Acha que este artigo não é para si? Nada mais errado! Falar em público não é só para professores e políticos. Todos os dias, nos nossos contactos sociais e profissionais, somos obrigadas a enfrentar outras pessoas e a falar com elas.
É verdade que há pessoas mais talhadas para o contacto com os outros. “Essencialmente são aquelas que gostam de o fazer”, refere Maria João Aguiar, formadora em diversos cursos sobre ‘Como falar em público’. Mas reunindo algumas condições, que se conseguem com treino, “todos podem melhorar a sua performance”, adianta a formadora.
E para ser bem sucedida nesta arte de abordar os outros há alguns ingredientes que deve saber conjugar. Primeiro que tudo, tem de arrumar as ideias e estudar bem a matéria. “Os portugueses são muito desordenados, têm grandes dificuldades em sintetizar. E se um discurso é desordenado não consegue captar as atenções”, explica Maria João Aguiar.
O estudo aprofundado do que se vai expor (seja a apresentação de um relatório ou a sua própria apresentação numa entrevista de trabalho) também contribui para um maior à-vontade e fluidez discursiva. “As pessoas que vão falar de coisas coladas a cuspo facilmente têm problemas. A falta de convicção nota-se até na inflexão da voz e na falta de entusiasmo de quem fala. Quando se sabe bem o que se está a dizer somos muito mais convincentes”, nota.
Prepare-se bem
Antes do grande dia há também uma série de truques dos quais nos podemos servir, com vista a melhorar a nossa prestação perante uma audiência. Os livros sobre a matéria aconselham a que treine ao espelho aquilo que vai dizer. Maria João Aguiar acredita que poucas são as pessoas que o fazem, talvez por se sentirem ridículas, mas há como contornar a situação. “Digo aos meus alunos que, todos os dias, escolham uma notícia e a leiam em voz alta. Nos cursos, faço os alunos lerem em voz alta e quanto mais o fizerem, melhor. Ajuda muito a melhorar tanto a dicção como a interpretação do que está escrito.”
Pedir a alguém de confiança que nos observe também se pode revelar útil. A dificuldade está na escolha da pessoa mais eficaz para nos ajudar nesta tarefa. “Tem de ser um amigo que não se limite a dizer que está tudo bem, mas que tenha sentido crítico.” Gravar a própria voz, num pequeno gravador, também nos permitirá detectar erros. Mas para que o método seja fiável, é preciso que nos consigamos abstrair do gravador e deixar fluir o discurso.
Mas se a sua vida profissional passa por falar em público frequentemente e não se sente devidamente preparada, talvez seja melhor optar por um curso nesta área. Nos cursos são feitas as chamadas ‘auto-escopias’, que consistem em filmar a prestação do aluno, de modo a verificar os seus pontos fortes e fracos. “Lembro-me de, numa auto-escopia, ter visto que segurei um papel na mão, para o qual não cheguei a olhar, o que parece estúpido. Se a pessoa pega num papel é para o usar, se não é usado torna-se uma bengala inútil. Ao termos um papel na mão pelo menos devemos fingir que o consultamos, uma vez ou outra, para justificar a sua presença”, recorda Maria João Aguiar.
O grande dia
Na véspera do encontro anunciado, as dores de barriga teimam, os suores frios acumulam-se, e com os nervos somos até capazes de nos sentir a cair para o lado a qualquer momento. Calma. É importante que ganhe confiança em si própria. Se estudou tudo o que tinha para estudar, fez os resumos, até tem uma apresentação em powerpoint da qual se pode socorrer e já escolheu a roupa que vai vestir, tudo está talhado para correr bem. Lembre-se dos dias de teste no liceu. Quanto mais nervosas ficávamos, pior corriam.
Jante uma refeição leve, tome um banho morno antes de se ir deitar e tente dormir bem. Levante-se cedo no grande dia, desfrute de um bom banho, de um delicioso pequeno-almoço e arranje-se com calma. Escolha o caminho com menos trânsito, para evitar mais nervos desnecessários.
Tenha cuidado com a sua aparência. Neste aspecto deve imperar a regra do bom senso. “A pessoa não pode estar gritante. Se a oradora vai carregada de ouros, a audiência estará a ver os ouros a faiscar e já não liga ao que está a ser dito. Também não se deve ir muito simplezinha, porque as pessoas gostam de sentir que houve um cuidado, uma cortesia da parte do orador, que se arranjou para elas”, explica Maria João Aguiar.
Comece a comunicação explicando o seu conteúdo, de forma breve. Aliás, a brevidade é aliada do bom orador. Intervenções demasiado longas podem tornar-se maçadoras e dispersar a audiência. Para captar, de imediato, a atenção, pode optar por um pequeno diálogo com a assistência que, segundo Maria João “ajuda muito a quebrar o gelo.”
Auxiliares preciosos
Durante a apresentação, tenha em conta a entoação, as pausas, os seus movimentos, o domínio da língua e a respiração. “Há duas coisas muito enfadonhas: aquelas pessoas que se põem a ler um papel, em tom monocórdico, e aqueles oradores que permanecem completamente imóveis.” Para evitar estes erros, a especialista aconselha: “O movimento dá ideia de que se domina o tema e se está à vontade. E, quando se está a falar para grupos relativamente pequenos, tem de se solicitar a participação da audiência, permitindo questões e opiniões.”
Dar erros de português pode revelar-se fatal e levar o orador a cair no ridículo. “É muito desagradável ouvir alguém que dá ‘calinadas’. Se a pessoa não está certa, deve informar-se, nem que seja consultando previamente um prontuário. O modo como se respira e coloca a voz também é muito importante. Quem fala em público deve fazê-lo com tranquilidade, sem atropelar a respiração.”
O gesto nem sempre é errado, se servir para enfatizar uma ideia e não for exagerado. Mas “a gesticulação tipo moinho de vento acaba por ser um ‘ruído’, que dispersa as atenções.” E, já agora, se não sabe onde pôr as mãos – problema com o qual todas nos debatemos, em algum momento da nossa vida – arranje uma ‘muleta’. “Segure um papelinho ou uma caneta. Sobretudo, as pessoas têm de aprender a dominar o seu corpo e a estar bem consigo próprias, para poderem estar bem em frente a outras pessoas”, sugere a formadora.
Certo vs errado
Para que não se esqueça de nada, leve cartões com tópicos, que também servirão para entreter as mãos. Pode distribuir um pequeno esquema pela audiência, mas apenas se pretende mesmo seguir uma ordem pré-determinada, como ensina a monitora. “Se for uma sessão em que se pede a participação do público não faz sentido. Mas se é uma exposição, por exemplo de um relatório da empresa, dará jeito, até para os ouvintes seguirem e ficarem alertas para eventuais temas sobre os quais desejam pedir esclarecimentos.”
A apresentação deve ser breve, mas se mesmo assim se esquecer de alguma coisa, não faça disso um drama. Opte por fazer um comentário sobre o tempo (cai sempre bem) ou relacionado com o que está a ser tratado. Evite as piadas. Só quem tem uma grande presença de espírito se costuma sair bem com estas evasivas e, mesmo assim, nunca se sabe. “Hoje em dia há uma grande quantidade de tabus. As piadas étnicas, sexuais, politicas, de saúde, enfim… Quando se começa com piadas corre-se sempre o sério risco de ofender alguém”, avisa Maria João Aguiar.
Para terminar, apresente um resumo dos principais aspectos do discurso. “Qualquer comunicação deve terminar com uma súmula do que foi dito e os aspectos essenciais devem ser reforçados. Muitas pessoas retêm apenas isso e ao acabarmos com uma mensagem forte podemos ter a certeza de que a audiência sai dali com ela”, avisa.
No final, se tudo correr bem, festeje. Mas não embandeire em arco. “Há pessoas que pensam que foram brilhantes, talvez porque tinham uma assistência muito polida, mas se calhar os ouvintes nem saíram assim com tão boa impressão. Por outro lado, há oradores que dão demasiada importância a pequenos lapsos, quando ninguém notou que aconteceram. É muito importante termos sentido crítico e tentarmos perceber o que fazemos bem e mal”, remata.
PISTAS PARA O SUCESSO
– Seja natural
Uma atitude demasiado forçada, premeditada ou artificial gera desconfiança. É importante que seja você mesma para conseguir convencer os outros.
– Use a metáfora
As metáforas ajudam a clarificar os temas, tornam o discurso mais leve, ilustram e ajudam a plateia a seguir o seu pensamento.
– Improvise
Tenha a capacidade de improvisar. Pode ser indispensável em situações imprevistas, como por exemplo se o computador ou o retroprojector deixarem de funcionar. Recorra a uma piada ou comentário que tenha a ver com a apresentação ou a situação, do género: “isto acontece-me sempre.”
– Envolva-se
Fale da sua própria experiência, do que a levou a envolver no tema que está a apresentar, o que sentiu. Este pode ser mesmo o seu melhor argumento para levar os ouvintes a motivar-se e seguir o seu discurso.
– Convença-se
Para que a sua mensagem passe é fundamental que se convença a si própria de que o que está a dizer é realmente importante. Caso contrário é provável que a audiência perceba que está a fingir e o discurso não é mais que uma obrigação de trabalho. Os dados que apresentar devem ser suportados por organismos oficiais ou estudos.
UFA, ACABOU!
– Ofereça um presente a si própria.
O seu prato preferido para o jantar, aquela camisola que anda a namorar há tempos… Afinal, conseguiu superar a prova!
– Avalie o seu trabalho.
Retenha o que fez bem e analise, friamente, os aspectos que deve melhorar.