Ainda se lembra da primeira edição do Rock in Rio, em 1985?
Tinha de seis para sete anos e só me lembro me perder na obra (clássico!), pôr new wave [gel colorido ou com purpurinas] no cabelo; lembro-me de um jantar em minha casa com os artistas e de brincar com produtos oficiais (viseiras, óculos, etc…) e dos shows da Rita Lee e da Nina Hagen. Muitos anos depois pensei porque me lembrava disso e achei uma explicação – uma tinha o cabelo vermelho fogo e outra cor-de-rosa. Deve ter sido isso.
Que histórias e peripécias marcaram essa estreia?
Este festival já nasceu grande porque as grandes motivações eram mostrar o Rio de Janeiro como destino turístico, uma juventude forte num país que estava a sair da ditadura militar. O Brasil não tinha muita credibilidade na área do entretenimento; os artistas internacionais não iam até lá. O Roberto [Medina, o pai] entendeu que tinha que fazer uma coisa muito impressionante para chamar a atenção internacional para um país do terceiro mundo. O Rock in Rio nasceu com um nível de sofisticação, pensado por um homem que não tinha nada a ver com o mundo do espetáculo. A outra questão para ser muito grande tinha a ver com a necessidade de pagar contas – o preço dos bilhetes era muito baixo por causa do poder de aquisição dos brasileiros.
O RiR só aconteceu por influência do Tancredo Neves, que aliás foi eleito presidente num dos dias do evento [viria a morrer em vésperas de tomar posse]. Durante o processo de construção, houve um período em que o Governo do Estado e a prefeitura do Rio de Janeiro bloquearam as obras porque as guerras foram muitas. Dez anos depois, descobrimos que eles estavam preocupados que o Roberto Medina quisesse ser político. Outra das principais guerras foi com a Igreja. Achavam que juntar tantos jovens não iria dar certo. Tinham um medo enorme da parte comportamental, das drogas e sexo. Mas o Roberto teve o apoio do Roberto Marinho, o homem forte da TV Globo, e da Brahma, o primeiro patrocinador que acreditou e deu o primeiro cheque.
Os Queen tiveram que emprestar a estrutura de iluminação para as bandas todas, caso contrário não seria viável fazer o festival. A primeira vez que se ilumina a plateia (não apenas o palco) foi no Rock in Rio de 85 porque, como publicitário, o Roberto entendia que a razão de ser de tudo aquilo, eram as pessoas que assistiam aos espetáculos.
Houve complicações com o terreno. Mesmo depois de 70 mil camiões de terra terem sido depositados, ainda tinham que abrir clareiras no meio das pessoas para colocar pedras, porque o terreno afundava e brotava água! O Roberto tinha outras opções mas decidiu que tinha que ser ali. Hoje, é o terreno onde está situada a Aldeia Olímpica.
Era muito nova quando começou a trabalhar na organização do festival. Desde então, qual foi a maior lição de gestão que aprendeu?
O valor das pessoas que integram as equipas, saber confiar e delegar nelas. Foi uma lição forçadíssima e imediata. Não tinha outra opção, tive que aprender fazendo, junto com as pessoas que sabiam. A minha parte intuitiva e, de certa maneira, a minha maneira de ser, também facilitaram. O meu pai também não ficava atrás aprovando o que eu fazia. Nessa altura, achei que o meu pai me tinha atirado à jaula dos leões, trancado a porta e quase atirado a chave fora. Uns anos mais tarde, a minha versão mudou: ele fechou-me na jaula dos leões, trancou-a, mas ficou atrás da cortina observando. (risos) Mas foi muito giro. Consegui conquistar o respeito da equipa, apesar de ser tão nova. Tem uma Roberta antes e depois do Rock in Rio. Quem era ela antes? Ninguém.
E como é que se conquista esse respeito aos 22 anos e sendo filha do patrão?
Tem muitas etapas para conquistar até lá. Não partimos do zero, partimos do -100 (risos). Primeiro tens que responder às dívidas que já trazes por seres filha do Roberto, por seres tão nova… O meu pai teve uma vida muito intensa. Perdeu muito dinheiro na primeira edição, ficou doente. É uma história muito feroz. Umas das coisas que eu não entendia era como é que ele estava a fazer tudo de novo. O que me pesava era saber que, se eu fizesse alguma coisa errada, não era para mim que iria sobrar – era ele que seria responsabilizado. Por isso era um nível de responsabilidade muito pesado. Tinha objetivos e desafios, nunca parei para pensar nas dificuldades no caminho. Fui fazendo e vivendo as dificuldades quando elas apareciam. Também era muito nova e não sabia nada – hoje já pensaria nisso, provavelmente.
Em todos estes anos, quais foram os concertos mais memoráveis, para si?
O do Bon Jovi em Portugal foi muito incrível. Fiquei impressionada com a energia dele, com as pessoas a cantarem do principio ao fim.
E a edição mais dura de realizar?
2013, no Brasil. Muito intensa. Tivemos muitos problemas com o parque e com a rede de esgoto. Foi um desafio muito intenso.
Qual o seu maior motivo de orgulho, na organização do festival?
Ter feito parte da conceção do sunset, valorizar o espetáculo aos fins de tarde, provocar os encontros.
Quem lhe falta mesmo trazer ao RiR?
Adoraria trazer o Bruno Mars, tanto cá como ao Brasil.
Onde é mais fácil encontrá-la, no recinto do festival?
No meu escritório ou a andar de um lado para o outro a ver como tudo está a correr.
Qual é o período de pico de stresse?
Três meses antes, e na hora de abrir portas (a vontade de que tudo passe depressa e bem é enorme!).
A edição deste ano conta com a novidade do Musical Rock in Rio. O que vamos ver?
Foi um grande sucesso no Brasil. O musical, que na versão original tem quase 3 horas (aqui vamos ver uma versão mais reduzida), conta os 30 anos do festival através da música, inserindo histórias engraçadas de alguns artistas no meio. É sensacional! Queremos trazer essa experiência para o Palco Mundo. Também vai ter um ator e cantor português, que vai trazer a parte da história do RiR Lisboa.
A Ivete Sangalo e os Xutos & Pontapés são presenças assíduas das edições nacionais. Há “artistas da casa”?
São sempre sucesso, são sempre pedidos e estão sempre entre os melhores, por isso sim, estão cá sempre. Artista RiR é artista de massas, que faz vibrar e que as pessoas cantam do princípio ao fim do show.
A sua filha já vai aos festivais?
Sim. Tem três anos e já foi a 4 edições. Na primeira, no Rio, só tinha 10 meses. Adora ver o fogo-de-artifício, anda nos carrosséis; fica na tenda VIP protegida, ao pé da família e a brincar na relva. Ao final da tarde vai embora. Mas, na edição do ano passado, em Las Vegas, não conseguia mandá-la embora, ela não queria!
Gostava que ela continuasse o legado familiar?
Não penso nisso, da mesma forma que espero que ninguém tenha essa expectativa comigo (apesar de terem). É muito pesado, isso. A expectativa é cruel, precisa de ser uma decisão espontânea e autêntica. Gosto de saber que tenho a liberdade de querer fazer o RiR ou não, amanhã, da mesma forma como quero que ela tenha a liberdade de escolher o caminho dela. Se ela quiser, embora lá! Mas… existem vidas mais fáceis, esta tem muito stresse. Não sou partidária de se escolherem vidas fáceis, mas o importante é que as pessoas se apaixonem pelo que fazem, e eu espero que ela tenha essa oportunidade também.