Porque quis escrever sobre este tema?
Senti que havia espaço para um livro que se debruçasse sobre as últimas descobertas das neurociências, sobre o cérebro e o comportamento infantil e adolescente, mas numa linguagem acessível para que os pais possam pôr essas descobertas ao serviço da paz, alegria e tranquilidade lá de casa.

Diz que os pais preocupam-se mais com o corpo dos filhos do que com o que se passa na cabeça deles…
A doença é mais visível e remete-nos para a perda do objeto do nosso amor que é o nosso filho. Todas as feridas que façamos a nível emocional não são visíveis e a causa-efeito não é imediata. Nós temos muita dificuldade em ver quão profunda foi aquela ferida. Dou-lhe um caso concreto: os castigos. As neurociências dizem que os castigos retardam o desenvolvimento cerebral.

Então, como lhes mostramos que não se portaram bem?
Nós fomos educados com castigos, tal como os nossos pais e avós. Não nos vemos a fazer de outra forma. A nova forma de educar (que não é nova, apenas não é tão antiga como a outra), pelo amor em vez da dor, é difícil perceber. Quando dizem ‘Eu levei umas palmadas e só me fizeram bem’, não é bem assim. Nós nunca vemos as feridas que ficaram por ter levado aquelas palmadas, a forma como aquela pessoa deixou de correr riscos, porque ficou com medo. O que o castigo transmite é ‘tu não podes ir à descoberta, não podes arriscar’. Todos aqueles nossos problemas de ter medo de perder o amor de alguém só porque errámos ou fizemos mal qualquer coisa, o medo que nós temos de estarmos numa plateia ou de fazer uma pergunta porque pensamos ‘e se a minha pergunta for muito estúpida? E se todos riem de mim?’ Isso é resultado dos castigos.

E a relação com os pais também sai prejudicada…
Claro, porque é que não vou a correr contar aos meus pais os meus grandes erros da adolescência, porque é que não são os primeiros a saber? É óbvio, não é? Um ser inteligente não vai querer ser castigado por mais um erro. Uma das mensagens deste livro é avisar ‘atenção, nada está perdido’, é uma mensagem de esperança, nem que o filho tenha 80 anos e o pai 100. Vai-se sempre a tempo de fazer as pazes, mas é preciso que as pessoas o façam.

Então e quais são as fases mais difíceis de decifrar os nossos filhos?
A fase das birras e na adolescência. Nas birras, entre os 18 meses e 4 anos, porque o cérebro ainda não tem competências cognitivas: a relação causa-efeito, a flexibilidade das respostas, entender o ponto de vista do outro… Daí que os pais não consigam terminar uma birra com argumentos, não vale a pena, eles não entendem.

Como devemos lidar com as birras?
Intervir o menos possível, retirar a criança da zona onde ela está, falar o menos possível, e termos o nosso próprio autocontrolo. A verdade é que a criança está a aprender a ter ferramentas de autocontrolo, se eu perante uma birra de criança faço uma birra de adulto, estou a ensinar que a forma de resolver as coisas é aos gritos, às palmadas, é zangando, castigando, e ela depois vai replicar. O que lhe queremos ensinar é a forma correta, e a forma correta é não fazer nada, basicamente a mesma coisa que se deve fazer perante uma convulsão ou um ataque epilético. Espera-se que passe.

Há forma de contornar as birras?
Embora a birra faça parte de uma fase importante de um ser humano, a verdade é que não precisam de ser tão intensas e frequentes. Nós, adultos, somos responsáveis por muitas das birras: a falta de rotinas aumenta as birras enormemente. Estou a falar, por exemplo, da privação do sono, que é algo que tem muito impacto na vida de uma família. Os pais dormem pouco, andam mais cansados, e os miúdos que não dormem tornam-se impossíveis de aturar. Também é verdade que a sociedade nos impele para estarmos sempre acordados. Um adulto que dorme muito é visto como um preguiçoso, indolente, pouco competente, por isso as pessoas que querem mostrar que são produtivas e têm sucesso dizem que dormem pouco. Se fizer do sono uma prioridade, vai ter poucos problemas em que a sua criança também durma.

E o que vai na cabeça dos adolescentes?
Na adolescência, a parte do cérebro que nos bebés ainda não funciona, neles já funciona mas de repente fica offline, sobretudo aquilo que nos dá algum equilíbrio nas emoções. Há uma grande mudança a nível das hormonas e na química cerebral que os leva a fazerem coisas que aos olhos dos adultos é uma insolência, uma afronta. E os pais personalizam muito essas atitudes, mas nós todos passámos por isso.

O que devemos fazer nessa fase?
Uma coisa muito difícil no dia a dia, mesmo com amigos, com a mulher, com o marido, é lidar com um ataque e não responder, isso é de um autocontrolo incrível. Se tiver uma colega de trabalho que me grita um insulto e eu não responder, para a maioria das pessoas isso constitui um sinal de fraqueza. O que é errado. As pessoas mais controladas são aquelas que perante um ataque externo não respondem na mesma linguagem. Ao não responder a um ‘ataque’ do filho adolescente, isso vai desarmá-lo, dá o exemplo e tranquilidade, porque nós pensamos que educamos quando respondemos ao ataque do miúdo, mas não. As maiores religiões do mundo falam nos seus livros sagrados da adolescência como um período em que os pais nem deviam comunicar com os filhos, e eu acho que a resposta é mesmo essa. Não personalizar, perceber que tem a ver com uma fase extremamente dura daquele ser que também é de carne e osso e que também tem as suas dúvidas, angústias e problemas e que aquela pessoa precisa de amor e de apoio e não de uma guerra de poder.

Não há adolescência sem confronto?
Os pais têm de se mentalizar que a adolescência vai sempre correr mal. Até porque isso é um bom sinal, mas pode durar mais tempo se nós interferirmos e entrarmos em lutas de poder. Se fizermos um trabalho, desde o momento em que eles nascem, mais numa linguagem de amor, de compreensão, e não de ser mais poderoso, de dar ordens, eles vão acabar por fazer aquilo que queremos mas pela maneira certa. Os pais andam obcecados pela obediência e pela educação e queremos impingir isso à força. Mas, por incrível que pareça, quanto menos esforço fizermos para lhes mostrar a nossa autoridade e a nossa superioridade, mais eles nos vão obedecer.

Mas tem de haver algumas regras…
Sim, temos de ser firmes nos valores importantes para a família, e nos valores que digam respeito à sua saúde e segurança. Nas outras coisas pode relaxar. Não faça comentários sobre a forma como se veste, sobre os amigos, namorados, por muito que nos custe… Em relação aos estudos, temos de colocar uma questão: tem resultado nós termos feito pressão e criado uma guerra à volta dos estudos? Se sim, continua, se não, para. No nosso trabalho, se o nosso chefe gritasse connosco produziríamos mais? Não! A questão é: se os tratarmos com amor, se respeitarmos as prioridades deles, eles vão acabar por fazer o que nós queremos.

Temos dificuldade em dizer ‘amo-te’ aos nossos filhos, não é?
Sim, continua a ser muito difícil para os pais dizer ‘amo-te’, tenho raiva, estou triste, estou alegre, com medo…

Devemos mostrar tristeza e medo?
Claro! Há um filme de animação fantástico, o ‘Divertida-mente’, que fala das nossas 4 emoções básicas: alegria, tristeza, raiva e medo. Sempre que eu não falar delas, sempre que não ajudar a verbalizar, a lidar com elas, vou baralhá-los, vou estar a dizer ‘tu sentes isto mas é errado porque a mãe ou o pai não fala nisto’.

Diz que as crianças só se sentem amadas quando fazem o que os pais querem, é isso que lhes vai na cabeça?
É isso que vai na nossa cabeça, nós só conseguimos amá-las quando elas correspondem às nossas expectativas.

Não as amamos incondicionalmente?
Não. Amar incondicionalmente é muito difícil porque é dar amor sem esperar nada em troca. Só meia dúzia de pessoas é que o conseguiram fazer verdadeiramente: Jesus Cristo, por exemplo. São almas verdadeiramente livres, que não estão aprisionadas àquilo que têm de receber. Nós nunca vamos conseguir fazê-lo na perfeição, mas é bom termos consciência do que é para deixarmos de dar a entender que só os amamos se forem perfeitos, se tiverem boas notas, se obedecerem.

Como é que os podemos ajudar a disciplinarem-se?
Com amor, não com ordens. É muito difícil nós deixarmos de exigir que eles nos obedeçam. Mas quando a minha prioridade é o meu filho obedecer, ele não é a prioridade. Disciplinar para nós é estabelecer regras e ser autoritário, mas a palavra vem de discípulo. Nós em vez de sermos líderes dos nossos filhos somos chefes. Faz isto, faz aquilo, não faz, castigo, faz, recompensa. É como treinar um animal para o circo.

E queremos crianças perfeitas, que se portam bem e que sejam prodígios?
Vivemos numa sociedade em que a criança ideal é a obediente e superstar. Ou és a melhor ou não prestas, é isso que os miúdos sentem. O mundo está mais inseguro em termos de futuro e muitos pais pensam que é dando-lhes muitas ferramentas que eles vão ter maior capacidade para sobreviver no meio de tanta competição, por isso têm de ser os melhores. Mas não vai ser pelas competências técnicas, é pelas sociais… Houve uma altura em que estive a fazer recrutamento e seleção na Portugal Telecom e íamos ao Técnico buscar os melhores cérebros para as engenharias. Devo dizer que em muitos as competências sociais eram… zero, e não ficaram, mesmo sendo muito inteligentes!
O que vai safar o futuro do meu filho, se vai ser feliz ou não, é o saber lidar com frustrações, com perdas, com o facto de não ir abaixo em caso de desemprego, não deixar a sua autoestima ficar abalada, ir à procura da sua felicidade independentemente das circunstâncias, isso damos pelo amor, não pelas competências técnicas.

| O que se passa na cabeça do meu filho? | Cristina Valente | Manuscrito | €14,90

(entrevista dada em abril de 2016)

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