Qual é o grande problema doméstico de uma mulher jovem e ocupada, dedicada à carreira e nada receptiva a passar o tempo livre a limpar bibelôs? O pó e a arrumação. Podemos dizer, em sentido figurado, que Sofia Passarinho concebeu o seu primeiro apartamento inspirada num esquema de autolimpeza.
Quando os móveis estão fechados, são poucas as peças que perturbam o deslizar do pano. Uma escultura africana e uma jarra cristal e prata, assinada por Siza Vieira, são os raros elementos decorativos visíveis. Pontualmente, flores. Menos é mais, é uma das suas premissas. ‘Claro que gostava de ter um Monet’, insinua. Com apenas 65 metros quadrados, além de um pequeno pátio, esta é o que se pode chamar de casa articulada, pensada ao detalhe. Alguns exemplos: os bancos da mesa de refeições têm a mesma altura e tamanho dos da mesa de apoio, situada na sala. Quando juntos, estes elementos antigem a configuração ideal para constituir um estrado sobre o qual assenta um colchão, no caso de Sofia receber visitas.
A arquitecta, de 33 anos, trabalha com frequência em casa. Uma das portas do móvel da sala executa uma rotação de 90º, convertendo-se em tampo de secretária. E o mesmo banco que ora é estrado, ora é apoio à mesa de refeições, ora é mesa, assoma como cadeira de secretária. Talvez não muito ergonómico, mas certamente polivalente. Na zona de dormir (excepto na casa de banho, a planta é limpa, sem divisões), um módulo de arrumação (cómoda) no topo da cama assoma ao primeiro olhar e em contraluz poente, como uma elementar cabeceira de cama.
Nada está a mais, nem as ausências. Não existem roupeiros aparentes, não há candeeiros, nem tão-pouco tapetes. Mas não falta arrumação e a luz é abundante. A natural irrompe de nascente, pelo pátio. Atravessa a sala e chega ao quarto, como Sofia gosta, para o despertar; a artificial espreita na forma fluorescente, encastrada nos rasgos que pontuam o tecto e controlada por balastros electrónicos. Os nichos de arrumação estão dissimulados atrás de portas complanares à parede: um louceiro encastrado entre a sala e a cozinha e um móvel-bengaleiro no corredor de entrada… Tudo o mais é arrumação invisível.
A cozinha satisfaz todos os quesitos de praticidade e engenharia do espaço. Com apenas 1,20m de largura, metade é ocupada pela bancada. Sobram apenas 60cm de área de circulação. Como tal, a abertura da porta de um armário podia ser um problema. Sofia desenhou um sistema de gavetas à medida, com abertura deslizante. O Valchromat, um sucedâneo do MDF, é o material adoptado em toda a casa, inclusive nos planos habitualmente revestidos a azulejo. A gordura elimina-se com uma lixa e a manutenção processa-se com um óleo mineral de baixo custo. Muito simplesmente.