Quando foi anunciado o novo confinamento, confesso que um dos meus primeiros pensamentos foi para com as vítimas de violência doméstica que estão fechadas em casa com o próprio agressor. Não consigo imaginar o terro que essa situação poderá provocar. Ao escolher o livro sobre que falar desta semana, lembrei-me de um título que li faz algum tempo, mas que me parece apropriado. Trata-se de Ao Fechar a Porta, de B.A. Paris, e publicado pela Editorial Presença.
Sabem aqueles livros que começamos a ler e temos dificuldades em largar? Que nos surpreendem mesmo quando já temos praticamente todas as informações na mão? Que nos fazem olhar para quem nos rodeia de forma diferente? Que nos leva a duvidar do que tomamos como certo? Ao Fechar a Porta é um desses livros. B. A. Paris consegue cativar não só pela trama, fictícia, mas também pelas suas personagens impressionantes, reais e assustadoras.
Sabia que a autora nos iria apresentar uma história de violência psicológoca e manipulação, mas não estava à espera para me sentir sufocada em certos momentos de maior desespero. Normalmente, quando ouvimos histórias de pessoas que são controladas por outras, questionamos o motivo para elas nunca terem feito nada para sair dessa situação. Com este livro, a autora mostra-nos que isso não é necessariamente verdade, revela que existe uma luta maior do que podemos imaginar e, mesmo assim, da qual não é fácil ou simples sair vencedor.
Grace é a protagonista desta obra, uma mulher que está casada com Jack. Os dois aparentam formar o casal perfeito, contudo, demasiada perfeição causa dois tipos de reações diferentes nos outros. Por um lado, existem aqueles que ambicionam tal felicidade idílica, sendo que no outro estão os que desconfiam de tudo o que parece demasiado bom, que tentam ver para além do que é apresentado. Contudo, distinguir estes dois grupos não é fácil, além de que, já diz o ditado, “entre marido e mulher não se mete a colher”. Portanto, Grace vive uma situação bastante solitária, que não nos é imediatamente apresentada na sua total complexidade.
Apreciei bastante da forma como B. A. Paris construiu a narrativa e do método de encadeamente de acontecimos. Existe um intercalar entre presente e futuro, sendo que, no fim, os dois quase se chocam, mostrando-nos toda a história de terror de Grace. Deste modo, assistimos à evolução desta personagem, entendemos as suas motivações e sofremos com ela. Fiquei deliciada com a inteligência desta mulher que, ao início, sugeria um certo desiquilibrio emocional. Acredito que é preciso ser muito forte e ter uma âncora extraordinária para se manter a sanidade numa situação de controlo como a que foi imposta por Jack.
Os momentos mais tensos são aqueles em que Jack deixa cair a máscara depois de ter dado a entender que até poderia ter alguma compaixão. O salto que ele dá entre os dois estados fazem acreditar que os monstros existem e caminham entre nós. Torna-se difícil imaginar o desespero vivido por Grace. Contudo, tal como ela, sentimo-nos a sufocar numa prisão maior do que as simples paredes de um quarto. Grace é levada a alterar quem é para agradar Jack, e aqui surge uma transformação surpreendente: ela aprende com o seu marido e captor a ser fria, calculista e manipuladora. As reviravoltas são muitas e a tensão uma constante.
A violência está sempre presente em A Fechar a Porta . Uma obra que faz refletir sobre os limites da maldade humana e sobre a capacidade incrível de sobrevivência e preservação. Um thriller psicológico que, através da ficção, nos sensibiliza para uma realidade tão cruel e que muitas vezes coloca a vítima como detentora da culpa. Uma ficção que nos faz questionar a realidade e nos dá sensibilidade para um tema que, infelizmente, é tão presente na nossa sociedade.
Sinopse:
Quem não conhece um casal como Jack e Grace? Ele é atraente e rico. Ela é encantadora e elegante. Ele é um hábil advogado que nunca perdeu um caso. Ela orienta de forma esmerada a casa onde vivem, e é muito dedicada à irmã com deficiência. Jack e Grace têm tudo para serem um casal feliz. Por mais que alguém resista, é impossível não se sentir atraído por eles. a paz e o conforto que a sua casa proporciona e os jantares requintados que oferecem encantam os amigos. Mas não é fácil estabelecer uma relação próxima com Grace… Ela e Jack são inseparáveis.
Para uns, o amor entre eles é verdadeiro. Outros estranham Grace. Por que razão não atende o telefone e não sai à rua sozinha? Como pode ser tão magra, sendo tão talentosa na cozinha? Por que motivo as janelas dos quartos têm grades? Será aquele um casamento perfeito, ou tudo não passará de uma perfeita mentira?