Foto Pexels/Mikhail Nilov

Matamo-nos a arranjar companhia e atividades para os nossos filhos, mas nem todas as horas têm de ser ‘produtivas’. O tempo de não fazer nada também é educativo. E muito.

Mal eles fazem dois anos e já lhes arranjamos ‘encontros’ com amiguinhos (depois ficamos muito ofendidos porque eles não brincam uns com os outros, sem saber que aos dois anos ninguém brinca com ninguém). E o carrossel aumenta de velocidade à medida que a criança cresce. Ele é festas de anos ao fim de semana, ele é ballet, futebol, natação, inglês, piano, para aproveitar todas as horas em que ele está acordado para o tornar mais bem adaptado à selva em que vivemos.
Muitas vezes, a febre das atividades acaba por corresponder, simplesmente, a ter um sítio onde deixar as crianças. “Na maioria das vezes, mãe e pai trabalham. Por outro lado, estamos a ter filhos cada vez mais tarde e são cada vez mais filhos únicos”, explica a terapeuta Eunice Neta. “Isso implica também a ausência dos avós, que moram longe ou não têm capacidade para dar o apoio necessário. Resultado: a rede de apoio diminuiu e os pais precisam de contar com a escola, o centro de estudos, as férias de verão, o futebol. Mas aos fins de semana a vida social das crianças não pode sobrepor-se à vida social dos pais.”

Muitas vezes, a dedicação das mães às atividades das crianças corresponde àquilo a que em terapia familiar chamam uma crise previsível: “Os filhos vão servir de escape para uma relação de casal que não está a funcionar. Um dia, as crianças já não precisam dos pais e as pessoas veem-se a braços com uma relação moribunda porque durante anos se investiram exclusivamente nos filhos.”

OS PAIS NÃO SÃO ATLs

Outras vezes, sentimo-nos más mães porque as crianças não estão no futebol ou na música, como as outras. “Acreditamos que temos de preencher cada bocadinho da vida dos filhos”, nota a americana Kathy Pasek, autora do livro ‘Einstein Nunca usou Flashcards’ e professora na Temple University, em Filadélfia. Os pais querem dar aos filhos todas as vantagens que podem, sem perceber que muitas vezes isso não é o melhor que podem fazer por eles.” Ou seja: daqui a uns anos, vão ter um excelente pianista que não faz ideia de quem é, não aguenta dois minutos sozinho e nunca aprendeu a arte de conversar consigo mesmo.
Claro que não é uma classe de ballet ou de futebol que vai causar um curto-circuito na cabeça das crianças, e as atividades são úteis para as crianças se sentirem orgulhosas daquilo que podem conseguir. O importante é encontrar um equilíbrio e lembrar que os pais não são ATLs e não têm de andar sempre a inventar coisas para distrair os miúdos.

“Existe muita pressão social para termos crianças perfeitas, mas não existem supercrianças e também não existem crianças índigo”, (risos) lembra Eunice Neta. “Em primeiro lugar, as crianças não têm de fazer todas a mesma atividade porque não são todas iguais, em segundo, muitas destas atividades são altamente competitivas. As crianças precisam de tempo e espaço para serem espontâneas e explorarem o mundo.”

PARA QUE SERVE O TEMPO QUE NÃO SERVE PARA NADA

Portanto, se uma tarde ele não tiver nada que fazer, não se angustie: deixe-o aborrecer-se à grande e à portuguesa sem correr em seu auxílio.
“Existe o mito de que não fazer nada é uma perda de tempo, quando de facto é imensamente produtivo”, nota Kathy Pasek. “Nas horas ‘vazias’, as crianças exploram o mundo ao seu ritmo, descobrem interesses pessoais e desenvolvem ferramentas mentais que as ajudam a perceber como se tornarem felizes, como lidar com problemas, como levar a sua vida avante.” Ou seja, são obrigadas a puxar pela cabeça em vez de terem tudo pré-programado.
“Se nunca estamos sozinhos, não descobrimos quem somos”, explica Eunice. “Não temos tempo para construir a nossa identidade, para formular perguntas na nossa cabeça, para desenvolvermos essa qualidade tão importante que é a paciência e o não ter tudo já. Por isso é que muitas crianças começam a estar stressadas: porque os adultos também andam em stresse, e porque elas não têm tempo para descontrair e para aprender a entreter-se sozinhas.”

HÁ MUNDO PARA LÁ DOS GADGETS

Deixar uma criança ‘à solta’ no nosso mundo implica, na maioria das vezes, que ela se afunde em atividades eletrónicas. A nossa sociedade está a criar uma geração viciada em ecrãs, e a palavra vício não é usada metaforicamente. Os ipads, iphones e computadores estão pensados de maneira a produzir dopamina no cérebro, o que os torna tão viciantes que tudo o resto por comparação é aborrecido.” “Brincar com gadgets dos adultos é um absurdo”, nota Eunice Neta. “É mais importante uma criança ter uma tarefa doméstica do que ensiná-la a mexer num telemóvel, coisa que vai aprender mais tarde ou mais cedo. Antes disso, precisa de aprender a tomar banho, a vestir-se sozinha, a ajudar em casa de maneira a que a vida em família seja um verdadeiro trabalho de equipa em vez de serem os reis da casa. Isso é muito mais importante do que estar ao computador.”
Se ele se queixa de aborrecimento, dê-lhe atenção: ele pode simplesmente precisar de mais mimo e mais tempo a dois antes de ser deixado a um.
Que quer fazer hoje? Passar o dia todo de pijama, comer piza e ver filmes? Andar de bicicleta, visitar a avó? Ir à praia ver o pôr-do-sol antes de jantar? Tempo não programado em família é importante: “É melhor levar os miúdos ao parque e deixá-los brincar com os outros, sem grande supervisão, do que ir para o centro comercial”, nota Eunice. “As crianças precisam de andar à vontade, precisam de se constipar, de se sujar, de comer porcarias da rua, de apanhar coisas e comer coisas, até porque senão nunca vão saber que não o devem fazer.
A infância é uma fase mágica: descubram-na com eles.” E deixem que descubram sozinhos.
Quando o ‘depósito do amor’ estiver cheio, deixe-o entregue a si próprio (enfim, não o deixe sozinho em casa…). Ele descobrirá o que fazer (de preferência sem computadores nem telefones nem tablets).
E se ele se aborrecer uma ou outra tarde, lembre-se: o aborrecimento é altamente educativo.

S.O.S. ABORRECIDOS

Já não sabem que mais fazer? Invente um ‘jarro do aborrecimento’ e encha-o de papelinhos com ideias: fazer um jornal com palavras recortadas, puzzles, escrever uma carta ao Presidente; pôr música e dançar, mascarar-se de lobo/ rei/índio/princesa, fazer um vestido para a boneca, escrever um diário, aprender a tricotar, desenhar o retrato do gato…
Dê-lhe atenção durante algum tempo, dê-lhe algumas sugestões para se entreter e depois deixe-o entreter-se sozinho. De preferência sem gadgets.

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