O Dia Mundial da Saúde Mental é comemorado no dia 10 de outubro desde 1992. Todos os anos, a Federação Mundial para a Saúde Mental (WFMH), em articulação com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), escolhe um tema. A intenção da lembrança é colocar temas da saúde mental nas agendas dos governos, para além de centrar a atenção pública na Saúde Mental global, como uma causa comum a todos os povos, para além dos limites nacionais, culturais, políticos ou socioeconómicos. Combater o preconceito, o estigma e a exclusão de pessoas com experiência de doença mental e seus familiares/cuidadores informais é outro dos objetivos deste dia.
O tema escolhido para o ano de 2021 vem precisamente na senda da sua priorização na agenda dos organismos públicos e privados a nível global – “Saúde Mental num Mundo Desigual”. Este tema, escolhido para 2021, destacará que o acesso aos serviços de saúde mental continua desigual, com cerca de 75% a 95% das pessoas com transtornos mentais em países de menos desenvolvidos incapazes de ter acesso a serviços de saúde mental, e o acesso em países desenvolvidos não é muito melhor. A falta de investimento em saúde mental é desproporcional ao orçamento geral dos ministérios da saúde, o que contribui para o aumento ainda mais fraturante do tratamento e intervenção na saúde mental.
Antes da pandemia SARS-COV-2 COVID-19, a Saúde Mental era já desvalorizada pela maioria dos governos a nível global – muitas vezes apelidada de “parente pobre da Saúde”. No entanto, apresentava-se já como a doença do sec. XXI, isto se acrescentarmos, de igual modo, as doenças neurodegenerativas como o Alzheimer ou Parkinson. Segundo relatórios da OMS, 30% das pessoas em todo o mundo apresentavam, em dado ano, um problema de saúde mental. Segundo o Livro Verde, documento oficial da União Europeia, 23% dos europeus apresentavam problemas de saúde mental em dado ano (cerca de 80,9 milhões de europeus num universo de 300 milhões). Das 10 principais causas de incapacidade, 5 eram já – antes da pandemia SARS-COV-2 COVID-19 -, causas relacionadas com perturbações psiquiátricas e/ou psicológicas. Eram já a segunda maior causa de incapacidade nos países desenvolvidos, a maior causa de baixas no trabalho e de reformas antecipadas. A depressão e o stress já matam mais pessoas que os acidentes de viação e o VIH/SIDA, sendo a depressão a maior causa de morbilidade nos países desenvolvidos.
Se acrescentarmos, agora, as consequências da pandemia COVID-19 a nível global, temos um problema ainda mais sério atualmente, um problema que precisa urgentemente de medidas e de um maior investimento para concretizar as respostas que são mais eficazes e necessárias. Esta pandemia veio colocar em foco algo que há muito as evidências cientificas já vinham alertando – os contextos económicos, sociais e culturais têm um impacto enorme na saúde mental das pessoas. Assim como, a falta de investimento na saúde mental tem consequências muito graves nas pessoas e, de igual modo, nas próprias economias e sociedades ditas modernas.
A incerteza profissional, o desemprego, problemas acrescidos na prestação de cuidados básicos (como por exemplo, na alimentação, educação, habitação/rendas, etc…), os problemas conjugais e familiares acrescidos, o ambiente familiar tenso e pouco equilibrado, a dificuldade no acesso a muitos serviços da sociedade, a incerteza relativamente à solução para esta situação pandémica de saúde, está relacionada com o aumento e o exacerbamento de problemas de saúde mental, situações de stress tóxico e sofrimento psicológico agudo e crónico.
Atualmente é possível comparar o impacto e a carga social em termos de custos diretos e indiretos que várias especialidades da saúde têm nas sociedades e o que constatamos é que a doença mental surge sempre ou em primeiro ou em segundo lugar com uma carga global de cerca de 10 a 15%. Ora, apesar de reconhecer o esforço que tem sido feito nesta área por parte dos organismos competentes na área da Saúde, não é difícil perceber que o financiamento e o investimento da Saúde deveriam ser muito maiores na Saúde Mental do nosso país (cerca de 4% atualmente).
Com a pandemia sanitária, surgiu uma verdadeira pandemia na saúde, em particular na saúde mental, independentemente da nossa cor, religião, etnia, classe socioeconómica, ou até das idades. Na Saúde Mental portuguesa basta referir as conclusões do estudo do Instituto Nacional Ricardo Jorge em que 7 em cada 10 portugueses experienciaram problemas de saúde mental – de moderada a grave – com a pandemia. Ora, Portugal já apresentava a segunda pior taxa de prevalência de doença mental grave na europa e a quarta no mundo inteiro antes da pandemia, não é difícil, portanto, extrair conclusões evidentes do cenário que enfrentamos atualmente.
Nós temos um Plano Nacional para a Saúde Mental (PNSM), e um Diretor, que é sobejamente reconhecido por todas as entidades internacionais competentes e aceite pelos agentes determinantes competentes a nível nacional, como nunca antes. É um excelente plano, pleno de respeito pela dignidade, direitos, garantias e liberdades destas pessoas que, pela sua condição de saúde, se encontram em situação de desvantagem social a vários níveis – p.ex.: acesso ao emprego, habitação, justiça, reabilitação, reinserção a nível familiar, entre muitos outros.
Por fim, além da rapidez na implementação do Plano de Resiliência e Recuperação (PRR) – onde a Saúde Mental surge como segunda prioridade no nosso país – e de um incremento no investimento do desenvolvimento do PNSM, precisamos de uma coordenação nacional ou estrutura de missão que tenha uma clara autonomia de implementação. Precisamos de uma Coordenação “sem amarras” para implementar as reformas necessárias que terão o seu reflexo na saúde e na economia dos portugueses de forma significativa.
Não há Saúde, sem Saúde Mental! Não há Economia, sem Saúde! Por esta razão, urge que se “pule e avance” a toda a velocidade para adereçar o problema que mais pessoas afeta no século XXI de forma a podermos agir rapidamente, tal como o tema escolhido para este ano assim sintomatiza, contra a “Saúde Mental num Mundo (cada vez mais) Desigual”.