Violência no namoro

Becky tem 17 anos, é inteligente, divertida e quer ser humorista. Entretanto, conhece Kip, atraente e apaixonado, que se preocupa com cada detalhe da sua vida. Aos poucos, aquilo que parecia um amor escaldante torna-se uma prisão: Kip controla todos os passos da namorada, corta a sua relação com os amigos, persegue-a, e quando começa a agredi-la fisicamente, Becky toma consciência de que a paixão pode não ser aquilo que pensava. Só que o caminho para se libertar de um namorado possessivo é mais longo do que ela pensava – aliás, é muito parecido com a libertação de um vício – e a ajuda da família e dos amigos vai ser imprescindível…

Esta é a história de ‘Amor no Fio da Navalha’, um livro escrito pela jornalista americana Janet Tashjian, que, impressionada com os casos de violência em namoros adolescentes, decidiu chamar a atenção dos seus leitores. Mas esta é a história de milhares de adolescentes por esse mundo fora.

Tema muito deprimente para um mês em que se celebra o Dia dos Namorados? Talvez: mas esta é, cada vez mais, a realidade dos jovens portugueses. Segundo um estudo desenvolvido por investigadoras da Universidade do Minho, um em cada quatro jovens, com idades entre os 13 e os 29 anos, reconheceu ter sido vítima de comportamentos abusivos. E estes dados espelham uma situação muito semelhante nos Estados Unidos e no resto da Europa. Para pôr o tema na ordem do dia, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género lançou uma campanha contra a Violência no Namoro, para promover relacionamentos saudáveis entre os jovens.

"Se tem ciúmes, é porque gosta de mim"

Existe tanta violência no namoro como no casamento: 25% dos jovens já foram vítimas. Os mais novos começam a agredir-se cada vez mais cedo. E o maior problema, nota Carla Machado, investigadora da Universidade do Minho e uma das coordenadoras da investigação, é que a maioria encara com normalidade que dois namorados se agridam. "O que acontece é que os adolescentes, embora reprovem a violência em abstracto, depois encontram justificações e desculpam a violência em situações específicas, como os ciúmes ou a infidelidade", explica.

Por violência não se entende apenas murros e pontapés. "A violência mais comum é a emocional (insultos, humilhações, ameaças, tentativas de controlo) e a pequena violência física (bofetadas, empurrões)", nota Carla Machado.

Claro que a agressividade não surge do nada: vivemos num mundo onde é muito mais normal resolver-se os conflitos ao murro e ao pontapé (literal ou figurado…) do que pelo diálogo. "Vários estudos internacionais sugerem que a proveniência de uma família já de si violenta é de facto um factor de risco", confirma Carla Machado. "Contudo, não quer dizer que todos os jovens que vivenciaram essa situação se tornem violentos… há vários factores de possível compensação dessa influência."

Mas não podemos deitar todas as culpas para o nosso tempo, simplesmente porque não temos dados para comparar. "É um assunto que só agora começa a ser estudado. Portanto, não temos ponto de comparação sobre como era ‘dantes’." Provavelmente, os namorados sempre se agrediram, mas só agora é que começamos a achar que isso não é aceitável.


Agressivos uns com os outros

Apesar do muito que se progrediu em termos de condição feminina, as raparigas ainda são educadas para idealizar o amor. No entanto, uma das grandes diferenças entre a violência nas relações adultas e nos adolescentes é que as raparigas mais novas também são agressivas nas suas relações amorosas. "Isto não é só uma agressão da qual são vítimas", faz notar Carla Machado. "Mas é verdade que as raparigas parecem sofrer mais a influência de um certo discurso sobre o amor e o romance muito idealizado, que acredita que o ‘verdadeiro amor’ sobrevive a tudo e que vão ser capazes de mudar um parceiro abusivo. Claro que isto as pode levar a tolerar, desculpar e permanecer mais tempo em relações abusivas."

"Há uma elevada violência contra as mulheres adultas, mas entre os adolescentes esta é biunívoca, ou seja, são agressivos uns com os outros", confirma Maria Neto Leitão, professora na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e coordenadora de um projecto absolutamente inovador nesta área: ‘(O)Usar e Ser Laço Branco’. "Se eu já sentia, da minha experiência, que a violência tinha um enorme peso na vida das mulheres, apercebi-me de que era um problema tão grave que exigia prevenção entre as mais novas. É urgente que elas tomem consciência de que estão a viver situações de violência e não as validem como relações de amor."

O projecto forma estudantes voluntários na área da violência no namoro e depois leva às escolas secundárias encenações do tema, como forma de pôr os alunos a discutir.

"Concluímos que a única forma que os mais novos conhecem de comunicarem é através da violência. E aí também o nosso projecto é inovador: tentamos mostrar-lhes o que é uma relação violenta, e que isso não é uma forma de nos relacionarmos com ninguém, muito menos com um namorado, logo a pessoa que nos devia dar mais apoio e carinho."

Antes mal acompanhada que só?

Os grandes problemas são culturais: por exemplo, o namoro valoriza as raparigas. "Continua uma forma de afirmação social", confirma Maria Neto Leitão. "Nas secundárias tentamos mostrar-lhes que não têm de ter um namorado para se sentirem valorizadas. Mas é uma tarefa muito difícil. Elas preferem ter um mau namorado a não ter namorado nenhum!"

A estratégia da encenação da violência pelo teatro revelou-se extremamente útil. "Quando encenamos essas situações, eles ficam revoltados e acham inadmissível. Mas, depois, reproduzem-nas na vida deles sem se darem conta!", nota Maria Leitão. O projecto pretende não apenas mostrar, mas dar soluções. "Eles têm um vazio afectivo, um vazio de modelos. São violentos porque não sabem como resolver as situações. Então, vamos dar-lhes esses modelos: como aprender a resolver um conflito de modo não-agressivo, como respeitar os direitos dos outros, como declarar uma situação que não os satisfaz. São aprendizagens que desenvolvemos com os estudantes para eles perceberem que há outras formas de nos relacionarmos que não sejam violentas. E também como forma de prevenção: para que, quando arranjem um namorado, não permitam que essas situações aconteçam."

Ou como afirma Janet Tashjian, autora da história de Becky: "Na nossa cultura, rapazes e raparigas nadam contra a fortíssima corrente da violência. As raparigas carregam frequentemente o fardo da raiva e da frustração dos rapazes. Ajudar ambos os lados a encontrar uma solução significa eliminar a raiz da violência na nossa sociedade. Temos muito trabalho à nossa frente.

Não é fácil ser rapaz

"Os homens também são vítimas disto tudo, e estas não são relações dentro das quais eles se sintam bem", defende a professora Maria Neto Leitão. "Socialmente, são obrigados a desempenhar um papel que não os satisfaz, mas não têm outro! Eles comportam-se da maneira que acham que lhes é exigida. Tentamos no nosso projecto mostrar aos rapazes que, para serem homens, não têm de ser violentos. E ao recusar a violência, serão mais felizes. O problema é que mesmo as mulheres esperam deles que sejam violentos. É fundamental apresentar novos modelos de masculinidade aos jovens, ou eles vão continuar a pensar que não ser isto é ser homossexual. E no contexto de homofobia em que vivemos, eles preferem tudo menos serem homossexuais!"


O que os pais podem fazer

Podem, antes de mais, transmitir muito claramente, no seu discurso e comportamento, que a violência é inaceitável, em qualquer circunstância e qualquer que seja a desculpa", defende Carla Machado.

"Podem educar os filhos para serem assertivos (não agressivos) e terem consciência dos seus direitos. Podem enfatizar a ideia de que o respeito faz parte integrante do amor. E que o amor não implica anulação nem fusão com o outro."

"Tudo passa por estar atento e mostrar disponibilidade para ouvir o filho e para o perceber", explica Maria Neto Leitão. "Se os miúdos sabem que os pais não vão aprovar o namoro, é óbvio que não lhes vão dizer nada. Os pais têm de perceber que os filhos não são deles, são do mundo. Isto é um assunto muito ligado à sexualidade, e quando não desenvolvemos este trabalho desde a infância, na adolescência a situação pode complicar-se. O aprender a construir relações

afectivas positivas vem desde a relação que construímos com os pais, desde a forma como nos pegavam, seguravam, lidavam com o nosso corpo.’


SITES MUITO ÚTEIS QUE PODE CONSULTAR:
http://www.amcv.org.pt/; http://www.mccsmcrd.com/;
http://www.teenrelationships.org/; http://www.cig.gov.pt/

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