Durante mais de um ano Vera viu a sua vida a andar para trás, os problemas intestinais impediam-na de socializar, divertir-se e até trabalhar. Os exames não revelavam nada… até que iniciou uma jornada de autoconhecimento.
Dormir pouco, stresse, alimentação desequilibrada, sedentarismo, falta de tempo para desligar, descontrair, distrair, respirar, cultivar, socializar… Quantas vezes olhamos para dentro? Muitas das doenças que sofremos têm origem no estilo de vida. Este tem um impacto brutal na saúde física e mental, e o intestino é o órgão que dá muitas vezes o alerta. Precisamos de o escutar. Como fez Vera Dias. Venha conhecer a sua história.
O que é que se passa?
“Que me recorde, não tive problemas intestinais na infância e adolescência. Estes começaram um pouco antes de 2016, com alguns sintomas, como desconforto abdominal, inchaço, mas em conversa com outras pessoas apercebi-me que há muita gente na mesma situação e encarei aquilo como normal e deixei andar. Só que, entre 2016 e 2017, os sintomas começaram a intensificar-se e eu comecei a ter episódios de obstipação intercalados com episódios de diarreia, com muita regularidade. Ou seja, passava vários dias seguidos em que não ia à casa de banho – superinchada, com dores abdominais, flatulência excessiva, a sentir muito desconforto –, e outros em que tinha diarreias fortíssimas durante 15 dias, ao ponto de perder 3kg. Na altura, tinha 25 anos e trabalhava como investigadora num laboratório, um trabalho stressante que agravava os meus problemas intestinais, que, por sua vez, me causavam stresse porque não conseguia estar totalmente focada no trabalho, sentia muito desconforto intestinal, inchaço abdominal ou tinha de andar sempre a correr para a casa de banho. Além desta sintomatologia, tinha também muitas enxaquecas fortes com frequência, e por isso andava sempre com uma embalagem de migraspirina na mala, tinha bastante queda de cabelo, a minha pele tinha muitas borbulhas, andava sempre cansada e com falta de energia, o meu humor era mais depressivo e tinha grande dificuldade em perder algum peso. Na altura, devia ter uns 10kg a mais do que tenho hoje. Fazia imenso exercício, crossfit, corria 10km por semana e nada tinha resultados. Só perdia peso quando tinha os tais períodos com diarreia.
Estas situações deixam qualquer pessoa muito stressada, porque deixas de ter vida pessoal ou social, porque não te sentes capaz de sair com pessoas ou ir a jantares com medo de comer qualquer coisa que te obrigue a ir a correr à casa de banho, ou então, se vais, tens de justificar porque não podes comer isto, aquilo e aqueloutro, e às tantas passamos a ser as esquisitinhas porque não podemos comer quase nada porque há muitos alimentos que nos fazem mal.”
O caminho até ao diagnóstico
“Quando os sintomas se agudizaram, decidi ir ao médico. Descrevo os meus sintomas e é-me prescrito alguns exames, como endoscopia, colonoscopia e análises ao sangue, muito por insistência minha. Alguns médicos desvalorizam os sintomas, como se tudo fosse normal, e não, não é. Mais tarde, com os resultados na mão, volto ao médico e este verifica que os meus parâmetros estão dentro dos valores de referência, sem alterações, à excepção de uma gastrite nervosa mas que já vem de outros tempos. E assim estou numa situação de impasse. Há ali uma fase em que olham para nós e pensam: ‘Mas tu és saudável, as tuas análises estão todas bem. Será que… não é da tua cabeça?’ Tanto ouvimos isto que às tantas comecei a pensar se não era mesmo da minha cabeça, mas claro que não, eu tinha variadíssimos sintomas e bem físicos e debilitantes. Então, comecei a ir a fóruns e apercebi-me que havia muita gente com as mesmas queixas que eu, e que não estava sozinha. Fiz mais análises às fezes, ecografias… e o gastroenterologista às tantas diz que está tudo ok, mas, pela sintomatologia apresentada, eu devia ter a Síndrome de Intestino Irritável (SII). Finalmente um diagnóstico. Na altura eu também já suspeitava, pela literatura científica que tinha lido entretanto, que esse poderia ser o meu problema. A guia de tratamento do médico foi tomar uma medicação para o estômago, antidepressivos, fazer a dieta low fodmap e evitar o glúten. Segui tudo direitinho, excepto os antidepressivos, porque entendi que aquilo que sentia emocional e psicologicamente tinha a ver com o intestino e esses comprimidos não me iam ajudar. É verdade que os sintomas aliviaram um pouco ao início, mas depois voltaram ao ‘normal’. Assim que eu deixava de tomar os medicamentos, porque no fundo estava a atuar só sobre os sintomas e não sobre o que os causava, voltavam o desconforto intestinal, inchaço, obstipação alternada com diarreias. Também fiz a dieta low fodmap e senti alívio no curto prazo, mas depois, à medida que voltava a incluir os alimentos, os sintomas de desconforto regressavam. Foi então que percebi que às vezes há fórmulas que podem resultar numas pessoas e noutras não. Isto porque havia alimentos que era aconselhada a retirar da minha alimentação – apesar de não sentir desconforto quando os ingeria – e havia alimentos permitidos, que não faziam parte da exclusão, com os quais eu não me sentia confortável. Ok, aquela dieta pode ajudar a curto prazo, e até ser a solução para algumas pessoas, mas para mim não estava a ser.”
Uma jornada de autoconhecimento
“Como sou investigadora e trabalho no campo das ciências, estou habituada a ler artigos científicos, por isso mergulhei nessa área de estudo quase de forma obcecada para perceber como é que o intestino funcionava e o que podia influenciar o funcionamento da microbiota. Foi então que comecei a perceber que não é só a alimentação que importa, que o estilo de vida tem um grande impacto… e no meu caso a gestão do stresse era um elemento-chave fundamental. Para outras pessoas, o foco do problema pode ser, por exemplo, a toma de antibiótico. Estes medicamentos são uma autêntica bomba atómica, matam tudo, bactérias nocivas e benéficas, e deixam os nossos intestinos num deserto.
Com estas novas informações em mãos, decidi fazer uma jornada de maior autoconhecimento e de equilíbrio. Dediquei-me a melhorar e diversificar a minha alimentação, a criar bons hábitos de exercício físico, mas não de forma exagerada como estava a fazer, reduzi a ingestão e contacto com toxinas.
Descobri que cada pessoa tem de perceber quais são os seus gatilhos, porque 5 pessoas com Síndrome de Intestino Irritável podem ter 5 gatilhos diferentes. Esta bioindividualidade é muito importante ser reconhecida e respeitada, e é preciso haver autoconhecimento. Há pessoas que não sabem responder a perguntas simples como: ‘Vai à casa de banho evacuar todos os dias? Como eram as fezes? Foi difícil, foi uma evacuação normal?’
Na minha caminhada para me conhecer melhor decidi, além de ler muito, fazer formações e percebi que esta área era a minha paixão. Fiz uma pós-graduação em produtos de saúde à base de plantas, workshops de alimentação natural, formação de coaching, saúde e nutrição integrativa, uma especialização em saúde intestinal e um curso de 3 anos de nutrição naturopática. Percebi também que queria muito ajudar as pessoas a melhorarem as suas vidas, a terem uma vida normal como eu passei a ter, sem ter de andar sempre a excluir alimentos. Claro que há uns que eu sei de antemão que me provocam desconforto – glúten, açúcares refinados, ultraprocessados, gorduras hidrogenadas, carnes vermelhas – mas também são alimentos que não são saudáveis para ninguém.
Entretanto, criei uma conta no Instagram onde falo sobre a minha jornada, partilho e-books com receitas e as minhas refeições, e agora criei um programa estilo de vida detox onde incluo todos esses pilares. Também costumo convidar pessoas de outras áreas complementares, como o sono, a gestão de tempo e ioga. No ano passado escrevi um livro com a minha história e até hoje recebo feedback positivo das pessoas. Sempre a aprender e a partilhar.”