A Diretora do Museu Nacional Resistência e Liberdade – Fortaleza de Peniche já foi diretora de quatro Museus: o Museu Francisco Tavares Prença Junior, em Castelo Branco, o Museu da Guarda, o Museu do Chiado e a Casa-Museu Anastácio Gonçalves, e defende que um museu deve servir para dar voz a uma comunidade.

Para que é que serve um museu?

É a pergunta mais difícil de todas e andamos há anos a discuti-la. Para mim, os museus servem para contribuir para a melhoria da sociedade e da vida dos cidadãos. Os museus não servem só para contemplação ou para as pessoas contactarem com o seu património. Também servem para isso, evidentemente, mas devem servir para intervir e para darem voz às comunidades para se poderem exprimir.

Isso é especialmente verdade em relação ao Museu da Resistência…

Sim. O 25 de Abril é uma memória imprtante porque ainda é uma memória viva, ainda há muita gente que se recorda. É verdade que está a desaparecer, mas ainda há muitos portugueses que se lembram de como era viver em ditadura e têm muito presente o que era viver sem liberdade e sem democracia. Eu chamo-lhe memória viva porque estamos a recolher os testemunhos – as memórias – dos presos políticos, dos seus familiares, e também da comunidade de Peniche. E essas memórias é que constituem a parte principal do nosos acervo.

Quem vier ao Museu da Resistência o que é que pode ver?

Pode ver, em primeiro lugar, a Fortaleza de Peniche, um monumento nacional, que é tão importante para a comunidade local e para a nossa história coletiva. Depois, o memorial aos presos, onde estão os nomes de todos os presos de Peniche, e o Parlatório, um espaço muito importante porque era o único sítio onde as famílias podiam entrar para visitar os presos e por isso eu chamo-lhe o espaço das emoções. Também podem visitar o fortim redondo, onde estavam as celas de catigo, e a exposição Resistência e Liberdade, a matriz do museu, onde se faz um enquadramento histórico do 25 de Abril: aqui se fala do Regime, da repressão, do sistema político, do Tarrafal, da Guerra Colonial e da resistência em todas as frentes, terminando com o 25 de Abril.

É uma experiência marcante, não é?

É muito interessante. O facto de tudo isto serem memórias recentes torna esta visita especialmente impressionante. Há pessoas que nos vêm visitar e que foram presos (mesmo noutras cadeias do regime) e quando entram começam a falar com o público e a contar-lhes a sua história. O mesmo acontece com filhos de presos, que contam como vinham aqui ver os pais. Há crianças que se lembram de terem pai e mãe presos, porque as mulheres também podiam ser presas. Tudo isto é muito diferente de estarmos a olhar passivamente para algum objetio. É muito comovente. Os presos sentem necessidade de contar a sua história, de partilhar as suas memória, a prisão, a ditadura. Acabam por ser visitas guiadas por quem viveu de facto tudo isto.

Porque é que tudo isto é especialmente importante na nossa época?

Porque já há muita gente que não se lembra e é completamente diferente ouvir a História como um testemunho de uma pessoa de carne e osso. Um museu também serve para construir estas memórias coletivas que nos unem a todos. Estas memórias são muito individuais – foi aquela pessoa específica que lutou, que sofreu, que foi torturada. Mas quando nos transmitem essas memórias, nós como museu transformamos estas questões privadas e muito íntimas em memória coletiva, para não deixar esquecer o que aconteceu durante a ditadura e transmitir a mensagem que a liberdade se constroi todos os dias.

Para que serve a História?

A História serve para não repetir os erros do passado. Infelizmente a Humanidade continua a repeti-los. Portanto o trabalho dos museus é cada vez mais importante, transportando o passado para o presente, para nos ajudar a construir o futuro. O património tem esse poder agregador tão importante para a identidade coletiva e a agregação social. Nós somos nós, individualmente, mas também pertencemos a um coletivo: uma família, uma comunidade, um país.

Mas em Portugal ainda lidamos mal com alguns momentos da nossa História…

Ainda temos algumas dificuldades em lidar com algumas zonas de sombra, como o assumir do nosso passado esclavagista. Não sei como é que isos se faz, mas é natural que essas zonas cinzentas sejam discutidas, mesmo que elas permaneçam. Porque nós mudamos muito como povo e não pensamos todos da mesma maneira.

Como é que chegou a este museu?

Sempore adorei museus e quando me formei em História já era com a ideia de trabalhar num museu. O primeiro museu onde entrei para trabalhar foi no museu de Angra do Heroismo, na ilha Terceira dos Açores, um museu extraordinário e riquíssimo, e pensei, é isto que eu quero para a minha vida. O museu já existia mas tinha sido destruído pelo sismo de 1980. E eu apanhei a fase da reconstrução de um museu novo, que foi extraordinário.

A própria ideia de museu tem mudado muito…

Sim, os museus em geral têm mudado muito, vemos cada vez mais interação com o público, especialmente através das novas tecnologias. Por exemplo, neste Museu da Resistência os mais novos quando entram atiram-se diretamente aos tablets, aos ecrans e aos fones. Os mais velhos põem-se a ler os documentos. São abordagens diferentes, todas válidas. Cada pessoa tem a sua forma de se relacionar com os museus. Mas é muito engraçado que a maioria das escolas quando nos vem visitar já vem preparada pelos professores, inclusive os alunos até já sabem o que foi o Tarrafal. Quando isto acontece as visitas são muito mais proveitosas.

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