Estive vai não vai para não escrever nada sobre este livro (‘A contadora de histórias de Auschwitz’, de Siobhan Curham), mas sendo que na verdade o li de ponta a ponta, achei que pelo menos esse mérito havia de lhe dar.
Primeiro ponto: já não se aguenta livros sobre Auschwitz. Temos o tatuador de Auschwitz, o mágico de Aushwitz, as gémeas de Auschwitz, a bailarina de Auschwitz, o carteiro de Aushwitz, a ruiva de Aushwitz, a bibliotecária de Auschwitz, e existe mesmo outra contadora de histórias que não tem Auschwitz no título mas que se passa à mesma em Auschwitz (é da Jodie Picoult, se estiverem interessados). Sendo que todo o tipo de pessoa e profissão esteve em Auschwitz, isto dá pano para mangas (e assunto para muitos livros).
História resumida: Etty, uma jovem escritora de sucesso nos anos 40, acaba em Auschwitz por razões que não vêm agora ao caso, local onde conta apenas com a força da sua imaginação para sobreviver e para ajudar outras mulheres a aguentarem o inferno.
Porque é que me irrita: porque vem disfarçado de consciência moral e histórica mas na verdade só responde ao nosso gosto mórbido de ler sobre coisas absolutamente horrendas. Eu falo contra mim, que também fui ler e também sou leitora de livros sobre Auschwitz. Há livros sobre Auschwitz que davam para forrar uma biblioteca gigante e há quem seja viciado e os colecione a todos. Claro que também podiam escrever sobre outros campos de concentração, mas Auschwitz é que é, porque o público em geral nunca ouviu falar dos outros, e portanto os nossos heróis e heroínas lá têm todos de ir parar a Auschwitz porque ninguém ouviu falar, sei lá, de Ravensbruck.
Enfim, ainda bem para o mercado livreiro, que está a precisar de gente que compre livros. Mas nem todos são fenomenais.
Este está longe de ser fenomenal: a história é previsível, apesar de se notar que a autora fez bem o seu trabalho de casa. Aliás, afirma que se baseou em três histórias reais. Enfim, às vezes não parece (cuidado porque agora entra um spoiler gigante, desculpem lá mas não resisti, se não quiserem saber párem agora) porque francamente, alguém que não come outra coisa senão caldo de legumes podres claramente não ia resistir 3 anos. Se a autora queria mesmo uma heroína que sobrevivesse, devia ter explicado melhor como. Outra coisa bastante irritante é que passa aquela mensagem de ‘quero mesmo sobreviver com o poder da minha mente’, ou coisa parecida, o que faz com que pareça que todos os que morreram não quiseram de facto sobreviver ou não tiveram imaginação suficiente.
Outra coisa irritante é precisamente o título: a heroína não pára de contar histórias, e a autora da heroína não percebe que perde o seu leitor de cada vez que a Etty abre a boca para mais uma mensagem inspiradora.
E outra coisa irritante é o facto de a tradução insistir no pronome pessoal antes de todas as personagens (o Tomazs, a Aurelie, o Solly), o que dá um tom infantil ao livro.
E agora perguntam vocês: se o livro é assim tão irritante, porque é que o sugeres.
Resposta 1: Na verdade não li mais nada esta semana.
Resposta 2: Variadas pessoas leram e gostaram.
Resposta 3: Faz a apologia da imaginação, o que nos tempos que correm é revolucionário.
Resposta 4: Na verdade li o livro até ao fim em dois dias. Embora muito irritante, na verdade queremos saber o que acontece com a Etty (apesar de nem sempre querermos ouvir as suas histórias), e há personagens verdadeiras e comoventes como o vendedor de livros Solly (‘roubado’ ao Stefan Zweig, quase que aposto), a adolescente Danielle que se transforma numa espécie de irmã mais nova, ou o pugilista que é o seu interesse romântico. O livro tem um bom ritmo e o leitor é agarrado.
Portanto, se já sabe imenso sobre o assunto e já leu incontáveis livros sobre campos de concentração, não vai encontrar aqui nada de novo. Se nunca leu e procura um livro para se iniciar, força. Aliás, é um bom livro para oferecer a um adolescente que goste do tema da Segunda Guerra.
A contadora de histórias de Auschwitz – Siobhan Curham, Ed. Singular E18,85