Perguntámos à nutricionista Mafalda Rodrigues de Almeida tudo o que sempre quisemos saber sobre o ‘plano alimentar’ mais popular do momento.
Como nutricionista, qual a sua opinião sobre o jejum intermitente?
Gosto bastante desta prática desde que feita com muito respeito pelo corpo e pelas suas necessidades. De nada vale fazer jejum intermitente durante 16 ou 18h se estamos cheios de fome ao fim de 14h. Claramente o corpo mostra-nos que está em carência e irá entrar em catabolismo (usar massa muscular como fonte de energia) para suprir as suas necessidades. No fundo, o jejum intermitente preconiza um período de tempo, no mínimo de 12h, em que não vamos ter qualquer tipo de ingestão alimentar sobretudo alimentos que possam ter valor calórico.
Para que se faz?
A perda de peso pode ser um dos benefícios, tal como a prevenção de alguns problemas de saúde, maior equilíbrio na produção hormonal, maior variedade e quantidade de boas bactérias da flora intestinal, diminuição da inflamação, retardamento do envelhecimento, prevenção de problemas cardiovasculares e até regulação do sono.
Diria que podemos fazer por motivos de saúde e/ou de peso. Se o fizermos pela saúde devemos ajustar a ingestão calórica durante a janela de tempo em que estamos a comer para que as calorias que estamos a ingerir durante o dia sejam as que precisamos para manter. Por outro lado, se quisermos perder peso, aproveitamos as horas de jejum para criar um défice calórico, porque ‘saltamos’ uma refeição, o que ajudará naturalmente a atingir os nossos objetivos.
Como o jejum pode também ajudar a regular os níveis de glicemia, pode ser uma boa estratégia de detox após excessos como a Páscoa, o Natal ou as férias. Mas, mais uma vez, acredito que o devemos fazer dentro daquilo que é exequível para o corpo e não em sacrifício.
Em que casos é que não recomenda o jejum intermitente?
Pessoas que estejam a passar por fases de crescimento, portanto abaixo dos 18 anos, não se recomenda de todo. Pessoas que estejam a passar por fases da vida muito particulares, como por exemplo uma gravidez. Ou pessoas que tenham patologias como o caso da diabetes em que se mexe com a glicemia, sendo que nestes casos tem de se ter mais atenção. Para todo o resto das pessoas, de uma forma geral, o jejum é considerado seguro porque na realidade se nós estamos a acompanhar o ritmo do nosso corpo, estamos a respeitar a nossa fome, as nossas necessidades, então não haverá grande problema
Quanto tempo deve durar?
Depende, o período mínimo são 12h, podendo ir até 16h, 20h, 24h ou até 48h. Por exemplo, se eu acabar de jantar às 21h, não ingerir mais nenhum alimento, e só tomar o pequeno almoço às 9h, já estou a cumprir um período de jejum intermitente equilibrado, bem feito e adequado.
Posso fazer jejum para sempre?
Não temos ainda estudos de efeito a muito longo prazo mas desde que a pessoa se sinta bem a fazê-lo e que esteja saudável não há razão para não o fazer.
O que comer após o jejum?
Para quebrar o jejum deve optar-se por uma boa fonte de proteína. É normal que após um jejum lhe apeteça ingerir fruta ou hidratos de carbono mas nesta altura o corpo precisa da proteína como nutriente principal. E porquê? Porque durante este período de jejum, o nosso corpo foi às nossas reservas de hidratos de carbono e de alimentos que consumimos na última refeição ‘buscar’ energia corporal. A este processo chamamos de citogénese, que no fundo é quando o nosso corpo usa a massa gorda como fonte de energia.
Deixo alguns exemplos:
Quebrar o jejum a meio da manhã: ovo cozido e uma peça de fruta, húmus com palitos de fruta, Iogurte skyr com fruta
Quebrar o jejum ao almoço: Fonte de carne, peixe ou ovo, com leguminosas ou tofu com legumes.
Como sei qual a melhor variação (altura do dia e horas que fico sem comer) para mim?
De acordo com a cronobiologia, o metabolismo humano está programado para ter maiores necessidades energéticas de manhã e vai decrescendo ao longo do dia, tal como o sol se vai pondo. À noite é quando temos um metabolismo mais desacelerado que se está a preparar para o sono. Por isso, idealmente o jejum deveria começar à tarde e terminar de manhã.
No entanto, para muitas pessoas é mais difícil deixar de fazer o jantar do que não tomar o pequeno-almoço, por isso, as práticas de jejum mais comuns iniciam-se após o jantar e quebram à hora de almoço. No fundo, acho que tal como devemos ouvir o corpo, devemos conhecermo-nos a nós. Se tenho uma família e, para mim, é importante partilhar uma refeição por dia com todos, então devo escolher aquela que é mais importante. Para algumas pessoas é o jantar, para outras o pequeno-almoço.
Varia consoante idade ou estilo de vida?
Varia, e também com as preferências. Há pessoas que nunca gostaram de tomar o pequeno-almoço. São pessoas que, tendencialmente, após acordarem só começam a sentir o metabolismo mais acelerado passadas 2 ou 3h. Para estas pessoas provavelmente jantar e só almoçar será a melhor opção.
Para quem acorda com muita fome de manhã ou para quem treina de manhã não recomendo de todo manter o jejum até ao almoço. Os sinais do corpo são claros e devemos respeitá-los. Da mesma forma que com a idade tendemos a sentir um pouco menos apetite e podemos aproveitar para fazer jejum jantando, por exemplo, mais cedo e quebrando o jejum a meio da manhã.
Quais os sinais de alarme, quando devo parar?
Diria que a fome é o sinal de alarme número 1. Ter fome significa que provavelmente começámos a produzir insulina e precisamos de comer para equilibrar. Não o fazer pode levar a uma quebra abrupta e sensação de fraqueza. Ter dores de cabeça também não é bom sinal, significa que não estamos a usar as reservas de gordura corretamente e que o corpo precisa mesmo de alimento.
Outro sinal de alerta menos obvio é, para uma pessoa que nunca tinha sentido isto, começar a ter uma vontade tremenda de petiscar ao fim do dia. Pode ser um sinal de descompensação por não estarmos a nutrir o corpo na altura do dia em que ele mais precisa (manhã), e entramos numa descompensação ao fim do dia.
Mas o jejum não me ensina a comer… voltarei facilmente ao peso inicial?
Não, até porque não nos podemos esquecer que jejum é só não comer e não há técnica mais simples para perder peso. Mas, a verdade é que isso não nos ensina nada. Eventualmente pode fazer-nos perceber que não precisamos de comer só porque está na hora do pequeno-almoço e que se abusámos no jantar do dia anterior conseguimos aguentar mais umas horas na manhã seguinte e que isso até nos leva a uma maior sensação de leveza. Ou seja, pode ensinar-nos a ouvir o corpo.
Se a pessoa não se alimentar de forma equilibrada mesmo fazendo jejum pode nem sequer notar nenhuma diminuição do peso ou da massa gorda. Por isso, se perdeu peso a fazer jejum é importante compreender que, se quer manter, terá que adaptar o que come, manter refeições mais saciantes e que estimulem consideravelmente menos os níveis de açúcar no sangue pela manhã, apostar em fontes de fibra que mantêm a sensação de saciedade durante mais tempo e procurar ter sempre um aporte de proteína adequado.