O mundo evoluiu, e os jovens também. Ser adolescente hoje é substancialmente diferente do que era há apenas uma década. A propósito do Dia Internacional da Juventude, fiz uma pequena reflexão acerca de 10 anos de trabalho próximo com jovens, na consulta de medicina do adolescente.
A consulta de medicina do adolescente é fascinante e intensa! Aqui conhecemo-nos, conversamos, refletimos, discordamos, concordamos, rimos, choramos… Umas vezes, de forma mais fluída e casual, outras recorrendo à ajuda de algumas técnicas de entrevista que, como um saca-rolhas, nos ajudam a ultrapassar alguma dificuldade inicial, antes da conversa fluir.
Abordamos a saúde dos jovens de forma holística. Falamos de todas as áreas das suas vidas – casa, família, escola, desporto, amigos, relações, sexualidade, emoções, ambições, frustrações, hábitos de sono e alimentares, consumo de substâncias, exposição a ecrãs, corpo, puberdade e auto-imagem Tudo isto com foco nas grandes “tarefas” do desenvolvimento do adolescente – a construção da identidade, a autonomia e o pensamento abstrato.
Olhando para a evolução do mundo e da juventude, nestes 10 anos, há alguns temas que me têm vindo a preocupar de forma crescente:
Por um lado, as perturbações de ansiedade têm vindo a aumentar nos últimos anos. As manifestações são variadas, entre crises de pânico e de ansiedade e sintomas físicos, como palpitações, dor torácica ou dores inespecíficas e variadas. Muitas vezes, estas queixas trazem jovens à consulta, preocupados com uma eventual doença orgânica, mas, ao investigar, percebemos que se tratam de manifestações físicas de problemas de ansiedade.
Por outro lado, a pandemia, os confinamentos e a grande atenção mediática dada à doença e a diversas previsões de evolução de uma ameaça tão grande para a saúde fizeram com que o foco da população se desviasse totalmente para a doença e para sintomas físicos. Os próprios confinamentos trouxeram uma grande incerteza quanto ao futuro, impossibilitando a elaboração de planos a médio e a longo prazo, e instabilidade de rotinas – tudo isto em fases importantes do desenvolvimento dos adolescentes, deixando marcas significativas.
Após esse período, diversos acontecimentos com impacto global, como a guerra na Europa e crises económicas e financeiras, igualmente alvos de grande atenção mediática, mantiveram as dúvidas e incertezas sobre o futuro, em especial para os jovens de hoje.
Noto, também, uma grande ansiedade de desempenho focada na escola e no sucesso escolar, com uma frequência e intensidade que me parecem crescentes. A escolaridade e a sua vivência têm, atualmente, um foco muito grande nas avaliações e classificações dos jovens, com impacto nas suas escolhas e possibilidades futuras. Este foco nos resultados é intenso e precoce, no percurso dos nossos adolescentes.
O excesso de utilização de ecrãs é outra problemática em agravamento, ao longo dos últimos anos. Os confinamentos e o isolamento social que nos foram impostos aceleraram muito este processo.
A utilização excessiva de ecrãs e videojogos provoca dependência – e, na consulta, temos visto várias situações destas. A redução da disponibilidade para outras atividades ditas “normais”, como a socialização presencial com amigos, exercício físico, leitura ou convívio com a família, pode ter diversas consequências: sedentarismo e consequente excesso de peso, alterações dos padrões de sono, alimentação inadequada, falta de competências sociais, dificuldade no controlo dos impulsos e na auto-regulação e insucesso escolar.
Além dos videojogos, também as redes sociais trazem algumas preocupações específicas. Aqui, destaco os problemas de cyberbullying, a exposição precoce e intensa a violência, pornografia, conteúdos sexuais e a um grande conjunto de outros conteúdos, sem adequado controlo e contextualização por parte dos pais. Crescer exposto a tanta informação, quase sempre de uma forma superficial, instantânea e baseada na imagem pode tornar esta geração mais vulnerável a manipulações.
Outra preocupação crescente, na consulta de medicina do adolescente, é o papel central que os jovens dão à auto-imagem. As questões da imagem corporal são normais na adolescência e fazem parte do próprio desenvolvimento, mas noto um aumento destas problemáticas, em frequência e em intensidade – mais uma vez, as redes sociais podem ter aqui um papel significativo. As perturbações do comportamento alimentar continuam frequentes, mas outros fenómenos têm emergido, ainda sem clara definição do seu impacto na saúde e no desenvolvimento dos adolescentes, como o recurso precoce a intervenções estéticas corporais ou o exercício físico excessivo e compulsivo.
Nos últimos tempos, temos assistido também a uma tendência de aumento no consumo de substâncias, entre os jovens. Falo de tabaco e diversas drogas. Após alguns anos em que este problemas parecia estar a reduzir, está agora a voltar a ganhar dimensão. Por esta razão, o Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF descobertas está a desenvolver um projecto de investigação que pretende levar profissionais de saúde às escolas, com uma metodologia de intervenção diferente da clássica no que toca ao consumo de substâncias, para intervir precocemente no desenvolvimento dos adolescentes. Esperamos trazer bons resultados em breve.
A adolescência é um período desafiante, marcado por grandes e intensas mudanças. Os pais devem manter-se atentos à saúde física e mental dos jovens, criando um ambiente favorável ao diálogo e procurando escutar e esclarecer as suas preocupações, receios e dúvidas. As consultas regulares de medicina do adolescente, um espaço privilegiado para tirar dúvidas e promover a educação para a saúde, são fundamentais para ajudar os jovens e as suas famílias a lidar com os desafios desta fase.
Hugo de Castro Faria é Coordenador de Pediatria no Hospital CUF Descobertas
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