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Sergey Nazarov

*artigo publicado originalmente na revista ACTIVA de maio de 2018

Sento-me à frente do consultor pedagógico Renato Paiva: estou no lugar do aluno com dificuldades (ou que quer desenvolver as suas potencialidades). Diretor da Clínica da Educação e da Academia WOWSTUDY e autor de vários livros sobre formas de aprendizagem e sucesso escolar, Renato está habituado a muitos tipos diferentes de dificuldades. Que não temos uma inteligência, mas várias, já sabíamos. Importa agora saber como as descobrimos, desenvolvemos, e principalmente como não damos cabo delas. Quer dizer, eu podia não ter passado anos com 1 a matemática? “Claro”, diz. É sempre bom saber, mesmo que com 30 anos de atraso…

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D.R.

A inteligência é feita de inteligências, mas há umas mais valorizadas que outras, certo?
Muitas vezes estamos confinados à inteligência lógico-matemática e um pouco linguística. Mas quem fica de fora ou se encaixa noutras inteligências sente-se castrado pela sociedade, é como se não tivesse valor, quando há muitíssimas formas de ‘aproveitar’ todas as outras inteligências.

Há vários tipos de inteligência. Temos todos alguma que sobressai, ou há quem não tenha uma vocação definida?
Toda a gente tem uma ou mais do que uma. Ou seja, todos nós temos todas as inteligências, mas algumas estão mais desenvolvidas que outras. Como é que percebemos quais sobressaem? São as atividades que nos dão maior prazer. Alguém que gosta muito de estar ao ar livre e acampar, tem uma inteligência naturalista. Quem gosta muito de fazer Legos, tem uma inteligência espacial desenvolvida. Mas claro que mesmo uma coisa que nos agrade pode dar trabalho para resultar. Se lhe der prazer, será menos penoso.

Hoje, em que as crianças têm menos mundo, isso não torna difícil que se descubra o seu tipo de inteligência?
As crianças não têm menos mundo, têm é um mundo mais estruturado. Quando eu era criança, éramos nós os decisores da maneira como queríamos usar o nosso tempo. Hoje isso já está tudo decidido por eles. E isso sim, é problemático. As crianças hoje precisam de tempo para brincar livremente, sem estrutura, e de tempo para não fazer nada. Isso é incrivelmente importante para o seu desenvolvimento, mas é sistematicamente ignorado pelos pais. E geralmente são os pais que escolhem as atividades dos filhos. E há tantas atividades por onde se pode escolher! Porquê pô-los no inglês, na natação e no futebol? Há tanto mais por onde escolher! Mas nós abusamos do tempo dos miúdos, chamo-lhe mesmo uma invasão de privacidade.

A escola não ajuda…
Claro que não. Há crianças que entram às 8 e saem às 8… O nosso sistema é só escola, escola, escola. E ficam com todo o seu tempo controlado. O nosso sistema escolar dá muito pouco valor à aprendizagem por descoberta. E as crianças ficam muitas vezes limitadas a um potencial que permanece muito inexplorado.

De onde é que vem
a inteligência?
Nós já vimos à partida com um potencial genético, e depois o meio ambiente vai dar mais importância a umas ou a outras. Por exemplo, nas tribos que ainda existem a inteligência naturalista predomina, porque têm de conhecer o seu meio ambiente para se protegerem. Na Áustria, a inteligência musical é muito valorizada. Mozart, por exemplo: foi o encontro de um grande talento com um meio ambiente muito estimulante.

O que é que aconselha
em relação às atividades?
Escolham as que fazem os miúdos felizes. Então e ele pode passar a vida a experimentar? Pois pode. Qual é o mal? Estar no futebol não implica que venha a ser um jogador profissional. Portanto, deixem-nos experimentar, mas deem-lhes também a noção de compromisso: deem-lhes um prazo alargado para se ambientarem e evoluírem. No próximo ano, se não gostarem, então experimentem outra coisa.
Se houver alguma coisa recomendada ou que acha que lhe faz falta, então ele que faça uma que lhe ‘faz falta’ e outra que ele próprio escolheu.

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YAPR

Há muitos tipos de inteligência
que a escola não abarca, não há?
Já há muita oferta de atividades em várias áreas. O que acontece é que a própria sociedade valoriza menos certas aptidões. Nunca me apareceu nenhum pai muito preocupado porque o filho tinha negativa a EVT, por exemplo, ou a educação física… Uma vez acompanhei duas crianças filhos de mãe sueca. E a mãe dizia: ‘Eu quero que os meus filhos sejam felizes, e não sinto que a escola lhes esteja a dar isso.’ Para mim, essa família foi uma grande lição. Por exemplo, se me perguntar qual foi a minha nota a ciências no 6.º ano, lembro-me lá. Mas se me perguntar quais foram os acontecimentos mais importantes na minha família, eu sei dizer. Isto não significa descurar as notas, mas saber quais são as nossas prioridades, como seres humanos. E esquecemo-nos de que a estruturação da personalidade é muito precoce. Que filho é que estamos a criar? Será que estamos a desperdiçar a infância dos nossos filhos?

Os miúdos com personalidades fora do ‘ramo escolar’ não se sentem aceites?
Eles sentem-se aceites, não se sentem é compreendidos nem valorizados. Na escola aprendem muitas coisas que, acham eles, não fazem sentido para a vida deles.

Como é que se responde a frases do tipo ‘Eu quero é ser futebolista, para que é que tenho de aprender matemática’?
“Primeiro, ser futebolista não te vai durar a vida toda e precisas de outra coisa a que te agarrares. Depois, a vida muda muito e não podes pôr todos os teus ovos num cesto. E depois, meu filho, porque quer queiras quer não, tens mesmo de aprender matemática.” (risos) Portanto, com quanto menos atrito isto correr, melhor.

Quando uma criança é boa em alguma coisa, temos a mania de querer que ela seja muito boa nas outras, mas isso não tem de ser assim, pois não?
Cada criança devia ser mais orientada para aquilo em que tem maior prazer, inegavelmente. Mas é saudável haver um equilíbrio, ou seja, que não haja nenhuma área tão má que ‘borre a pintura’. Além disso, podemos usar uma área a que sejamos muito bons para ‘empurrar’ uma outra a que temos dificuldades. Se eu tiver uma inteligência cinestésica, de movimento, muito boa, mas uma inteligência musical péssima, posso, imagine, aprender bateria… A grande maioria das crianças que me aparecem aqui com dificuldades a matemática, sabe qual é a verdadeira dificuldade delas? Compreensão linguística. Elas até conseguem raciocinar, não percebem é o que lhes é pedido. Ou seja, as inteligências estão mais ligadas do que se pensa.

Mas isso não cria pais ‘carapaus de corrida’, que querem que os filhos sejam tudo?
Sim, isso é um risco e acontece imenso. Quando me dizem ‘Ai as crianças são esponjas, absorvem tudo’ e é verdade, mas absorvem ‘tudo’ o que são competências académicas e depois outro tipo de coisas como as relações interpessoais são postas de lado. Mas não é preciso explorar tudo até ao tutano, e não é preciso que elas aprendam tudo antes dos outros. A comparação entre pais é do pior que se pode fazer a um filho. Tive aqui miúdos que me chegaram a chorar com um 97%. Neste caso, não é o miúdo que precisa de trabalhar competências, é o pai.

E é possível ‘trabalhar’ um pai?
Claro que é. Entendo perfeitamente que um filho é o bem mais precioso que temos e que toda a gente queira que o seu filho esteja o mais bem preparado possível. Mas no meio disso tudo arranje espaço para ele ser feliz. O que está a fazer é afastá-lo enquanto filho, e na adolescência vai perdê-lo por completo. E quando se diz isto assim, eles entendem. Nunca tivemos pais tão preparados como hoje, mas também nunca tivemos pais com tão pouco tempo para exercer essa preparação.

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Nicolas Hansen

Também é especialista em sucesso escolar: o que é preciso para ter 
boas notas?
Tanta coisa… O principal é a escola e sobretudo a relação com os professores. Um bom professor compreende os miúdos: ninguém consegue ensinar nada sem uma relação estabelecida, e há muitos professores que se dedicam muito ao currículo e nada à relação. Não se pode ser um professor-pedra. E depois há professores que quase fazem omeletes sem ovos e que os conseguem trazer para junto deles e depois ensinar-lhes a parte académica. E um professor tem de saber como eles aprendem. Porque uma criança de 3 anos não vai aprender da mesma forma que uma de 10, por exemplo. Não é uma questão de didática, mas de como funciona o cérebro deles.

Um bom aluno é…
Organizado, acima de tudo. A partir do 5.º ano deve ter algum trabalho de base de estruturação da matéria. E aprender a estudar. Há miúdos que perdem horas porque não têm boas estratégias de aprendizagem. Por exemplo, achamos que sabemos correr. Mas se treinarmos com um professor de ginástica, ele vai ensinar-nos técnicas novas. Eu costumo dizer-lhes ‘Da maneira como estás a estudar, é como se quisesses correr de galochas. Se calhar até chegas lá, mas vê o tempo e a dificuldade… E se fizeres de outra maneira, tens mais tempo para outras coisas.’

Como é que aprendemos a estudar?
Cada pessoa tem o seu método. Como descobrir: experimentando. Hoje fazer resumos, amanhã sublinhar, fazer ditados, decorar algumas partes, dizer por palavras próprias: ou seja, descobrir por si próprio como é que aprende melhor.

Faz trabalhos de casa com a sua filha?
Ainda não, porque ainda é muito pequena. (risos) Mas até agora o meu lema é, ‘aquilo que tu sabes fazer, eu não vou fazer por ti’. Mesmo que demore mais tempo e fique um bocado torto. Porque senão eles nunca vão desenvolver confiança neles próprios e autodeterminação, e nunca farão nada sem os pais a empurrar.

Fala-se muito de brincar, de brinquedos, de etc., mas hoje em dia o único brinquedo das crianças é o tablet
dos pais. Os ecrãs estão a mudá-los?
O que está a mudar é sobretudo a interação com os outros. Quando aquele miúdo sair da escola e for para uma empresa, a competência relacional será fundamental. Arriscamo-nos a ter gente muito frustrada, com depressões enormes e insucessos pessoais. E quando me dizem ‘o futuro vai ser isto!’, ora nós não sabemos isso. O que sabemos de certeza é que o futuro vai ter muitas pessoas míopes. Míopes em vários sentidos. Chegam-me aqui muitos miúdos que a única dificuldade que têm é uma carência relacional muito grande. E eu digo: “O que o seu filho precisava era de duas namoradas e jogo de cintura para estar com elas.” (risos) Muitos pais só se relacionam com o filho apenas enquanto aluno, e tudo o resto fica amputado. Eu ganho a vida com isso, mas é preocupante.

O que é que causa tudo isso?
Principalmente o excesso de preocupação com a escola. Às vezes vejo aqui pais queixarem-se porque o filho teve um ‘suficiente’. E eu pergunto: “Explique-me lá o significado da palavra suficiente, que se calhar não estou a perceber bem. Se é suficiente, chega… Ele devia era ter bons? E o senhor, não tinha capacidade para ganhar mais? Não podia passar metade da noite a fazer bolinhos, por exemplo? Tenho a certeza de que consegue…” Exigimos às crianças coisas que não exigimos de nós próprios. Estamos a reivindicar 40 horas de trabalho semanal e temos filhos com quase 60 de carga de estudo. É isto que queremos para eles? A sério, é?

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