Marisa Marchetto vivia a vida no seu auge: citadina, doida por sapatos, massas e moda, com uma carreira de ilustradora bem sucedida, acaba de ficar noiva do seu príncipe encantado. Problema: Marisa descobre que tem cancro da mama.
‘
Cancer Vixen: A Minha Luta Contra o Cancro’,
(Asa) é a sua história de um ano em tratamento, contada pela própria – em BD e, estranhamente, muitíssimo divertida. Marisa relata – ou antes, mostra – tudo o que faz parte do seu dia-a-dia: as análises e os jantares com o noivo, os pesadelos e o trabalho, a angústia e a esperança, as sessões de químio a que vai com os sapatos mais glamourosos que tem.
Não é um livro só para pessoas que têm ou já tiveram cancro: é para todos os que gostam de uma história bem contada.
Falámos com ela quando veio a Portugal e calcorreou o empedrado de Lisboa nos seus saltos de arranha-céus.
Activa –
Então, já viu muita Lisboa?
Marisa Marchetto – Já vi muita Lisboa e já comi muita Lisboa (ri). Na América não estamos habituados a isto. Eu sou uma mulher de saladas. Desde que aqui estou, já comemos camarão frito, salsichas, bife com batatas fritas. Vocês comem mesmo isso todos os dias, bife com batatas? A sério? Bem, é o equivalente a um hamburguer só que sem o pão… Ah, e ainda tem arroz e ovo? A sério? Meu Deus!
– Tudo no seu livro tem um rosto. O medo tem um rosto, as células têm rosto, a inveja tem rosto.
Pensa sempre assim, em imagens?
– Sim sim. Penso a cores e sonho a cores. Quando o meu médico me disse, depois da biópsia, ‘temos de ver se as suas células estão zangadas’, foi assim que as desenhei, zangadas. Muito do livro é isso, rir na cara do cancro. Acho que é importantíssimo. Se conseguimos rir daquilo que nos assusta, metade da guerra está ganha. Acho que se consegue pensar consegue ver, e se consegue ver, consegue acreditar.
– Como é que aparecu a ideia de contar a sua experiência à medida que ia acontecendo?
– Tenho um cartoon mensal na revista ‘Glamour’ e uma semana depois de me ter sido diagnosticado o cancro, a minha editora ligou para saber se eu queria falar disso. Concordei em contar a minha experiência. É uma espécie de diário em imagens e sentimentos. E o meu conselho para todas as mulheres que passam pelo mesmo é esse: tirem esse peso do peito! Façam um diário, desabafem. Se tiramos o cancro de nós e o pomos no papel, torna-se diferente. Já não é nosso. Deserdamo-lo.
– Como é desenhar sem distância, quando as coisas estão a acontecer?
– Estou habituada a desenhar no meio da tempestade, em cima do acontecimento. A parte de mim que desenha é o olho, e tudo o resto acontece à sua volta. Fiz o mesmo com o 11 de Setembro, fui para a rua no meio da tragédia e desenhei sobre isso. Acho que funciona como uma forma de terapia. Tenho sempre a impressão de que as melhores histórias de amor são aquelas que de facto aconteceram a quem as escreveu.
– Fala de tudo, e não omite nem os momentos mais íntimos: a sessão de quimio, os medos, os pesadelos…
– Esses pesadelos eram mesmo verdadeiros. Pensei que, se queria fazer este livro da maneira certa, tinha de ser totalmente honesta e falar de tudo. Devia isso a mim própria e a todas as pessoas que passaram por isto. Escrevi sobre tudo, como doía ter médicos à procura da minha veia, por exemplo. Mas aquilo que mais me doeu foi escrever sobre o facto de não poder ter filhos. Estou bem com isso agora, como estava na altura, mas quando se é confrontada com o facto, é difícil de aceitar. Até aí, vai-se adiando, mas há sempre aquela ideia de que pode acontecer, quando quisermos. De repente, a impossibilidade é uma coisa definita, finita. Quando nos dizem ‘nunca’, é difícil de ouvir.
– O cancro tornou a relação com o marido mais importante?
– Não. O meu marido sempre foi importante para mim. Recebi cartas de muitas mulheres que me diziam a mesma coisa, como a relação com o marido as tinha ajudado. No caso dos cancros, se uma relação é forte fica ainda mais forte, se é fraca desfaz-se. A minha mãe foi a única pessoa que teve problemas com este livo. A primeira vez que o leu, voltou-se para mim e disse: "Desenhaste-me demasiado gorda!"
– Os sapatos que levava para as sessões de quimio eram mesmo verdadeiros?
– Claro (gargalhada). Acho que estava a tentar proteger-me com a minha vaidade… Em vez de olhar para a agulha da quimio olhava para os sapatos, e aquilo ajudava-me.Quanto melhor nos sentirmos psicologicamente mais forte está o nosso sistema imunológico, e isso ajuda-nos a lutar contra a doença.
– Qual foi a principal lição que o cancro lhe ensinou?
– Ouçam a vossa intuição. Que outras coisas aprendi? O poder da sugestão. Se se visualizar qualquer coisa, ajuda-nos enormemente. Também aprendi que somos mais fortes do que pensamos. E que comprar sapatos não é o cúmulo da felicidade, mas ajuda muito.
– O que mais mudou na sua vida depois disso?
– Mudei drasticamente a minha alimentação e faço exercício todos os dias. Como acima de tudo frutas e vegetais, frutos secos e sementes.
–
Vão fazer um filme baseado no seu livro, com a
Cat Blanchett no papel principal. Já falou com ela?
– Sim, já me reuni com ela. Estou muito orgulgosa de a ter a ‘fazer de mim’, e eu estou muito animada.
– Quando começou a desenhar?
– Comecei com três anos, a minha mãe é desenhadora de sapatos. Quando estava grávida de mim, a Jackie Knnedy ligou-lhe para lhe desenhar os sapatos. Houve uma altura em que eu também queria ser ‘shoe designer’, mas depois descobri que me divertia mais a desenhar as mulheres. Quando eu tinha 8 anos, o meu pai poupou dinheiro suficiente para irmos de férias para as Bermudas. Ficámos numa casa enorme, e cor de rosa, e as paredes estava cobertas de cartoons. Era a casa de James Thurber, o famoso cartoonista americano, e eu fiquei apaixonada. Procurei tudo o que conseguia encontrar sobre ele. A partir daí, soube o que queria fazer na vida.
– Prepara-se para ir à Casa Branca em Outubro com Evelyn Lauder…
– Sim, é uma acção habitual da
Breast Cancer Foundation
. A Evelyn Lauder é uma mulher absolutamente fantástica, é a criadora do lacinho cor de rosa e a mulher que quebrou o tabu à volta do cancro da mama e pôs as mulheres do mundo inteiro a falar sobre isso. O lacinho cor de rosa (de que Mrs. Lauder não fez copy-right para poder ser usado em todo o mundo, sabia?) não é apenas um símbolo do feminino, mas um símbolo de tecido mamário saudável.
– O que quer dizer às mulheres portuguesas?
– Em vez de comprar flores à sua mãe, ofereça-lhe uma mamografia. Ela deu-lhe o dom da vida, pode estar a devolvê-lo.
– E qual é a sua cor preferida?
– Azul, roxo e cor de rosa.