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No livro ‘Venha conhecer o lobo mau’ o pediatra Mário Cordeiro dá aos adolescentes e pais de adolescentes mais conhecimentos para bem gerir a sua sexualidade. Aqui lhe expusemos algumas das dúvidas mais comuns de quem tem filhos quase adultos.
1 – Comecemos logo pelo lado prático. Sempre fui uma mãe aberta, fui conversando ao longo dos anos com o meu filho ou filha, mas de repente percebo que há ali um ‘namorico’. Faço o quê? Finjo que não sei, olho para o lado, espero que me diga qualquer coisa, falo com ele?
Como mencionou, e a escolha das palavras não foi por acaso, é um “namorico”. Assim sendo, pode ser uma das muitas condutas experimentais ou de ensaio que o seu filho ou filha terão de ter, o que não reduz em nada a importância para ele ou ela. Assim, deixe que seja ele ou ela que lhe digam, se assim o quiserem, e não deverá começar a armar-se em detetive ou a tentar saber com perguntas enviesadas o que se passa. Quando for o momento, os seus filhos darão a informação – a gestão do “fenómeno” é deles. Só se soubesse que eles andavam com alguém muito perigoso valeria a pena indagar, e perigoso é perigoso mesmo e não porque a sua amiga disse que o rapaz ou a rapariga são pessoas que não “de bem”…
2 – Qual é o equilíbrio entre saber o que se passa na vida deles e não ser um pai ou mãe intrusiva?
É estar vigilante, mas observar e deixar a vida deles – e reforço este DELES – decorrer. Nós somos um pouco como os treinadores: damos instruções, treinamos, atentamos acertar o desempenho e a forma, mas quando estão em jogo eles é que decidem, no momento-chave, se rematam, fintam ou passam a bola. Se fizerem grande asneira, o treinador pode conversar com eles no balneário, mas deixar andar as coisas, e neste caso muito mais porque é a vida deles, repito. A nossa gerimos nós.
3 – Queremos filhos atentos e protegidos mas depois não falamos de nada com eles porque temos medo de ‘lhes dar ideias’ antes de tempo… Como resolver esta contradição?
Os pais atentos e assertivos, que não são nem pais-galinha nem pais-baldas, sabem e têm o instinto de saber quando intervir e como intervir. Ter um filho é uma enorme responsabilidade e ficamos (felizmente) “amarrados” a esse peso, a vida toda porventura, mas não podemos estar constantemente a exigir de nós sermos pais perfeitos. Isso não existe e deveria ser uma grande maçada, para eles e para nós…
4 – De que é que não devemos falar com os filhos?
Muita coisa, mas por exemplo a nossa vida sexual ou afetiva íntima, de estar sempre com ameaças de papões (doenças, gravidez) sem falar muito mais nos afetos e na beleza do amor, tentar usar a linguagem dos mais novos para parecer que estamos atualizados, etc.
5 – ‘Venha conhecer o lobo mau’ tem uma parte muito engraçada onde comenta que muitas vezes as famílias tratam os primeiros namorados como se aquilo já fosse ‘para casar’ e ficam muito ofendidas quando terminam… É preciso levar estes primeiros namoros dos filhos com alguma leveza, é isso?
O peso da relação serão os próprios a ditar. Pode ser para a vida inteira, pode ser apenas uns escassos dias. A descoberta do Outro faz-se, não está feita (nunca…) e pode ser que um namoro que, à partida, sobretudo para os dois interessados, parece idílico e perfeito, venha a descobrir-se não o ser. Se assim for, o melhor é não continuar, porque corre-se o risco de se passar para uma fase de sofrimento inútil e até raiva e agressividade.
6 – E quando eles acabam uma primeira relação e parece que é o fim do mundo, como se consola um adolescente com o coração partido?
Deixa-se fazer o luto da relação – que é sempre grande, dado que houve um enorme investimento emocional. Oferece-se apoio, mas não se mete o nariz. Os filhos têm de saber que os pais estão ali se precisarem deles. No fundo, não se limpam as lágrimas, mas mostra-se que se tem um lenço para eles o fazerem, quando dele necessitarem e depois de chorarem. Isto em sentido figurado, claro.
7 – Fala-se muito com as raparigas, mas tenho a sensação de que se fala menos com os rapazes. Como é que se cria um bom marido?
Ui, que pergunta difícil… mas creio que há que criar um bom cidadão, com empatia, sentido ético, que não minta, que seja honesto, que seja verdadeiro e que não finja ser quem não é, que seja frugal e se contente com as pequenas coisas belas da vida. Depois, que não tenha preconceitos de género, que não se considere superior e que tenha uma clara visão de que, havendo diferenças de género, não pdoe haver desigualdade de direitos de género. Por outro lado, é bom os rapazes e as raparigas saberem que funcionam de modo diferente, seja a nível individual, seja com as características bio-psicológicas de género, que são herança de muitas centenas de milhares de anos de História da Humanidade. Isso deveria ser explicado e debatido na escola… e infelizmente não o é. No livro tentei que se compreendesse quem é quem, porque para lá do conhecimento de “nós” há que conhecer” os outros”, e isso também diz respeito ao género.
8 – Diz que ‘os adolescentes continuam a querer descobrir o amor antes do sexo’. Mas se calhar falamos mais facilmente com eles de sexo do que de amor… É difícil falar de amor? Tenho muitas vezes a ideia, mas posso estar a ser pessimista, que nós próprios adultos temos alguma dificuldade com esta questão do amor.
Falamos de sexo porque é mais “operacional” ou “pragmático”, e o amor é mais filosófico, concetual, etéreo… mas mais belo. Como escreveu Epicuro, o filósofo grego que defendia a inexistência de Deus e daí a procura de prazer na Terra, “um amor sólido e prolongado traz mais felicidade do que uma orgia”. É preciso falar mais de amor, sem medo da palavra e do verbo, e sem a remeter apenas para poemas de canções. Parece, por vezes, que andamos com “medo do amor”, talvez porque amar é difícil – daí dizermos que “adoramos” os filhos”, quando deveríamos dizer-lhes que os amamos, e depois afirmarmos que “amamos” caril de gambas…
9 – Já disse que não achava boa ideia os pais falarem da sua vida sexual aos filhos e vice-versa. Continua a ser importante que cada um mantenha a sua privacidade?
Absolutamente! Separação de poderes! Os filhos têm, toda a vida, que manter uma atmosfera de magia e secretismo saudável relativamente à vida sexual dos pais, mesmo que a imaginem, porque o ato da sua própria conceção tem de ser sempre místico e fantástico. Ainda que por vezes não o seja, mas isso não pode ser explicitamente referido. Além disso, os filhos não vão repetir a vida dos pais – são outras pessoas, autónomas e com a sua própria identidade.
10 – E para terminar, uma dúvida existencial: levar ou não levar o namorado para dormir em casa dos pais? Uma amiga minha que sempre foi uma mãe aberta aceitou que a filha o fizesse mas depois arrependeu-se porque sentiu que estava a banalizar aquela relação…
Por acaso acho que não deve, quando estamos a falar de adolescentes. No fundo, será igual ao que respondi na pergunta anterior, mas ao contrário. Neste “jogo”, mesmo que se saiba o que se passa, há que manter contenção e recato. Não é necessário – e pessoalmente acho contraproducente – banalizar uma coisa que deve ser mágica e bela. A banalização acaba por tirar importância e minimizar as coisas.