Serena Williams já tinha avisado: é péssima a lidar com despedidas. Talvez tenha sido por isso que não planeou uma à altura da melhor tenista da História.
A atleta, de 40 anos, apenas anunciou que iria disputar o último torneio da carreira profissional no Open dos EUA e permitiu-se fluir pelas etapas de um campeonato que trata por tu. Na primeira ronda, bateu a montenegrina Danka Kovinic. Na segunda, venceu a estoniana Anett Kontaveit, a número dois do mundo. A derradeira partida aconteceu a 2 de setembro, na terceira ronda, contra a australiana Ajla Tomljanovi.
Williams lutou durante três horas e sete minutos num Arthur Ashe Stadium completamente lotado, mas sucumbiu diante da adversária por dois sets a um. No final, foi aplaudida de pé pelo público e deixou-se tomar pela emoção.
“Muito obrigada. Eu tentei”, disse, entre lágrimas, logo após o jogo. A estrela agradeceu ao pai e antigo treinador, Richard Williams, e a toda a gente que esteve ao seu lado durante tantos anos. “Tudo começou com os meus pais e eles merecem tudo, portanto sou muito grata por tê-los. Isto são lágrimas de felicidade”, explicou, passando a agradecer à irmã mais velha. “Eu não seria a Serena se a Venus não existisse”, continuou, sem esquecer os fãs. “Foi uma viagem divertida (…) a jornada mais incrível da minha vida”.
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— US Open Tennis (@usopen) September 3, 2022
Serena Williams deixa os courts de cabeça erguida, amada pelo público e com um legado que transcende o ténis. Ao afirmar-se num mundo machista, preconceituoso e elitista, abriu portas para outras mulheres na modalidade e tornou-se um ícone mundial: são 98 títulos, entre competições individuais, duplas e duplas mistas, sendo que conquistou 23 deles em torneios de Grand Slam, também conhecidos como majors. Além disso, tem quatro medalhas de ouro Olímpicas.
Recorde alguns momentos icónicos de uma carreira inspiradora.
Venceu o primeiro Grand Slam na adolescência
No Open dos EUA de 1999, então com 17 anos, Serena Williams teve uma jornada fenomenal rumo ao título. Venceu a número quatro do mundo, Monica Seles, nos quartos-de-final, a número dois, Lindsey Davenport, nas semifinais e, por último, a número um, Martina Hingis na final. No mesmo fim de semana, também conquistou o título de duplas femininas ao lado da irmã Vénus.
O primeiro “Serena Slam”
O Open de França de 2002 marcou o início de uma fase incrível para Williams. Depois de vencer o primeiro título individual no torneio Roland Garros, saiu vitoriosa em Wimbledon e no Open dos EUA do mesmo ano, bem como no Open da Austrália de 2003. Isso significa que era a campeã dos quatro principais torneios da modalidade ao mesmo tempo, sendo que nem todos ocorreram na mesma temporada de ténis/ano civil — um feito que ficou conhecido como “Serena Slam”.
Voltou a ser Serena para vencer o Open da Austrália de 2007
A atleta enfrentou um dos períodos mais difíceis da carreira entre 2003 e 2007. A lidar com a morte da meia irmã, Yetunde Price, que foi assassinada em 2003, e com uma série de lesões, passou longos períodos afastada dos courts. Quando tinha a oportunidade de jogar, mostrava-se longe da forma perfeita.
No início do Open da Austrália de 2007, Williams não constava no top 100 da Associação Feminina de Ténis, tendo ficado de fora de cinco dos 13 principais torneios anteriores. Mas, em Melbourne Park, superou um ciclo complicado: chegou à final e derrotou a número um do mundo, Maria Sharapova.
A vitória fez com que se tornasse a primeira jogadora sem o estatuto de cabeça de série a vencer o Open da Austrália desde Christine O’Neil em 1978.
Glória Olímpica e “Golden Slam”
Um “Golden Slam” de carreira é o nome dado à conquista de vencer todos os Grand Slams pelo menos uma vez e uma medalha de ouro Olímpica.
Nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, Serena Williams tornou-se a primeira e única jogada na História a conseguir esse feito tanto em singulares quanto em pares. Depois de conquistar a vitória nas duplas femininas ao lado de Venus pela segunda vez consecutiva, dominou Sharapova na grande final de singulares feminino.
O segundo “Serena Slam”
Venceu o Open da Austrália de 2017 grávida
O polémico catsuit do Open de França
Williams quase morreu durante o parto da filha, Alexis Olympia, devido a um embolismo. Quando regressou ao Grand Slam no Open de França, oito meses após ter dado à luz, usou um catsuit preto que foi criado para ajudar a prevenir coágulos sanguíneos. Um fato que fazia a atleta sentir-se como uma “princesa de Wakanda”, a cidade fictícia do filme “Pantera Negra” (Marvel Studios, 2018).
Mais tarde, o presidente da Federação Francesa de Ténis baniu o design, afirmando que não voltaríamos a vê-lo porque “não respeitava o jogo e o lugar”. A estrela respondeu ao competir nas semanas seguintes com tutus de várias cores.
Transcender gerações
Williams perdeu várias finais, incluindo quatro em Grand Slams, no regresso após a gravidez. Em agosto de 2020, finalmente conquistou o primeiro título depois de ser mãe, quando derrotou Jessica Pegula na final do Open de Auckland.
Ao sair vitoriosa no torneio, tornou-se a primeira mulher na História do ténis a conquistar um título em quatro décadas diferentes.
O último regresso
Em 2021, Serena Williams abandonou o encontro da primeira ronda de Wimbledon e ficou um ano sem jogar ténis devido a uma lesão na perna direita. Em junho do ano seguinte, regressou no torneio de Eastbourne, onde fez dupla com Ons Jabeur e chegou às semifinais.
Wimbledon 2022 marcou o regresso à competição em singulares, mas a estrela foi eliminada na primeira ronda. Em agosto do mesmo ano, venceu o primeiro jogo em 14 meses no Open National Bank, em Toronto, Canadá, e, no dia seguinte, anunciou que se reformaria após o Open dos EUA.
“Não estou à procura de um momento final cerimonial no court”, disse à revista americana ‘Vogue’. “Sou terrível a lidar com despedidas, a pior do mundo”, continuou, endereçando uma mensagem especial aos fãs.
“Mas, por favor, saibam que estou mais que grata por vos ter do que alguma vez poderei expressar por palavras. Vocês carregaram-me para tantas vitórias e troféus. Vou sentir falta dessa versão de mim, da rapariga que jogava ténis. E vou sentir a vossa falta”.