@_mariatoscano

As redes sociais têm o poder de juntar pessoas e causas e foi isso que tornou a página informativa Parto Com Sentido uma realidade. A iniciativa do movimento #NãoéNormal e de vários profissionais/ativistas pelo respeito na gravidez, parto e pós-parto em Portugal, cujo objetivo é usar a informação como uma arma para combater a prevalência da violência obstétrica.

“A violência obstétrica é um conceito do qual muitas pessoas nem sequer ouviram falar, logo, podemos dizer que considerada é normal no País”, diz-nos um representante do movimento. É fundamental que haja cada vez mais e melhor informação sobre o tema. Ainda por cima, não estamos a falar de nada propriamente complexo (são “só” direitos a não ser violentada) e é um assunto que afeta diretamente milhares de grávidas todos os anos“.

O impacto pode ser sentido física e psicologicamente. A violência obstétrica ocorre numa intersecção entre a violência institucional e a violência contra a mulher durante a gravidez, o parto e o pós-parto, podendo manifestar-se através de várias formas: desconsideração pelas necessidades ou dores da pessoa grávida, humilhações verbais, violência física, intervenções não consentidas, discriminação com base na etnia e/ou não conformidade de género, entre outras. Por conseguinte, em alguns casos, a gravidez passa a ser associada a sofrimento, humilhações e até mesmo problemas de saúde.

Estivemos à conversa com os cinco aliados do movimento #NãoéNormal neste projeto e o resultado foram dois artigos sobre violência obstétrica. Desta vez, olhamos para o tema da perspetiva da área da saúde. Mariana Torres, médica ginecologista e obstetra, e Mariana Torres, fisioterapeuta especialista em reabilitação pélvica, explicam-nos quais são as marcas físicas e emocionais de um parto traumático e como os profissionais de saúde podem contribuir para que a experiência seja positiva.

Mariana Torres

Médica Ginecologista/Obstetra (@marianatorres_ob)

Intervenções inesperadas como uma episiotomia ou a utilização de fórceps podem deixar tanto marcas físicas quanto psicológicas?

Sim, todas as intervenções que fogem ao plano de parto da grávida, principalmente quando o seu consentimento não é pedido, podem deixar marcas psicológicas e muitas vezes até físicas. A utilização de fórceps ou a episiotomia são alguns exemplos disso, visto que estão com alguma frequência associados a dor pélvica crónica e bastantes mulheres manifestam em consulta algum impacto a nível psicológico. Mas sinto que não devemos colocar estes dois procedimentos no mesmo saco.

O fórceps pode ser um instrumento importante no parto, quando surge algo no período expulsivo que nos leva a crer que o bebé tem que nascer o mais rápido possível. Sei que, culturalmente, não é um procedimento com boa reputação. Isso acontece, talvez, porque antigamente era feito de forma rotineira e sem analgesia. Mas é um procedimento que ainda tem lugar na obstetrícia e que em algumas circunstâncias, quando feito por profissionais habilitados e após consentimento da pessoa grávida, pode ter mais vantagens do que desvantagens.

Por outro lado, a episiotomia é um procedimento cuja realização não é recomendada, por não existir evidência científica sólida que valide a sua utilidade. Fazer uma episiotomia não diminui o risco de laceração grave, por exemplo. A exceção podem ser os partos instrumentados com ventosa ou fórceps onde, ainda que já não seja considerado obrigatório e eu pessoalmente não o faça, pode ser uma escolha aceitável.

Existe cada vez mais consenso que, num parto normal acompanhado de acordo com as recomendações da OMS para uma experiência de parto positiva, não há lugar para a episiotomia. Ou seja, quando o parto acontece com liberdade de movimentos, sem aceleração medicamentosa por rotina, com respeito pela fisiologia do parto, com privacidade e segurança. Por isso, na minha opinião, as marcas físicas e psicológicas da episiotomia, que muitas vezes é realizada sem consentimento da grávida ou até mesmo após recusa expressa da mesma, são muito graves e essa prática devia ser abolida.

Uma experiência traumática pode mudar a relação de uma mulher com o sexo e a intimidade?

Algumas mulheres relatam que as relações sexuais após o parto fazem-nas relembrar a sua experiência de parto traumática. Algumas têm mesmo dor durante as relações mas, mesmo para as que não o referem, a intimidade pode ser difícil por o sexo ser um momento com bastantes parecenças com o parto: a nudez, a exposição, as sensações físicas na mesma região do corpo. Além disso, existem questões relacionadas com a auto-imagem quando, por exemplo, têm uma cicatriz de episiotomia não consentida ou de uma cesariana não compreendida e aceite como necessária.

Para mães de primeira viagem, por exemplo, pode ser difícil identificar os sinais de violência obstétrica. A que devem estar atentas?

A maioria das pessoas queixa-se de não terem sido informadas ao longo do processo, de não lhes terem pedido consentimento, nem mantido a par sobre o que foi acontecendo durante o trabalho de parto, e de terem uma sensação de perda de controlo. Assim, acho que o mais útil é treinarem a pergunta “porquê?”. É importante que não tenham receio de pedir esclarecimentos sobre as alternativas ao que está a ser proposto, as vantagens e desvantagens de cada intervenção e de recusarem procedimentos que sentem que não são vantajosos para si.

Qual deve ser a abordagem dos profissionais de saúde para combater este problema?

Primeiro acho importante que se reconheça que existe um problema. Infelizmente ainda se ouve que não existe violência obstétrica em Portugal. Mas, se 30% das mulheres referem no último inquérito da APDMGP que foram desrespeitadas no parto, como podemos continuar a negar que algo tem que melhorar?

O tempo da medicina paternalista, em que o profissional de saúde toma as decisões e executa-as sem procurar o aval do utente, já devia estar ultrapassado. Aos profissionais de saúde cabe informar a grávida sobre o que está a acontecer durante o parto, as opções disponíveis, as vantagens/desvantagens e respeitar as suas escolhas.

Por outro lado, é importante voltarmos a acreditar que o parto é um evento fisiológico e que a maioria das pessoas grávidas e bebés não precisará de nenhuma intervenção por parte dos profissionais de saúde, mas sim de empatia, apoio e vigilância do seu bem-estar. Ainda está muito enraizada a ideia de que é preciso fazer-se intervenções para se ser reconhecido como um bom profissional de saúde. Mas, num parto, o ideal é acontecer o oposto: não intervir, mas sim deixar acontecer e contemplar o momento, desde que tudo decorra normalmente.

Soraia Coelho

Fisioterapeuta especialista em reabilitação pélvica (@pelvic.care)

O que faz uma fisioterapeuta especialista em reabilitação pélvica?

O papel do Fisioterapeuta na área da saúde feminina é muito vasto, uma vez que este atua nas várias fases que acompanham o ciclo de vida da mulher. A Fisioterapia Pélvica é uma especialidade da Fisioterapia que tem como objetivo avaliar, prevenir e tratar os distúrbios da pélvis, incluindo os ossos, articulações, órgãos pélvicos, juntamente com os músculos do pavimento pélvico e fáscias. O conjunto destas estruturas é responsável pelas funções urinárias, fecal e sexual, além de parte da função obstétrica.

Dos distúrbios ocorrentes nesta região temos em destaque os distúrbios da estática pélvica (prolapsos grau I e II); distúrbios anorretais (obstipação, perda de fezes e gases); distúrbios urinários femininos, (incontinência urinária, urgência e urge-incontinência, bexiga hiperativa); distúrbios sexuais (vaginismo, dispareunia); e as álgias pélvicas (dor persistente). O tratamento consiste em promover a função dos músculos do pavimento pélvico, com o intuito de recuperar as funções de continência urinária e fecal; melhorar a atividade sexual e sustentação dos órgãos pélvicos. Os métodos de tratamento das disfunções pélvicas são simples, indolores e eficazes, sempre adaptados para cada mulher. 

Ainda existem muitos tabus em relação à saúde pélvica?

Sim, ainda existem muitos tabus, sendo que, na maioria das vezes, ocorrem pela normalização das disfunções. As mulheres relatam que não se sentem ouvidas pelos profissionais. Relembro que persistem crenças que é tudo normal. Se as nossas mães e avós passaram pelo mesmo, porque não haveríamos nós de passar? Esta é uma ideia errada. Muitas mulheres levam anos até conseguirem ajuda especializada para o seu problema. 

Outra questão é que, devido à normalização, o problema é vivido em segredo, mesmo que isso implique uma diminuição significativa da qualidade de vida. Importante salientar que o comum de ocorrer não significa que seja normal, ou que não exista ajuda disponível. 

Qual é a importância da fisioterapia no pré e no pós-parto?

A intervenção centra-se, principalmente, no acompanhamento durante a gravidez (mobilidade pélvica,  minimizar a necessidade de uma episiotomia, minimizar os desconfortos da gravidez, melhorar a função postural e músculo-esquelética) e em cuidados no pós-parto (mobilidade das cicatrizes, tratamento para a disfunção pélvica, tal como, incontinência urinária e fecal, prolapsos ou dor pélvica e sexual). 

Por exemplo, no puerpério, se a mulher tiver tido um parto vaginal que envolveu episiotomia ou laceração, a cicatriz pode desencadear dor durante a penetração, assim como alterações significativas na funcionalidade dos músculos pélvicos. Na incontinência, a vergonha sentida pelas perdas urinárias pode levar a que a mulher se torne ‘reclusa’ de si mesma, não se envolvendo intimamente. Há medo de perdas ou do odor da urina. No caso da incontinência fecal também. A envolvência sexual pode ser acompanhada de medo de não se conseguir suster a perda.

Consultar um fisioterapeuta especialista em reabilitação pélvica após a gravidez e o parto deveria ser um cuidado de saúde padronizado no País?

Devemos cuidar da saúde perineal, assim como cuidamos de outros aspetos da nossa saúde física ou mental. Podemos abordá-la de forma preventiva, minimizando possíveis consequências do parto. Em França, todas as mulheres são avaliadas no pós-parto. Em caso de necessidade, realizam tratamentos com fisioterapeutas especializados, sempre comparticipados, de forma a devolver a funcionalidade pélvica. A saúde não deveria ser apenas vista no sentido de tratar a doença, mas sim preveni-la e devolver qualidade de vida.

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

"O Pelicano", de Strindberg: Mentiras e conflitos no palco do Teatro Nacional São João

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Celebrar o Natal com magia e elegância

Celebrar o Natal com magia e elegância

Halle Berry desfila para Elie Saab com o vestido que usou nos Óscares de 2002

Halle Berry desfila para Elie Saab com o vestido que usou nos Óscares de 2002

Desejo de comer doces? A culpa pode ser um gene

Desejo de comer doces? A culpa pode ser um gene

Os jovens que não conseguem ler um livro

Os jovens que não conseguem ler um livro

"Grávida da Murtosa": Como a PJ resolveu o mistério

Lavra, Porto: uma casa com liberdade total

Lavra, Porto: uma casa com liberdade total

Aí estão as COP. E não podiam vir em pior altura

Aí estão as COP. E não podiam vir em pior altura

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Natal à porta: 20 presentes para amantes de design e decoração

Natal à porta: 20 presentes para amantes de design e decoração

Faye Toogood foi eleita designer do ano na próxima Maison&Objet

Faye Toogood foi eleita designer do ano na próxima Maison&Objet

Multimilionários produzem mais carbono em 1h30 do que pessoa

Multimilionários produzem mais carbono em 1h30 do que pessoa "comum" numa vida

Em

Em "A Promessa", Miguel aterroriza Helena

Xiaomi Mix Flip: O melhor smartphone 'concha' do mercado

Xiaomi Mix Flip: O melhor smartphone 'concha' do mercado

Como proteger as praias? Com ciência e natureza

Como proteger as praias? Com ciência e natureza

Richard Gere fala sobre a sua nova vida em Madrid ao lado da mulher

Richard Gere fala sobre a sua nova vida em Madrid ao lado da mulher

Pedro Mexia:

Pedro Mexia: "A memória não é totalmente confiável. E isso é uma dimensão que me interessa muito"

Galp transforma postes de iluminação pública em carregadores de veículos elétricos

Galp transforma postes de iluminação pública em carregadores de veículos elétricos

Um viva aos curiosos! David Fonseca na capa da PRIMA

Um viva aos curiosos! David Fonseca na capa da PRIMA

O Natal já brilha nas ruas: 14 ideias para começar a celebrar

O Natal já brilha nas ruas: 14 ideias para começar a celebrar

Quer dinamizar a comunicação da sua empresa em 2025? Use este Calendário de Marketing e Redes Sociais

Quer dinamizar a comunicação da sua empresa em 2025? Use este Calendário de Marketing e Redes Sociais

Em

Em "Senhora do Mar", Jaime e Susana desmascaram Luísa

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Decifrado o mecanismo responsável pelo efeito ioiô que atormenta quem faz dieta

Decifrado o mecanismo responsável pelo efeito ioiô que atormenta quem faz dieta

Os benefícios para a saúde do dióspiro

Os benefícios para a saúde do dióspiro

O último adeus a Maria José de Mello Breyner Pinto da Cunha

O último adeus a Maria José de Mello Breyner Pinto da Cunha

INDOMÁVEIS 3: COMO INIMIGOS SE TORNAM AMIGOS

INDOMÁVEIS 3: COMO INIMIGOS SE TORNAM AMIGOS

Michael Specht, o homem por trás das câmaras do Google Pixel, revela-nos os ingredientes de uma boa fotografia

Michael Specht, o homem por trás das câmaras do Google Pixel, revela-nos os ingredientes de uma boa fotografia

Os livros da VISÃO Júnior: Ideias para ler nas tarde de outono

Os livros da VISÃO Júnior: Ideias para ler nas tarde de outono

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos da América

Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos da América

Mafalda Castro regressa ao trabalho na TVI depois de ser mãe

Mafalda Castro regressa ao trabalho na TVI depois de ser mãe

Kim Kardashian tem nova coleção de

Kim Kardashian tem nova coleção de "lingerie" com a Dolce & Gabbana

O hábito que pode valer-lhe mais 5 a 10 anos de vida

O hábito que pode valer-lhe mais 5 a 10 anos de vida

Arnaldo Antunes:

Arnaldo Antunes: "Na poesia parece que a palavra cria uma opacidade, coisifica o que está apontando"

Galp transforma postes de iluminação pública em carregadores de veículos elétricos

Galp transforma postes de iluminação pública em carregadores de veículos elétricos

Transição para um futuro sustentável

Transição para um futuro sustentável

Vinhos: Quem tudo quer…

Vinhos: Quem tudo quer…

"A Vida Secreta dos Velhos": Como bate o coração na idade maior?

Castiçais: atmosfera calorosa

Castiçais: atmosfera calorosa

Carlos Silva e Sancho Ramalho vencem Campeonato de Portugal de Novas Energias – PRIO

Carlos Silva e Sancho Ramalho vencem Campeonato de Portugal de Novas Energias – PRIO

E-Rally Alentejo Central: as melhores imagens da equipa PRIO - Exame Informática - Peugeot

E-Rally Alentejo Central: as melhores imagens da equipa PRIO - Exame Informática - Peugeot

Mario Brunello:

Mario Brunello: "Uma montanha não se conquista, não é nossa quando subimos ao cume. Na música acontece o mesmo"

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites