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A primeira vez que choquei de frente com a Lesley Pearse não sabia ao que ia. Ofereceram-me um livro com uma capa romântica e um título de chacha – ‘Nunca me esqueças’ – dentro de um saquinho com estrelinhas. Agradeci por delicadeza e nunca mais olhei para ele nem o tirei do saquinho onde ficou a ganhar mofo estelar uns bons anos. Um dia em que não tinha nada para ler, calhou abri-lo.
Fiquei a ler até de manhã, sempre a pensar que devia estar a ver mal porque não havia ali nada de romântico. Era uma fenomenal – e ao que parece, verídica – história sobre uma mulher que, condenada por um crime menor, é enfiada num barco de colonos condenados rumo à Austrália, onde começa uma vida nova. Um dos livros mais emocionantes (e menos românticos) que li até hoje, e a coisa foi tão grave que digo-vos mesmo que passei a ver a praia com outros olhos.
Bem, a partir daí, li tudo o que apanhei de semelhante criatura. Não é fácil nos dias de hoje – enfim, não foi fácil nunca, mas hoje há mais concorrência – uma autora agarrar-nos pelo gorgomilo (adoro esta palavra e nunca tenho oportunidade de a usar) e levar-nos de rastos até ao fim, e todos os livros dela são assim, quer falem dos colonos da Austrália, da corrida ao ouro na Califórnia ou da Segunda Guerra em Londres. Lesley Pearse é aquilo a que se pode chamar um valor seguro.
Conheci-a mais tarde quando veio a Portugal e pude conformar que é uma das mulheres mais bem dispostas que conheço.
Mas de todos os livros que li dela – e como vos disse, foram muitos – nenhum foi mais emocionante que a sua própria história. Porque é disso que se trata este ‘O meu caminho’. Aliás, eu se tivesse vivido tudo isto nunca teria escrito nada além da minha própria vida. Não admira qu
O mínimo que se pode dizer é que foi uma vida difícil. Nascida em Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, foi encontrada aos três anos na neve, sem casaco, por uns vizinhos. Onde estava a mãe? Estava morta há vários dias. Enviada para um orfanato, regressou a casa quando o pai voltou a casar com uma mulher pouco afetuosa. O enredo só fica mais dramático quando Lesley chega à adolescência, engravida, é abandonada pelo pai da criança e é obrigada a dar o bebé para adoção.
Como se tudo isto não fosse suficientemente horrível, seguem-se dois casamentos tortuosos, muitíssimos empregos em sítios diferentes e quase tantas casas como empregos. Pode-se dizer que a vida só normalizou quando esta mulher extraordinária descobriu aos 48 anos que sabia contar histórias.
De qualquer maneira, a sua própria história é tão emocionante como as inventadas. Como ela própria a certa altura afirma, “Não era minha intenção que este livro fosse uma litania de desgraças, mas ao reler o capítulo anterior devo dizer que é o que parece. Deus me livre que alguém imagine que sou uma pobre alma perdida na tristeza da sua juventude, porque não sou. Era, e continuo a ser, uma palhaça, uma mulher audaciosa, uma colecionadora de pessoas e uma pessoa que valoriza a amizade acima de tudo.”
Como já fui acusada de dar spoilers a torto e a direito não vou dizer mais nada, só que este livro tem um final tão comovente e espetacular como qualquer das suas histórias. A própria Lesley, se o tivesse inventado, não teria feito melhor.
(Ah, ainda por cima o livro é bonito, com uma capa dura. Vale a pena).
‘O meu caminho – autobiografia’ – Lesley Pearse, Asa, 17,55