
Claro que, a certa altura, cai-se no extremo oposto e aí vem o desabafo parental n.º1 ‘Isto não é uma casa, é um hotel!’ “É normal!”, ri Eliana. “Mas precisamente porque o tempo que se passa com os filhos é cada vez menos, é que tem de ser bem aproveitado.” Os pais devem, por isso, ser informados, devem procurar ajudar o filho no caminho que ele escolheu, informar-se daquilo que ele está a viver. Se não, habitam mundos tão diferentes que o diálogo fica difícil.
Enquanto estão à mesa, por exemplo, não critique, não aproveite para discutir, não faça cenas. Interesse-se: “Às vezes, os miúdos não contam nada porque acham que os pais não se interessam ou não vão compreender. Mas se os pais tiverem esta capacidade de se colocarem no lugar deles, a conversa flui. A conversa faz-se de pequeninos. Mas os pais têm de ter capacidade para aceitar o que aí vem, porque vem aí muita coisa diferente do que eles esperavam. Mas quem mandou esperar?” (risos)
Conclusão: quando os filhos começam a abrir as asas, é fácil cair-se nos extremos: ser pais excessivamente protetores ou demitidos das suas funções. Mas não há receitas nem métodos acertados para ser pai: “O ideal é estar próximo sem sufocar, acompanhar sem impor, criar balizas mas abrir espaço à negociação. É essencial que os pais tenham capacidade para se adaptar às circunstâncias. Ser capaz de repensar as suas crenças e os seus dogmas é também uma das vantagens de ter um adolescente.” E quando estiver prestes a espetar o dedo ou a ligar-lhe para o telemóvel, pense: faria isso com um colega de trabalho?