Body Shaming. Segundo a Ordem dos Psicólogos, este termo, em inglês, consiste numa “forma de agressão que envolve criticar ou humilhar alguém através de comentários negativos e depreciativos acerca do corpo ou aparência física”.
Maria Botelho Moniz e Cristina Ferreira sentiram-no na pele recentemente, quando um cronista de uma publicação nacional decidiu desmerecer o talento de ambas por, a seu ver, não corresponderem a padrões de beleza completamente ultrapassados. O texto que gerou revolta e as duas comunicadoras receberam uma enorme onda de amor, solidariedade e empatia, por parte dos seus pares e do público.
Seria bom se fosse um caso isolado, mas verdade é que as figuras públicas sempre foram alvo de um escrutínio esmagador no que diz respeito à aparência física. Durante muito tempo, encarámos isto como “ossos do ofício”; como se a exposição lhes valesse uma condenação a viverem eternamente sob a ditadura do corpo “perfeito”. Felizmente, as coisas mudaram. As celebridades já não ficam caladas e gritam “Basta!”. Eis alguns exemplos:
Jessica Athayde
Jessica Athayde desfilou em biquíni na ModaLisboa, em outubro de 2014, a convite da marca Cia. Marítima. A atriz acabou por ser alvo de comparações pouco lisonjeiras com as manequins profissionais e respondeu à repercussão negativa no seu blogue, Jessy James, para desincentivar este tipo de bullying.
“Era mais fácil não dar importância ao assunto e deixar morrer a coisa. Era mais fácil… mas não é o que vou fazer, porque as palavras que vos escrevo não são só sobre mim: são sobre as mulheres e a forma como são permanentemente olhadas, julgadas e atacadas. São sobre uma ditadura de imagem imposta, uma tendência redutora de nos verem e de nós próprias olharmos umas para as outras. Isto tem de ser denunciado. Este bullying permanente tem de acabar e pretendo ser uma voz ativa neste caminho que tem de ser percorrido por todas nós. Sou atriz. Não sou modelo. (…)
Desfilei na ModaLisboa como convidada. Desfilei com o corpo que tenho que é o meu e no qual me sinto muito bem. Qual não foi a minha perplexidade quando observo que, a propósito de uma fotografia menos feliz, sou alvo de críticas, comentários desagradáveis e uma série de mimos, próprios deste mundo das redes sociais, em que ainda nos estamos a habituar a viver. Estes comentários foram feitos na maioria por mulheres. Mulheres, vou repetir. Mulheres que são filhas, mulheres que são mães, mulheres que ainda não perceberam que cada vez que cedem à tentação de atacar outra mulher com base nas suas características físicas, estão a enfraquecer a condição feminina, em vez de lhe dar força. Estão a cultivar as inseguranças, as desordens alimentares, a escravidão da imagem.”
Júlia Palha
Júlia Palha brilhou na passadeira vermelha da gala GQ Men of of The Year Awads 2018, mas o visual escolhido foi alvo de duras críticas, por parte de Joana Latino, no programa Passadeira Vermelha.
“Júlia Palha, tenho de falar contigo, amor. Eu também adoraria pôr-me nesse vestido, mas iam chegar as minhas maminhas primeiro e depois eu. Foi exatamente o que aconteceu contigo, chegaram as maminhas e depois chegaste tu”, disse a jornalista da SIC. “A gente viu as maminhas e não viu mais nada. É que depois faz um brilho estranho em cima da ‘prateleira’, que uma pessoa fica com vontade de ir aí pousar as chaves, o telemóvel, a garrafa de cerveja, de tudo e mais alguma coisa. Eu percebo, amor. São lindas as tuas maminhas, mas não se vê mais nada! ‘Tá ótima, mas só se vê maminhas”.
Sem mencionar o nome de Joana Latino, a jovem, na altura com apenas 20 anos, reagiu nas redes sociais.
“Que vergonha alheia do que ouvi. Que triste, em pleno 2018, um comentário destes ser tecido por uma mulher. Principalmente alguém que diz, também, ter bastante peito”, começou por escrever. “Sabemos todas, Mulheres, como é difícil, hoje em dia, sentirmo-nos bem com o nosso corpo (…) Há sempre algo que não está bem. E vai sempre haver. Porque não é suposto sermos perfeitas. Ser perfeito é horroroso”, continuou. “Que mundo é este em que sou acusada de não poder usar um vestido porque tenho ‘demasiado peito’? Em que uma mulher fala do corpo de outra de forma sexista, referindo-se ao meu peito como uma ‘prateleira’ onde ‘tem vontade de pousar as chaves e a cerveja?’ Estamos a trabalhar para quê? Para uma igualdade de género? Para uma maior aceitação?” questionou. “Este vestido foi o melhor para mim, porque foi nele que me senti bonita e confiante. E quem não gosta vá pousar as chaves e a bejeca noutro lado”.
Rita Pereira
Rita Pereira é perseguida por acusações de ter colocado silicone nos glúteos há vários anos e, por conseguinte, sempre que publica fotos em biquíni, o corpo da atriz é alvo de um grande escrutínio. Isso torna-se bastante óbvio quando olhamos para as secções de comentários dessas publicações.
“O que se passa com a zona de glúteos e coxas?”; “Deve ter feito um lipofilling, que foi falhado. A Rita tinha anca e agora tem um género de buraco. As nádegas não estão mal, mas a junção entre as pernas e as nádegas é que é muito estranha. Coitada, ela deve sofrer muito por isso”; “Está estranha mesmo”; e “O resultado da cirurgia não está em harmonia com o resto do corpo e é notável!” são apenas alguns exemplos das reações dos internautas.
A estrela da TVI não fica indiferente à polémica e já respondeu em várias ocasiões. Uma delas ocorreu em março passado, depois de uma sessão de exercício físico.
“Treino feito. E tu, que estás aqui a ver o meu story, só para te avisar que estou quase a ir de férias e vou publicar aquelas minhas fotos com uma sunguinha bem pequenina e aquelas duas bolas assim. Tu que estás aí sentado e não foste treinar, depois vem para o meu Instagram deixar comentários a dizer que é silicone e que a perna é fininha e que são injeções e que é impossível ser verdadeiro. Mas fica aí sentado, não vás treinar. Fica aí sentado e daqui a uns dias vai comentar as minhas fotos”.
Carolina Deslandes
Em janeiro passado, Carolina Deslandes passou uns dias de férias com o namorado, Luís Delgado, em Cabo Verde e decidiu partilhar algumas fotografias onde surge em biquíni na praia. “Olá Tarrafal. Sinto que somos amigos de infância que já não se viam há muito tempo”, escreveu. As críticas ao seu corpo não se fizeram esperar. Por isso a cantora, de 31 anos, deixou uma poderosa mensagem no Instagram.
“Acho que Deus inventou a generosidade em Cabo Verde. Juro. Passou por aqui e inventou-a. E é preciso vir aqui para entender a simplicidade da matemática – se podemos ser todos mais felizes, porque é que vivemos a pensar só em nós e tão pouco em comunidade?
O ego é uma armadilha. E vivemos há anos a ter o ego alimentado por consumo, por vaidade, por frases de íman de frigorífico que dizem “pensa primeiro em ti”.
Aqui não há ego. Aqui há tempo dentro do tempo. É como se tivesse descoberto todos os microsegundos escondidos nos ponteiros. Eles sempre estiveram lá, eu é que nunca tive tempo para reparar neles. O tempo abre-se e dura. Os beijos são demorados, os abraços são demorados, o mar é infinito e de um azul que nos faz questionar se alguma vez tínhamos visto o mar antes.
E o principal – as pessoas. Todo o “olá” em Santiago é um convite. Vem à minha casa. Vem ouvir música. Vem cantar. Vem conversar. Vem descobrir o que é essencial na vida. A beleza da companhia uns dos outros. Do sol. Da vida a acontecer sem correr.
Foi nesta paz e nesta calmaria que publiquei uma fotografia tirada pelo meu namorado, que me disse “deixa-te estar assim, estás linda” e eu senti-me linda mesmo.
Não foi um statement, não foi uma bandeira levantada – foi uma foto bonita.
É muito estranho ler a quantidade de coisas que me chegaram e perceber o quanto é ofensivo uma mulher confiante. Para muita gente é obrigatório que eu não goste de mim assim.
Deixem-me dizer-vos com amor – não é novidade nenhuma ler “gorda” e todas as palavras que daí derivam. Nenhum de vocês me está a dar novidades sobre mim nem sobre o meu corpo. Que é meu. E que eu amo.
Se já tive de me esconder, de deixar de ir à praia, de deixar de vestir isto ou aquilo porque sabia que ia ler coisas e ia ficar de rastos – agora não.
Gosto de mim. Estou rodeada de amor e a recolher sorrisos,poemas e histórias para contar.
A gorda veio de férias. A gorda não fez mal a ninguém. Deixem-na estar.
E se puderem, passem pela ilha e sejam relembrados de que a bondade é tão natural como a maldade – mas é uma escolha nossa seguir um ou outro caminho“.
Filipa Torrinha Nunes
Filipa Torrinha Nunes é frequentemente criticada devido à imagem considerada excêntrica, que foge dos padrões ‘ditos’ convencionais. Uma realidade que, conforme contou a Júlia Pinheiro no programa das tardes da SIC, já levou a que a sua credibilidade enquanto psicóloga fosse colocada em causa.
Numa das ocasiões em que foi vítima de body shaming, a comentadora recebeu reações negativas sobre o aspeto dos seus seios numa fotografia. “Tá…. uma acima e outra abaixo”, escreveu um intrnauta, que não ficou sem resposta. “O corpo humano é isso mesmo, humano. Não foi feito com régua e esquadro. Há assimetrias, contornos, dobras, texturas, imperfeições perfeitas. Para o caso de não ter visto corpos suficientes na sua vida, fica aqui a explicação. De nada, querido”.
Com as suas respostas, frequentes nas redes sociais, a estrela não pretende gerar revolta, mas sim “evangelizar”, acrescentou no vespertino da estação de Paço de Arcos.