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A maior taxa de mortalidade por coronavírus do mundo está na capital da Europa. 

Apesar de ter uma população com apenas 11 milhões de pessoas, a Bélgica registou mais mortes durante a pandemia do que, por exemplo a China. Com 57 vítimas mortais por 100 mil habitantes, o país tem a maior taxa de mortalidade per capita atribuída à COVID-19 (a doença causada pelo vírus) a nível global – quase quatro vezes superior à dos Estados Unidos.  Mas como é que as coisas chegaram a este ponto?

Segundo Susana Laires, que vive em Bruxelas há seis meses, o primeiro erro estratégico aconteceu quando o governo e os belgas subestimaram um ‘inimigo’ invisível. Um dia antes de ser decretado o ‘lockdown’, os transportes continuavam cheios e as estradas a abarrotar de carros”, conta-nos. Tudo parecia correr dentro da normalidade, apesar de já haver desinfetantes em todos os locais de trabalho e de sermos aconselhados a lavar as mãos sempre que possível”, acrescenta. Só dois dias antes do ‘lockdown’ é que comecei a ver pessoas com máscaras nos transportes”.

A jovem, de 27 anos, tem bem presentes na memória os comportamentos que observou no dia 13 de março, quando foi decretado o encerramento dos bares e dos restaurantes. “Dezenas de pessoas passaram a noite nos bares e discotecas para uma espécie de ‘despedida’ da vida boémia”. Na altura, já havia quase 400 casos confirmados.

Além disso, embora a situação já fosse catastrófica em Itália, todas as fronteiras permaneceram abertas e “as autoridades disseram mesmo que era impossível evitar que casos fossem importados” daquele país, uma vez que as duas nações estão ligadas por meios aéreos e terrestres. No dia 14 de março, o número de contágios já rondava os 700 e quatro pessoas tinham morrido, mas o “lockdown” só se deu a 18 de março. Entretanto, as regras foram mudando e as coisas tornaram-se mais sérias nas últimas semanas. 

“Neste momento, os cidadãos foram aconselhados a protegerem-se com máscara sempre que saem à rua”.

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Que medidas de distanciamento social estão em vigor na Bélgica?
Neste momento, as medidas de distanciamento social em vigor consistem na proibição de encontros em grupo, de visitas ou festas em casa, 1,5 metros de distância entre as pessoas, na rua, supermercados, etc. É possível sair para caminhar, fazer exercício, andar de bicicleta e fazer compras essenciais, mas não é permitido parar e sentar num banco de jardim ou na relva. Há carros da polícia a patrulhar grande parte dos parques e as autoridades avisam quem virem a quebrar as regras que devem levantar-se e andar, tendo também o poder de multar os cidadãos que infrinjam as regras. Também nos transportes públicos é exigido distanciamento e os assentos que podem ser usados estão assinalados nos elétricos e autocarros. No início até havia drones da polícia a patrulharem os locais públicos.

Consideras que tem sido feito um bom trabalho no combate ao surto pandémico?
Não acompanho o que se passa a nível político na Bélgica, diretamente, porque não falo francês, nem flamengo. Acompanho diariamente os jornais belgas em língua inglesa para manter-me informada. Pelo que tenho visto, recentemente, a resposta tem sido mais eficaz e as pessoas estão a levar a sério a pandemia. O mesmo não se pode dizer no início da crise. Considero que, nessa altura, o governo não quis alarmar a população e, na minha opinião, deixou o vírus alastrar-se demais até tomar medidas. E a falta de assertividade do governo e de “alarme” levou muitos a considerarem que não havia grande risco e que o vírus não passava de uma “gripe”. Lembro-me de ouvir muita gente comentar que as medidas, que eram poucas, a bem dizer, eram um “exagero”, porque a taxa de mortalidade do vírus não era muito elevada. Isso reflete-se nos números atuais: 47.859 casos e 7.501 mortes, num país com a mesma população que Portugal.

Como é que os belgas estão a encarar a situação?
Não sei bem. Vivo em Bruxelas e conheço poucos belgas, porque é uma cidade verdadeiramente multicultural, onde há imigrantes de todos os países do mundo. Quanto ao que observo no meu bairro, as pessoas estão, neste momento, a acatar as recomendações, aplaudem todos os dias os profissionais de saúde, às oito em ponto, e aproveitam o sol (que cá tem havido tempo de verão todos os dias desde que foi implementada a quarentena) nas varandas. Mas vê-se ainda muita gente nas ruas e nos parques. Arranja-se sempre um motivo para ir apanhar um pouco de sol e fazer o “passeio higiénico”, nem que seja uma corridinha rápida ou uma volta de bicicleta.

“No início não havia máscaras disponíveis para a população, por isso a ministra da Saúde veio dizer que usá-las nem fazia qualquer sentido para evitar o contágio… acho que a primeira fase de contenção foi infeliz”.

Como foi a adaptação ao teletrabalho na capital? 
Em Bruxelas penso que, em geral, grande parte das empresas conseguiu aplicar o teletrabalho de uma forma eficaz e eficiente. Os belgas são bons nisso. Acho que grande parte dos negócios não pararam e aqui há muito bom conhecimento tecnológico. Nisso, temos de “tirar o chapéu” à Bélgica, porque estão a fazer um bom trabalho. Eu trabalhei sempre em regime de teletrabalho aqui, sem grandes impactos na produtividade.

Como é ter de sair de casa em tempos de quarentena?
Para dizer a verdade, só saí pela primeira vez depois de ter passado 22 dias fechada em casa. Era o meu namorado que ia sempre às compras. Até agora, saí duas vezes para ir dar uma corrida no parque perto da minha casa e, na semana passada, fui ao supermercado pela primeira vez. Fiquei surpreendida, porque, realmente, tudo estava diferente desde a última vez que tinha ido às compras. Pensava que ia ser a única com máscara, e até estava um pouco constrangida por estar a andar assim na rua, mas quase toda a gente que estava dentro da superfície tinha a boca e o nariz cobertos de alguma forma e muitas pessoas estavam a usar luvas. Há uma separação entre os funcionários e os clientes nas caixas e marcas no chão para assegurar a distância de segurança. Também já tive oportunidade de ver que estão a limitar o número de pessoas dentro dos supermercados e que há uma fila à porta quando esse número é excedido. E toda a gente deixa uma distância de segurança enquanto espera.

“O meu namorado é músico, portanto está a suportar muito bem a quarentena. Basicamente todos os dias são dias normais para ele, uma vez que está sempre a estudar e a tocar em casa. Sou mais eu que sinto falta de socializar com outras pessoas e de sair”.

As saudades de casa apertam mais numa altura como esta?
Neste momento sinto mesmo muita falta da minha família e amigos, em especial dos meus avós. É estranho, porque não costumava ter saudades de Portugal, mas, desde que estou fechada em casa, tenho dado por mim a lembrar-me muito da minha vida em Lisboa, das vezes que ia sair com os meus amigos, das coisas que damos, inevitavelmente, por garantidas. Tenho-me visto muitas vezes em Alvalade, na casa da minha avó, a passear pela Expo, a ir à praia e a Sintra. Coisas que sei que não farei assim tão brevemente.

Que lição estás a aprender com o isolamento?
Ensinou-me duas coisas, ou pelo menos relembrou-me. A primeira é que este tipo de situações traz sempre à superfície o melhor e o pior das pessoas. Tenho assistido com muita alegria à forma incrível como as pessoas se têm comportado, regra geral, em Portugal, à forma como os telejornais e as notícias têm sido dadas e os inúmeros atos de bondade e solidariedade que têm sido registados, não só no nosso país como nos restantes. Ao mesmo tempo, tenho lido e reprovado o comportamento de alguns políticos e atos racistas cometidos pelo medo e a desinformação. A segunda, e mais importante, é: este vírus bateu-nos à porta para relembrar que o mais importante na vida é mesmo a saúde, e que a doença não escolhe raças, condições sociais, ou dinheiro, – todos somos seres humanos, com uma vida finita. Mesmo que tentemos planear a nossa vida, fazer prospeções para dois, cinco, dez anos, nunca sabemos o que vai acontecer amanhã. Por isso, temos de aproveitar bem o tempo que temos, para vivermos ao máximo cada momento e podermos estar com quem amamos.

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