Vamos lá falar. Talvez não queira ter esta conversa agora, deitada na toalha, com o sol a incidir sobre os seus abdominais que, embora de momento ociosos, denunciam algum trabalho ao longo do ano. Talvez não esteja a planear voltar aos treinos tão cedo – a sua temporada ativa é de março a maio–, ou a intenção seja regressar em setembro, só depois das conquilhas afogadas em azeite e das caipirinhas. Ainda assim, é bom que aproveite este momento de descontração para rever algumas lições sobre exercício – esteja à vontade para, entretanto, dar umas dentadas na bola-de-berlim com creme – a fatura será cobrada a 90 dias (o livro que está a ler não diz que deve viver o momento presente?).
Apresento-lhe Raquel Antunes, personal trainer e criadora da Boost Plan, uma aplicação de treino criada especialmente para mulheres, a pensar nas nossas preferências e necessidades. Desde já aviso: é preciso ter cuidado com a Raquel, conhece-nos de ginjeira, toda as nossas manhas e desculpas. A mais frequente é o tempo. “Ou melhor, a falta dele. Esta é também uma das minhas ‘lutas’ ao tentar mostrar que em 10 minutos podemos fazer um treino eficiente, porque 10 minutos são melhores que minutos nenhuns. Se estamos a fazer o jantar, se estamos a olhar para o telefone, se temos um bocadinho antes do pequeno almoço ou antes do banho, força! Façamos esses minutos contar, sem complicar muito.”
A impossibilidade de frequentar o ginásio, seja por falta de tempo ou de dinheiro, também é uma desculpa que caiu por terra com a pandemia. “Treinar em casa é cada vez mais uma aposta nos dias de hoje. Facilita toda a logística diária, não precisamos de vestir/despir (qualquer coisinha serve), não perdemos tempo em deslocações e não precisamos de investir numa mensalidade.” E não é preciso uma fortuna para montar um ‘cantinho de treino’ básico em casa, já que não precisamos de muito material para que o exercício seja eficaz. “O treino com o peso corporal pode surpreender, desde que saibamos o que fazer e como fazer! Já para não falar que com um garrafão temos inúmeras opções para nos desafiarmos. Definitivamente a falta de material não pode ser uma desculpa.” Se tiver de escolher só um acessório, Raquel aconselha um par de halteres, mas se a ideia é ir um pouco mais longe, acrescente à lista “uma banda elástica (existem diferentes intensidades), que nos permitirá fazer treinos muito completos e para qualquer grupo muscular e umas minibandas, também elas com opções de diferentes intensidades e que podem ser utilizadas para vários exercícios (não apenas de parte inferior). Com estes três, podemos fazer qualquer treino e o melhor, em qualquer lugar com o mínimo de espaço necessário.”
Home alone
Claro que treinar sozinha não é para todas, já que quem só agora está a iniciar a carreira de atleta pode ter alguma dificuldade em perceber a forma correta de fazer os exercícios. E se é para fazer mal, então o melhor é continuar no sofá a exercitar os dedos no comando da televisão. No caso de optarem por uma app de treino, é possível, em muitas delas, recorrer à funcionalidade que exemplifica a forma correta de fazer cada um dos exercícios. “É importante, sobretudo para um praticante mais inexperiente, que realize os exercícios com calma e que entenda quais os músculos que se pretende exercitar ou focar.” Um espelho também pode ajudar a manter a postura desejada, mas há casos em que faz mais mal do que bem, alerta Raquel. “Por exemplo, olhar para o espelho no momento da descida de um peso morto, provocando uma hiperextensão cervical.”
Roma e Pavia…
A senhora com a bola-de-berlim na toalha de praia, aquela que muito provavelmente voltará aos treinos em março de 2024: há grandes probabilidades que, quando chegar a altura, cometa todos os erros nomeados pela nossa personal trainer de serviço. Como vai querer recuperar o tempo perdido, cairá na tentação de treinar todos os dias, por exemplo, não respeitando o tempo de descanso recomendável entre sessões que trabalham o mesmo grupo muscular. “Geralmente, quando temos uma zona do corpo que gostaríamos de ver a evoluir, tendemos a concentrar os nossos esforços nela, como por exemplo: treinar a parte inferior todos os dias para conseguir umas pernas e/ou glúteos mais firmes. Isto é um erro, pois desta forma não estamos a trabalhar na nossa potencialidade máxima e muito menos conseguimos que haja a recuperação necessária à evolução. Como eu costumo dizer: o descanso faz parte do treino!” Maratonas de duas horas também são de evitar, já que overtraining só vai fazer com que desista mais rapidamente de fazer o que quer que seja. Quantas vezes não vimos nas redes sociais pessoas que tanto se levantam às seis da manhã para ir correr como passam meses sem mexer uma palha?!
Outra cena típica é a de desatar a fazer abdominais quando o tempo começa a aquecer e a chamar pelos biquínis e tops da estação. “Sabemos que não existe a redução de gordura localizada por meio de exercícios específicos ou localizados, relembrando ainda que a nutrição desempenha (em qualquer objetivo) um papel fundamental para determinado resultado. Desta forma, treinar os grandes grupos musculares, independentemente do estilo de treino que se adota, será sempre o mais eficiente. E, claro, se possível e dependendo da necessidade, fazer algum extra, como: caminhada, corrida, bicicleta ou qualquer outra atividade predominantemente cardiovascular para complementar o treino de força.”
Treinar em férias, sim ou não?
“Depende! Gosto de recomendar às minhas alunas que aproveitem as férias precisamente para descansar, para sair da rotina habitual, para recarregarem baterias e voltarem depois com mais afinco para os desafios da rotina diária, incluindo treino.” Mas, antes que a senhora a apanhar banhos de sol avance agora para a língua-da-sogra, é preciso dizer que isso nem sempre significa parar por completo. “Fazer pausas de tempos a tempos pode ser muito proveitoso, especialmente para quem treina o ano inteiro de forma constante e intensa! Portanto diria que, depende, o treino pode assumir várias formas… Exemplo: alguém que treine musculação o ano todo pode aproveitar para durante as férias fazer uns treinos de yoga, andar de bicicleta, nadar! Enfim, manter-se ativa de outras formas.”
O mesmo vale para a alimentação, ou seja, nas férias há luz verde para quebrar algumas rotinas (assumindo que não tem três meses seguidos de folga, obviamente). “Quanto aos resultados em si, eles não se desvanecem por fazermos uma pequena pausa durante as férias, sendo que esta também é uma altura em que nos mantemos tendencialmente mais ativas e dispostas. Haver um equilíbrio é sempre o mais importante, sabendo que é natural que estejamos mais libertos no que toca a rotinas ou restrições.”
Mais do que incentivar ao treino, Raquel Antunes gosta de falar em rotinas saudáveis, e é neste esforço de passar a mensagem aos portugueses que a personal trainer tem colaborado com marcas como a Sport Zone. “Ainda existe o hábito de treinar para alturas específicas, seja o verão ou datas especiais (como casamentos) e por isso é fundamental que seja passada a mensagem de que o treino deve fazer parte de um estilo de vida, ele é muito mais que a busca de um resultado estético, embora este seja, na minha opinião, de grande importância, uma vez que tem o poder de nos conferir uma melhor e maior autoestima, amor-próprio e confiança. Mais saúde de dentro para fora, mais energia, melhor capacidade de resposta aos desafios da rotina diária ou até mesmo a contribuição para a construção de toda uma estrutura emocional e psicológica, são aspetos importantes que o treino nos confere, e desta forma ele deve ser visto como uma prática a ter durante todo o ano, ou melhor, deve ser para toda a vida!”