
É a criadora e dinamizadora da ‘Dona Ajuda’, uma loja em segunda mão diferente, que ajuda quem precisa de várias maneiras. Cristina Veloso explica como se pode ser útil de forma prática e eficiente.
Como é que nasceu esta ‘Dona Ajuda’?
Eu e um grupo de amigas que moravam no mesmo bairro queriamos fazer um grupo de ajuda social mas eu estava a trabalhar, tinha filhos pequenos, e não sabiamos bem o que fazer. Então decidimos fundar uma associação de ajuda local, com e para as pessoas que moravam ao pé de nós, na freguesia de Santo António. Começámos a vender coisas usadas, alugámos um espaço, aquilo começou a crescer. Então numa reunião com a Câmara pedimos o espaço do antigo mercado do Rato, que estava abandonado. E aí começámos a crescer a sério. A IPSS chamava-se Boa Vizinhança, mas depois criámos a Dona Ajuda, que ficou famosa.
Como é que funciona?
Funcionamos com umas 50 instituições nossas parceiras, que nos indicam quais as famílias que precisam de ajuda. A família fica com um cartão de cliente, que permite a qualquer pessoa daquele agregado fazer ali compras todos os meses no valor de 40 euros. Essas compras podem ser qualquer coisa que tenhamos à venda: roupa, livros, louça, sapatos, o que quiserem.
Portanto, as pessoas vão às compras, não vão buscar restos de coisas velhas…
Tal qual. E isto faz toda a diferença. Mas qualquer pessoa pode comprar na Dona Ajuda. As coisas são vendidas a preços muito simpáticos e já fomos referenciados no Lonely Planet como a melhor loja vintage e segunda mão em Lisboa, e eles nem sabiam que tinhamos esta base social!
O dinheiro da loja, por sua vez, vai servir para apoiar projetos das instituições com que trabalhamos.
Por exemplo?
Por exemplo, a Casa do Gaiato precisava de obras nos telhados. Falou connosco e nós pagámos os telhados. Há muitos miúdos universitários que organizam campos de férias: este ano pagámos cinco campos de férias diferentes. Já financiámos bancos de uma escola no Zimbabué, um furo de água no Sudão, alguns projetos nos PALOPS dos Leigos para o Desenvolvimento, e também com comunidades aqui à volta. Temos alguns apoios permanentes, como um projeto que eu adoro, um coro de surdos chamado ‘Mãos que cantam’, e que precisam de um valor todos os meses para funcionar. Também apoiamos um projeto fabuloso de miúdos que fazem micro-florestas urbanas.
Em que é que isto difere de outras comunidades de solidariedade?
Às vezes os fundos públicos não cobrem coisas de que as pessoas precisam. Imagine que precisava de um frigorífico ou um fogão. Não se pode ‘candidatar’ a receber um frigorífico… Pois a instituição contacta-nos e nós arranjamos. Há buracos na rede de apoio que nós tentamos colmatar. E portanto o dinheiro é bem usado.
Muitas pessoas se espantam com a quantidade de coisas que há na vossa loja…
A loja é mesmo um bom sítio para fazer compras e quem nos visita fica espantado com o que lá encontra. Por exemplo, quando o meu filho mais novo casou, comprou o fraque na Dona Ajuda. Na semana passada fui ao armazém e tinham chegado cinco casacos de pele! As pessoas doam as coisas mais fantásticas, como vestidos de festa ou salvas de prata. As avós morrem, os netos não têm espaço nem gosto por muitas dessas coisas. Há uns tempos chegou-nos uma senhora a dizer ‘Olhe tenho aqui roupa e tal, e olhe, também tenho um piano. Quer um piano?’ (risos). Quisemos, claro. E começaram-nos a dar coisas tão boas que fazemos um leilão duas vezes por ano.
Temos inclusive um espaço cutural, com um alfarrabista, e também fazemos eventos, como uma incubadora de jovens artistas.
Também têm outros projetos comunitários…
Ao princípio tinhamos o Dia do Vizinho, mas a nossa comunidade aumentou e já não conseguimos fazer isso. Mas continuámos com projetos comunitários. Antes do Covid fomos cantar as Janeiras, nós, os polícias, as freiras, os senhores da Junta (risos) pareciamos um filme. Foi tão giro que agora arrancámos com um coro comunitário, para toda a gente que quiser cantar. Na primeira vez, apareceram 50 pessoas!
O mundo está a perder o sentido de comunidade?
Se calhar está, mas por outro lado, quando não está, isso também nunca é notícia. Quando os meios de comunicação se interessam, o mundo descobre uma enorme quantidade de pessoas que fazem coisas espantosas, que se preocupam, que põem o seu tempo e os seus talentos ao serviço dos outros. Temos 4 pessoas a trabalhar e 80 voluntários, como eu. E fazem coisas engraçadíssimas. Por exemplo, duas miúdas adoram fazer puzzles. Nós recebemos imensos mas não tínhamos maneira de verificar se vinham com as peças todas. Então elas vão para casa, levam os puzzles grandes, fazem-nos e aqueles que não têm as peças todas rejeitam.
Qual é a vossa máxima?
Temos uma frase numa parede que diz ‘Nem luxo nem lixo: o que não é digno de usar não é digno de dar.’ É aquilo que defendemos.