Em 1867, Louisa May Alcott recebia uma sugestão do seu editor que não lhe agradou particularmente: ‘porque é que não escreve um romance para raparigas?’
Louisa não era a ‘rapariga’ típica, muito menos na altura. Mas o mundo estava a mudar, e a América mais do que tudo. A terrível Guerra da Secessão (também chamada Guerra Civil Americana), que dividira o norte industrial do sul escalavagista e fizera milhares de mortos, acabara há apenas dois anos, deixando um rasto de recessão (aquilo a que chamariamos hoje crise) num paísonde também tudo estava prestes a mudar, incluindo a condição feminina.
Os Alcott não eram uma família comum, mesmo nos Estados Unidos. A segunda filha, Louisa, tinha por pais um casal de transcenentalistas, Amos Alcott, professor, e Abby, assistente social, e tinha três irmãs, Anna, Elizabeth, e Abigail May.
A família não teve uma vida calma: aliás, haviam de mudar 22 vezes de casa em 30 anos. Uma das ‘aventuras’ foi uma ‘comunidade utópica agrária’, onde viviam da agricultura, não comiam produtos animais, tomavam banho de água fria e não usavam iluminação artificual (como é de adivinhar, a experiência durou apenas 7 meses).
O pai era amigo de muitos intelectuais importantes, com quem a jovem Louisa estudou: Henry David Thoreau, Ralph Waldo Emerson, Nathaniel Hawthorne, Margaret Fuller. Obrigada a ajudar a família, Louisa começou a escrever desde nova. E aqui chegamos à conversa com o editor.
Esta longa introdução só para vocês perceberem quem era a pessoa que recebeu uma propsta tão ‘feminina’: uma rapariga original, culta, inteligente, independente, pró-sufragista, uma alma do século XIX a caminhar para o XX.
A jovem Jo, desculpem, Louisa, torceu o nariz: afirmou que não percebia nada de raparigas, e as únicas raparigas que conhecia eram as irmãs. ‘Então escreva sobre elas’, respondeu o editor.
Ela assim fez. O resultado foi um dos maiores clássicos juvenis alguma vez escritos.
E perguntam vocês: a ‘simples’ história de 4 raparigas na América do século XIX tem alguma coisa com que as raparigas portuguesas do século XXI se identifiquem?
A resposta é: provavelmente sim. As 4 irmãs correspondem a 4 estereótipos que sempre existiram: a irmã obediente e maternal, a irmã fora-da-caixa e feminista, a irmã artística e sonhadora, a irmã sensível e tímida. Claro que toda a gente gosta de se identificar com Jo (tal como no Harry Potter toda a gente acha que ficaria colocada em Gryffindor). Mas também gostamos de achar que as nossas amigas e irmãs são ‘as outras’.
E depois, porque estávamos bem arranjados se só lessemos livros sobre o nosso tempo. Afinal, as crianças leem sobre fadas, dinossauros, duendes, ETs, e demais fantasia. E ninguém lhes pergunta se se identificam com um T-rex…
A seguir, vão vocês dizer: mas elas já viram os filmes… Mas, tal como no Harry Poteer outra vez, há coisas que só um livro dá. Duvido muito que quem tenha visto os filmes do Harry Potter me consiga contar a história…
Há uma coisa que é preciso dizer: de calhar há uma altura certa para ler este livro, aí pelos 12-14. Muito mais do que isso, já são capazes de estar naquela idade em que tudo é ‘lamechas’. Mas não custa tentar.
‘Mulherzinhas‘ – Louisa May Alcott, Fábula, E14,95