Feche os olhos (ou não) e pense lá: quais são os seus maiores medos em relação ao seu filho? Que seja raptado por um estranho? Que se meta na droga? Não está sozinha: segundo a escritora americana Christie Barnes, autora de ‘The Paranoid Parents Guide’ (Guia dos Pais Paranóicos), os cinco maiores medos dos pais são, por ordem, raptos, atiradores, terroristas, estranhos e drogas.
Claro que a ‘lista’ é muito americana, mas os medos dos pais portugueses não estariam muito longe disto (exceptuando talvez os atiradores). Pormenor: estamos a ter medo ‘ao lado’, porque não é nada disto que ameaça as crianças (pelo menos as nossas). Quando Christie foi estudar a forma como as crianças de facto morrem ou são feridas com mais frequência, não encontrou estranhos nem terroristas, mas desastres de viação, homicídios (na sua esmagadora maioria cometidos por pessoas da família ou próximas) e suicídio (em adolescentes).
Em Portugal, segundo Sandra Nascimento, presidente da APSI (Associação para a Promoção da Segurança Infantil), as cinco maiores causas de morte ou incapacidade de crianças e adolescentes até 17 anos são, por ordem, acidentes rodoviários, afogamentos, quedas de prédios, queimaduras, e asfixias ou intoxicações. “De longe a primeira causa de morte continua a ser os acidentes” explica Sandra. “Os afogamentos têm vindo a diminuir, mas segundo os últimos números ainda são à volta de 12 por ano. 30% do número total de mortes são quedas de janelas ou varandas. Quanto ao último item, muitas vezes nem há registo de mortes.”
Ou seja, explica a psicóloga Patrícia Silva, “acima de tudo, temos medo do que não conhecemos e do que está fora do nosso controlo. Por exemplo, de repente estamos a receber todas estas imagens terríveis de terrorismo, mas não é uma realidade portuguesa, está fora do nosso alcance, não conhecemos bem. E isto assusta-nos muito e passa-nos muita angústia, mesmo que não seja um medo ‘próximo’”.
Não os eduque com medo do mundo
“O que eu acho mais extraordinário é que as mortes reais são provocadas pela família, e no entanto nós preferimos ter medo de um estranho a desconfiar de tios ou primos ou mesmo pais”, comenta a escritora Isabel Stilwell, que já se debruçou várias vezes sobre o assunto dos medos maternos. “Nós preferimos sempre que o medo seja distante. E no entanto os desastres de viação são culpa nossa, o afogamento é culpa nossa, os abusos são culpa nossa… Lembro-me que há uns tempos a droga era o maior medo dos pais (em relação aos adolescentes). O álcool nem sequer aparecia como droga, e para os pais o facto de os filhos entrarem em coma alcoólico não significava nada, quando está mais do que provado que o álcool afeta o cérebro.”
De que é que tinha mais medo quando os filhos eram adolescentes? “Era típica: era muito paranóica com as drogas. E tinha muito mais medo com os rapazes do que com as raparigas. Não se justificava, mas nós temos sempre aquela ilusão de que há mais transparência com as raparigas e que as percebemos melhor, o que não é nada verdade.”
Em relação às netas, reconhece que o seu maior medo é o de todas as mães: deixá-las andar sozinhas. “Reconheço que é uma parvoíce porque em Portugal o número de raptos e desaparecimentos de crianças é mesmo minúsculo, mas é um medo básico de todos os pais. Não há pai nenhum que deixe uma criança andar sozinha na rua.”
Mas também afirma que fez tudo para o superar: “Até aos 10, 12, a minha filha mais nova ia de um sítio a outro a pé, e eu dizia-lhe para levar o telemóvel ligado e ir falando, o que é o máximo da mãe helicóptero (risos). Mas acho que temos de os ir vacinando aos poucos com episódios de cada vez mais independência, em que haja risco mas não demasiado. Porque eles vão sempre apanhar sustos, e importa serem sustos que não os traumatizem para a vida, mas que os vão vacinando aos poucos.”
Criar independência é contra a nossa cultura de manter sempre os filhos debaixo da nossa asa? “Claro que sim.
A recusa da independência que algumas mães fazem é um perpetuar dramático da dependência que elas próprias também têm, quer das próprias mães delas quer dos filhos. Por exemplo, temos hoje educadoras que nunca brincaram fora de casa e estiveram sempre sob controlo das mães, e agora andam atrás das crianças a gritar ‘olha o muro, olha o degrau, olha que tu cais!’ E esta rotina do fim de semana das mães, aquela coisa muito controlada e muito organizada do leva e traz, pode ser perversa”, alerta Isabel Stilwell.
Os telejornais também não ajudam: “Criam a síndrome do mundo mau, ficamos com ideia de que só acontecem coisas más.
Ora nós não devemos educá-los com medo do mundo. Se eles se habituam a andar de transportes e a observar a realidade, percebem que o mundo não é assim.”
Ajude-os a crescer
Claro que os medos maternos também dependem da idade da criança. Raptos e estranhos são mais comuns em relação a crianças pequenas, drogas em relação a adolescentes. Mas o que acontece com estes medos é que os pais muitas vezes os transmitem às crianças.
Pensemos por momentos na questão dos estranhos: “Incutimos esse medo à criança porque já estamos a inventar o que pode acontecer”, nota a psicóloga Patrícia Silva. “ Imagine que está num centro comercial com uma criança. Se lhe disser: ‘enquanto estiver na loja, tu dás-me a mão e ficas ao pé de mim’, é diferente de lhe dizer: ‘se tu te separares de mim, vem um ladrão e rouba-te’, porque aqui já estou a assustá-la. Depois queixamo-nos de que a criança tem pesadelos. Ora este medo fomos nós que lhe passámos, e é o tipo de ‘informação’ de que ela não precisa.”
Outro problema: os ‘medos coletivos’. “Esta geração de mães foi muito marcada por dois acontecimentos: a Casa Pia e o caso Maddie”, recorda Isabel Stilwell. “E embora tenhamos, no caso da Maddie, atirado as culpas todas para os pais, aquilo foi uma maneira de tentarmos acreditar que nós não somos assim, que aquilo não podia acontecer connosco, que não deixamos as crianças assim sozinhas. Claro que deixamos e fazemos coisas muito piores.”
Recorda que a própria filha mais nova herdou a paranóia coletiva com os pedófilos. “Em plena ‘época Casa Pia’, a Madalena, então com uns 13 anos, andava sempre assustada, queria as portas trancadas, e não brincava com ninguém. Quando perguntei a causa, explicou: ‘Tenho muito medo dos pedófilos’. O meu marido então chegou-se ao pé dela e disse-lhe assim: ‘Dos pedófilos? Mas tu tens lá idade para ser levada por um pedófilo. Os pedófilos querem é crianças pequenas, a ti já nenhum te pega’. Ela disse: ‘Ah é?’ E pronto, passou-lhe logo o trauma dos pedófilos, foi para todo o lado e nunca mais olhou para trás (risos). Portanto, eles precisam é de pais que lhes digam que não lhes vai acontecer nada, precisam de pais que os mandem para fora de casa e não que os retenham numa segurança que não os deixa crescer.”
Ah, mas já agora, não se esqueça: guie devagar, e não os perca de vista na piscina…
Golpes de autodefesa
Tem medo de perder a sua criança num sítio com muita gente? Em vez de assustar, previna. “Antes de irem a um sítio com muita gente, ensine–lhe o que fazer se se perder”, explica a psicóloga Patrícia Silva. “Ir ter com alguém com uma farda, ou alguém que esteja numa caixa. O facto de estarmos constantemente a fazer avisos e ameaças só faz com que a criança acredite que vive num mundo mau. Isso não a protege, só a assusta. Se dissermos ‘vem o polícia e leva-te’, as crianças até vão evitar as figuras de autoridade, que poderiam ajudá-la.”