Podíamos estar a falar de muitos temas abordados na série Euphoria. O uso de drogas, a violência no namoro, a descoberta da identidade ou sexo podiam são assuntos abordados na história e que dão pano para mangas. Mas neste texto quero abordar um momento que aconteceu no segundo episódio da segunda temporada, já disponível, e que fala de um fator que está a ter implicações na saúde mental. Falo do positivismo tóxico, cada vez mais presente na internet.
Na série
A cena em questão tem Kat (Barbie Ferreira) como protagonista. A jovem está deitada na cama, a passar por um momento mais sensível. Não se sente bem, por diversos motivos, e, numa analogia para o que vemos online, acaba interpelada por várias mulheres que surgem no seu quarto.
“Kat! És uma das pessoas mais corajosas e bonitas que já vi (…) Gostava de ter a tua confiança (…) Só tens de te amar.”
Diz uma mulher que usa apenas um biquíni branco e, enquanto faz diferentes poses, exibe um corpo atlético e tonificado, semelhando-se a uma musa do fitness.
“Todos os dias que sais da cama são um ato de coragem.”
Afirma uma jovem que aparenta ser modelo, sentada numa cadeira, com um vestido curto e perfeitamente penteada e maquilhada.
“Isto não és tu a falar. É o patriarcado! A sociedade pões coisas na tua cabeça.”
Acrescenta uma adolescente, praticamente a gritar e com um semblante revoltado, num aparente símbolo das feministas mais aguerridas.
“Tens de destruir todos os padrões de beleza. Tens de te amar.”
Apela outra mulher, de aspeto refinado e elegante, com roupas justas e um grande chapéu, num visual que faz lembrar uma influenciadora digital de moda.
Kat sente que não é ouvida. Grita que ninguém está a perceber o que está a tentar explicar. Que ninguém a tenta compreender. Diz que não se sente saudável, que está infeliz, que não gosta quem é. Assume que está a lutar pela própria saúde mental, mas sem saber como.
Para desespero de Kat, todas as mulheres a rodeiam num coro que exija que ela se ame. Kat grita em desespero.
Repercussão
Esta cena tem dado que falar nas redes sociais. São muitos os que a apontam como um exemplo claro do positivismo tóxico que tem aumentado online.
O guião deste momento foi inspirado em frases feitas que atualmente povoam páginas que tentam incentivar outras pessoas a serem mais felizes e a aceitarem quem são. Frases que se focam em amor-próprio, coragem, aceitação, confiança, beleza natural e empatia.
Tudo isto está muito certo, pode ter boas intenções e sim, deve ser valorizado, mas quando usado fora de um contexto e sem que o outro seja realmente tido em consideração na sua individualidade, torna-se vazio, mais um meio de pressão, mais um despoletar de ansiedade.
Dizer “tens de te amar” não faz com que o outro ligue um botão que o faça amar-se automaticamente. Dizer que o outro é corajoso sem saber da sua história não a ajuda a valorizar-se. Dizer que os padrões de beleza têm de mudar quando se tem uma figura que enquadra nos arquétipos desejados não faz acreditar. E tudo isto pode ser feito com a maior boa-vontade, mas não funciona realmente. Pode ser atencioso, mas não cura.
Quem está em sofrimento não entende como pode facilmente mudar a sua condição. Fecha-se na sua dor por perceber que o outro não quer ouvir o que sente e tem para dizer. Culpa-se ainda mais por não chegar ao estado em que os outros acham que deve estar.
Ver o desespero de Kat é recordar isso. É perceber que muitas pessoas se sentem intimidadas em falarem a sua verdade, com receio de ouvirem apenas umas frases feitas que pouco alívio vai trazer. Às vezes, melhor do que dizer algo esperado é sentar e apenas ouvir. E para quem está a sofrer, melhor do que mergulhar neste positivismo tóxico é procurar uma verdadeira ajuda. Quer seja um amigo ou um especialista, como um psicólogo.