Sílvia Ventura nasceu na Alemanha, no dia 31 de outubro de 1968, mas veio para Portugal com 8 anos. Em criança, sonhava que saía pela janela a voar. Em adulta, o sonho tornou-se realidade e há quase 30 anos que abraça as nuvens e faz companhia às aves pelos céus. De 2003 a 2015, e em 2017, foi a campeã nacional de Parapente e o seu recorde pessoal a voar continuamente é de 151km em 6h40.
OS PRIMEIROS VOOS
Estes aconteceram nos sonhos de Sílvia quando era criança. Eram tão reais que até conseguia sentir a brisa no rosto e na barriga. Depois pararam, e os seus voos passaram a ser outros: no desporto. Fez ginástica desportiva, acrobática e até sonhou com os Jogos Olímpicos, mas à medida que subia no ranking subiam também os custos associados que os pais não podiam pagar e teve de desistir. Um duro golpe para Sílvia, que depressa se empenhou no basquetebol e mais tarde nas corridas, algo que continua a fazer, seja inverno ou verão, para se manter em forma mas também como ‘aspirina mental’. “É durante a corrida que dou solução a vários dos meus problemas.” A disciplina para manter a forma física, assim como a alimentação e um sono regrados são três elementos fundamentais para se manter no mais alto nível nesta modalidade numa idade em que muitos atletas arrumam as botas.
AGORA A SÉRIO
O seu primeiro contacto com o parapente deu-se já em adulta, em 1993, quando a convidaram para ir ver umas pessoas a voar no Meco. Sílvia passou a tarde a vê-los, encantada, e deve ter sido o seu deslumbramento que fez com que um dos instrutores viesse ter com ela e perguntar se queria experimentar. Disse logo que sim, nem pensou duas vezes, “só me lembro de estar a equipar-me, de ter conseguido levantar a asa e ter voado. As emoções foram tão fortes que tudo o resto se apagou”. Duas semanas depois estava a inscrever-se numa escola de parapente e a comprar o equipamento com o dinheiro que tinha poupado para comprar casa. Mas até ter a licença ainda penou um pouco. Como era muito leve, o instrutor mantinha-a a treinar no solo e durante meses Sílvia via os companheiros levantar voo e ela ficar em terra, até que num dos treinos foi-se aproximando da encosta de uma duna e começou a voar. “Foi a felicidade total! Naquela altura não havia rádio de controlo e do alto percebo que ele está a gritar, mas pensei que fosse por estar contente ao ver-me voar finalmente. Quando aterro, vem ter comigo muito zangado porque eu desobedeci, e expulsa-me da escola.” Esta foi a sua primeira experiência de voo: um misto de alegria e tristeza. Ficou um tempo à deriva mas nem lhe passou pela cabeça desistir. “Felizmente os irmãos Gato conheciam-me e ofereceram-se para terminar o treino e passar-me a licença.”
“Estar lá em cima a voar no meio de 30, 40 aves é pura magia!”
SANGUE, SUOR E VOOS
Quando falamos dos seus títulos nacionais, Sílvia é categórica: tem muito orgulho, conquistou-os com esforço e dedicação, mas confessa que gostaria que mais mulheres a acompanhassem nesta aventura. “O facto de eu ter renovado o título tantos anos também se deve ao facto de haver poucas mulheres a competir e, como em todas as modalidades desportivas, é bom haver rivalidade, faz-nos evoluir.” A ausência feminina no parapente deve-se ao facto da “fase em que as mulheres atingem a independência financeira (para poder comprar o equipamento, que é caro) é a mesma em que podem ser mães, por isso muitas optam pela maternidade. Mas o engraçado é que há várias meninas a regressar à modalidade depois de 10-12 anos paradas para se dedicarem aos seus filhos. A dificuldade em arranjar patrocínios também não ajuda”.
NA COMPANHIA DE ABUTRES
Apesar da enfermagem não ter nada a ver com parapente, Sílvia sublinha que tanto numa atividade como noutra tem que se estar bastante focado e de haver dedicação a 100% quando se está a exercer. “Temos também de ser verdadeiros connosco e com os outros, só assim se consegue fazer um bom trabalho.” Dedicação aliada a perseverança foi o que lhe valeu também no momento de conquistar o seu recorde pessoal: 6h40m a voar ao longo de 151km, distância que conquistou só à terceira tentativa quando os deuses pareciam querer dificultar-lhe a vida. Mas nada nem ninguém consegue afastar Sílvia do seu sonho de voar, e das rotas de planícies, as suas favoritas. Quando vai para Castelo de Vide, um dos seus locais favoritos, sabe que não vai estar sozinha, “os abutres vêm ter connosco e acompanham-nos durante horas. Estar lá em cima a voar no meio de 30, 40 aves é pura magia!”