Em que momento percebeu que tinha de ser uma voz ativa pela igualdade de género?
Eu estudei no Instituto Superior Técnico, numa área historicamente muito dominada por homens. Quando entrei no curso, era fortemente contra qualquer regime de quotas ou discriminação positiva mas, aos poucos, foi-se tornando cada vez mais óbvio que o sistema era profundamente injusto para as estudantes e até para as docentes e que nunca iria mudar sozinho. Então, acabou a ilusão meritocrata e mudei de opinião. Mas estou longe de ter uma voz activa nesta área…
As mulheres têm de ser duas vezes mais competentes que os homens para serem consideradas para um posto?
Se assumirmos que mulheres e homens são igualmente competentes, diria que, estatisticamente, as mulheres têm de ser pelo menos três vezes melhores, porque é raro que a sua presença em lugares de topo ultrapasse os 30%. Se acharmos que as mulheres são menos competentes é importante tentar perceber porquê e é muito interessante estudar enviesamentos: por exemplo, se uma mulher chega a um lugar de direcção e tem uma relação familiar com o chefe, é muitas vezes considerado nepotismo. No entanto, é raro encontrar o mesmo nível de escrutínio ou de julgamento quando gerações de homens brancos promovem outros homens brancos porque são da mesma família ou porque os pais eram amigos de infância. Porque nos lembramos mais de uns casos do que de outros, o nosso cérebro constrói uma narrativa que se perpetua.
As mulheres continuam a ser mais escrutinadas nos seus cargos que os homens?
Muitas vezes os sinais de que não pertencemos são subtis. Quantos artigos existem sobre roupa apropriada para homens levarem para o trabalho? Outro exemplo:, acontece muitas vezes as mulheres serem automaticamente tratadas pelo primeiro nome e por tu, enquanto colegas homens são tratados por doutor ou senhor professor, e isso cria hierarquias inconscientes. Há também muita agressividade e a ideia perniciosa de que as mulheres se devem adaptar a um “mundo de homens”: mesmo quando a intenção é a melhor, a ideia subjacente a muitas formações de promoção de igualdade no local de trabalho, quase exclusivamente dirigidas a mulheres, é que existe algo que as mulheres não fazem bem (são pouco assertivas, não se entreajudam) e precisam de aprender a fazer melhor. É implicitamente dito que as mulheres (e pessoas de outras minorias) devem corrigir o seu comportamento para se adaptarem a um mundo de homens brancos, mas não vice-versa. E quem é que decidiu que a temperatura de conforto no inverno, num escritório, é de uns gélidos 18C?
Que livro todas as mulheres (e homens) deviam ler?
Não identifico nenhum livro obrigatório mas talvez um tema: por causa da sua urgência e importância tenho lido mais sobre pensamento ecológico. Volto muitas vezes ao “A Sand County Almanaque” do Aldo Leopold. E na autobiografia da Wangari Maathai (Indomável) a ecologia cruza-se com muita força com a opressão de género, racial e política e com o papel que indivíduos e governos podem ter.
Livro sobre igualdade de género que mais a marcou
Acho que não devo ter lido mais do que meia dúzia de livros especificamente sobre género ou feminismo. Se puder fugir um pouco ao tema, escolho o ‘Weapons of Math Destruction‘, de Cathy O’Neil, porque, não sendo um livro sobre feminismo, foi um dos primeiros a detalhar a forma como a inteligência artificial actual perpetua e agrava discriminação(ões).
Uma artista plástica que admire muito
Durante muito tempo as artes plásticas “superiores” como pintura ou a escultura estiveram vedadas às mulheres e estas tiveram de brilhar em artes consideradas mais femininas (e inferiores), como as rendas, o bordado, a cerâmica ou a tecelagem, e acho que ainda não as valorizamos suficientemente. Também em homenagem “às minhas mulheres”, gostaria de destacar a Rosa Ramalho, com uma exposição na Cidadela de Cascais até Abril, e as tapeçarias de Sonia Delaunay (de preferência em ponto de Portalegre).
A maior conquista das mulheres portuguesas
A igualdade (pelo menos no papel) que foi conseguida com o 25 de Abril.
A conquista que é urgente reclamar
Deixar de celebrar estas datas com chocolates e rosas. Assumirmos que são datas de luta por uma igualdade que tarda.
Uma citação para emoldurar
Pode ser uma frase de um homem? Durante um debate de confirmação no Senado dos EUA, a Senadora Elisabeth Warren foi mandada calar repetidamente por estar a ler uma carta da Coretta Scott King, que referia abusos de poder e discriminação. A frase que o líder da maioria republicana na altura – Mitch McConnell – usou quando a remeteu ao silêncio passou a ser usada como hino por movimentos feministas (por ter revelado, sem querer, muita da força que por vezes é necessária): “She was warned. She was given an explanation. Nevertheless, she persisted.”
Uma cientista inspiradora
São muitas, mas escolho a Barbara McClintock porque, apesar de ter sido a primeira mulher a receber um Prémio Nobel sozinha, é pouco conhecida. McClintock usava milho para estudar genética e (esta explicação não faz jus ao seu trabalho, mas aqui vai) observou uma espécie de “saltos” do ADN, que faziam com que grãos da mesma maçaroca tivessem cores diferentes. Foi considerada quase louca e ignorada pelos seus colegas durante anos. Nevertheless, she persisted e aprendemos imenso sobre como os genes são regulados.
Uma injustiça que a tenha deixado indignada
Não deixar que a indignação esteja sempre a tomar conta de mim é uma das minhas lutas!
O que lhe dá esperança num mundo mais igualitário?
Obviamente, a juventude.