O mundo ficou em choque com a notícia de que Bruce Willis, de 67 anos, ia abandonar a carreira de representação por sofrer de afasia. Apesar da repercurssão internacional do sucedido a um dos atores mais populares de sempre do Cinema, quase nada se sabe sobre esta condição. Por exemplo, sabia que todos os anos surgem 8 mil novos casos de afasia derivados do AVC em Portugal? No nosso país, por hora, três portugueses sofrem um AVC dos quais sobrevivem 2 terços (dados da SPAVC). Metade dos sobreviventes de um AVC poderão ficar com afasia para toda a vida. Mas afinal, o que é a afasia, que impede de forma tão dramática a qualidade de vida da pessoa afetada, nomeadamente a nível das relações com familiares e amigos? Foi sobre tema que conversámos com Joana Prata, Terapeuta da fala no Instituto Português da Afasia.

O que é a afasia? Deriva invariavelmente de um AVC ou há outras causas?
Em primeiro lugar, é importante clarificar que a AFASIA NÃO É UMA DOENÇA, mas sim uma consequência da lesão cerebral. A Afasia consiste numa perturbação da comunicação decorrente de uma lesão cerebral, que compromete as modalidades da linguagem. Assim a pessoa pode ficar com dificuldades em se expressar quando fala, em compreender a fala dos outros e/ou em ler e escrever. Estas dificuldades normalmente afetam a participação e a qualidade de vida da pessoa com afasia e dos seus familiares. O AVC é a principal causa da afasia. No entanto, a afasia também pode ter outras causas, como: tumores cerebrais, traumatismos cranioencfálicos (TCE), infeções, doenças degenerativas ou outras lesões cerebrais. Nos casos em que a afasia surge devido a uma doença degenerativa estamos perante OUTRO tipo de afasia, a afasia Progressiva Primária (APP). De acordo com as notícias que têm saído sobre o Bruce Willis, presume-se que esta poderá ter sido a causa da sua afasia, e por isso, apresentar uma afasia progressiva primária.
Como se manifesta e qual a evolução?
A afasia tem um impacto brutal na vida da pessoa, assim como na vida dos seus familiares. É como se a pessoa, de um dia para o outro “acordasse num país diferente, onde não tem domínio da língua”. A pessoa sabe o que quer dizer, mas pode ficar com dificuldades no seu dia a dia, em coisas como: fazer um pedido num restaurante, em compreender um pedido/pergunta de alguém, em compreender o jornal, em escrever uma mensagem no telemóvel… basicamente, pode ficar com dificuldade em todas as atividades da sua vida que envolvam a comunicação (que são quase todas). Além destas dificuldades, a lesão cerebral pode também provocar outros défices cognitivos, como dificuldades de memória, concentração, atenção, cálculo e, ainda, depressão, ansiedade e outros problemas psicológicos. Por outro lado, os familiares/ cuidadores podem também apresentar emoções menos positivas como o stress e ansiedade ou até mesmo depressão. Ninguém está preparado para lidar com uma mudança tão grande de vida, que afeta tanto a pessoa com afasia como o seus familiares, amigos ou até cuidadores. Após uma lesão cerebral, a maioria dos problemas de comunicação melhora. No entanto, é difícil prever quais as evoluções e o tempo que podem demorar. Algumas melhorias ocorrem espontaneamente, no entanto a reabilitação é maior com a ajuda do terapeuta da fala. No caso da Afasia Progressiva primária, decorrente de uma doença degenerativa, não podemos falar de melhorias, mas sim de retardar a progressão dos sintomas, uma vez que as doenças degenerativas evoluem e agravam ao longo do tempo.
Como é realizado o diagnóstico?
O diagnóstico de afasia é feito por um terapeuta da fala com o objetivo de avaliar as suas capacidades linguísticas e de comunicação, assim como o impacto que esta tem na sua vida diária e na vida das pessoas que a rodeiam. A avaliação por profissionais da psicologia e neuropsicologia é imprescindível, uma vez que a lesão cerebral pode provocar outros défices cognitivos e emocionais, além da afasia.
De que forma afeta a atividade profissional dos doentes? E a sua vida pessoal?
A afasia afeta, na maioria das vezes, o regresso ao trabalho/ às atividades profissionais, sobretudo em funções em que as competências de linguagem e comunicação sejam fundamentais para o seu desempenho. No entanto, pessoas com afasia menos graves poderão ser capazes de voltar a trabalhar. Tudo isto depende de muitos fatores, que nem sempre estão relacionados com a pessoa com afasia, mas sim com a falta de oportunidades. Outras poderão ter de mudar de emprego ou de função que tinham previamente. Infelizmente, em Portugal, ainda há um longo caminho a percorrer neste sentido, no sentido de criar mais oportunidades de inclusão às pessoas com afasia, quer em atividades laborais, quer em atividades de lazer e da comunidade. Falando agora da sua vida pessoal, a afasia tem um impacto brutal na vida pessoal e social das pessoas, na medida em que estas deixam de participar, da mesma forma, numa conversa e nas suas atividades diárias. Os seus papéis e relacionamentos sociais podem ficar comprometidos e esta condição pode levar ao isolamento social, solidão e perda da autonomia.
Há diferentes graus de afasia?
A afasia manifesta-se de diferentes formas, com sintomas e níveis de gravidade variados. Contudo, ocorrem padrões gerais de défices de comunicação, frequentemente associados a certos subtipos de afasia. Em termos gerais podemos considerar a existência de afasias fluentes, afasias não fluentes e a afasia progressiva primária.
As restantes capacidades cognitivas (ou o que de forma mais comum se designa por ‘inteligência’) ficam afetadas igualmente?
Não. A afasia não afeta a inteligência da pessoa. A lesão cerebral pode afetar, como referido anteriormente, outros défices cognitivos, como a memória, a atenção, a velocidade de processamento da informação, o cálculo…. No entanto, os conhecimentos da pessoa com afasia estão preservados. As dificuldades de acesso ao léxico, às palavras, e de comunicação é que mascaram a inteligência das pessoas com afasia, mas as ideias e os pensamentos da pessoa estão intactos. O que se verifica é uma dificuldade em os exteriorizar.
Quais os tratamentos disponíveis para doentes com afasia?
Não existe um tratamento “standarizado” que possa ser aplicado a todas as pessoas com afasia. Existem diferentes tipos de abordagens terapêuticas que ajudam no processo de recuperação, mas que devem ser ajustadas, de acordo com as características e necessidades da pessoa com afasia e dos seus familiares, e ainda de acordo com a fase da própria recuperação. A terapia da fala, a psicologia, a neuropsicologia e a terapia em grupo são terapias que podem fazer a diferença.
É verdade que a música pode ter um papel importante a nível terapêutico?
Sim. A música permite a ativação de várias áreas cerebrais e ajuda a criar “novos caminhos neuronais”, quando estamos a fazer ritmos e a cantar, que ajudam a criar caminhos alternativos para que a comunicação aconteça.
É possível levar uma vida relativamente normal com este problema?
A afasia é uma condição crónica, que veio para ficar. A pessoa com afasia, assim como a sua família, devem desde início ser acompanhados por uma equipa especializada, que os ajude a aprender a lidar com todas as consequências que a afasia pode provocar. É possível ter uma vida “relativamente normal”, ou seja, uma vida com o menor impacto significativo no seu bem-estar e permitir às pessoas com afasia uma vida ativa, autónoma e social. As terapias devem apoiar e acompanhar a pessoa com afasia e a sua família sempre nesse sentido.
De que forma os familiares do doente podem contribuir para ajudar o doente com afasia?
Os familiares têm um papel muito importante no processo de reabilitação da pessoa com afasia. Por um lado, para que a pessoa com afasia se sinta apoiada e que não está sozinha no processo. Por outro lado, porque o envolvimento dos familiares na terapia ajuda a que eles próprios entendam melhor as características da afasia do seu familiar e as suas consequências e, por isso, a compreender melhor a sua situação, bem como, a aprender estratégias de comunicação que facilitem as conversas com o seu familiar com afasia.