Advogada, escritora e ativista brasileira, a sua luta feminista já não é de agora. Hoje, o Dia Internacional da Mulher, é um bom dia para ficar a conhecer melhor quem, partindo de uma posição de privilégio, tem tanta consciência do que ainda é preciso mudar num mundo cheio de desigualdades.
Sou fã incondicional dela desde o fenomenal ‘Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas’, que publicou em Portugal no ano passado. Aliás, é uma mulher de armas em tudo, desde a forma como chama ao debate anti-machismo quem não é (tradicionalmente) do debate até à leveza com que vem ter comigo em solavancos de jipe pela serra da Malveira até chegarmos ao paradisíaco ‘Dream Guincho’. Afirma que “esta é uma das coisas que me apaixona em Portugal, esta proximidade com a natureza…”
Daqui de onde estamos vê-se tudo até ao infinito. Até ao futuro. E o futuro é aquilo por que Ruth batalha. O seu mantra é simples: o oposto do machismo não é o feminismo, é a liberdade, tanto para homens como para mulheres. O que ainda é difícil de perceber, tanto na sociedade brasileira, de onde vem, como na portuguesa, que adotou. As mentalidades custam a mudar.
Mas estou com uma otimista imbatível, que continua a achar, como todos os verdadeiros ativistas, que o futuro será feito de gente mais aberta, mais informada, e mais consciente dos seus direitos. O importante é começar agora.
Então tenho dois caminhos, vida e ‘doutrina’: por onde começamos?
Escolha você…
Vamos então pela vida: cresceu no Brasil, em São Paulo…
Sim, numa família ‘reconstruída’. Os meus pais estudaram juntos na Universidade de Direito mas nessa altura nunca foram namorados. Então a minha mãe casou-se com um economista carioca e foram morar no Rio, meu pai casou-se com uma pedagoga e foi morar em Roma. Depois separaram-se e reencontrarm-se: a minha mãe já tinha 2 filhos, o meu pai nenhum, e aí se apaixonaram e foram viver juntos. O meu pai assumiu praticamente a paternidade dos meus irmãos. Depois vim eu, que tenho 5 anos a menos que a minha irmã e 8 do meu irmão. Cheguei a um ambiente estimulante e aberto, numa família equilibrada e carinhosa.
Como era a Ruth em criança?
Sempre fui o que sou hoje: bem disposta, faladora, extrovertida.
Uma pessoa nasce feminista ou faz-se feminista?
Acho que se faz, sim. No meu caso, começou com uma educação de liberdade, claro que com falhas como todos, mas como diz uma amiga minha, uma frase que eu adoro, ‘O machismo é um aquário e nós somos os peixes’. Assim como o racismo, agordofobia, a homofobia. Ou seja, por melhores e mais cabeça aberta que fossem os meus pais, todo o mundo é influenciado em relação a isso. O meu pai era juiz, a minha mãe advogada, ambos professores, e acima de tudo os filhos cresceram num ambiente de reflexão, de debate, de pensamento.
Falava-se muito, lá em casa?
Muito! O meu irmão, que hoje é sociólogo da comunicação, já nessa altura era muito provocador, era aquele adolescente chato que punha tudo em causa e me ensinadava coisas, lembro-me de ele ter 15 anos e eu 7 e de ele me levar para o quarto para me explicar o que era inflação (risos). Por isso eu fui muito provocada, tudo era estimulante.
Quando teve de escolher, já sabia que queria direito?
Sim, mas não sabia quem ao certo estava a escolher: eu ou os meus pais? De quem era essa escolha? Tinha medo de não ser uma decisão minha, de já estar, como, pré-tomada. Então os meus pais me levaram para uma psicóloga de orientação profissional e eu acabei escolhendo direito. Inclusive, meu pai foi meu professor de mestrado.
Como é ter um pai que é também seu professor?
Muito esquisito (risos). Quando meu pai morreu, no ano passado, era vice-reito da universidade, então desde o momento em que nasci até o momento na sua morte, a universidade católica sempre foi muito parte da minha vida. E dos muitos desafios que eu achei que podia ter, o principal era aquele da relação com os colegas, sabe quando os alunos saem todos da sala e ficam dizendo mal do professor? (risos) Aí não podia, havia eu… Mas o pior foi que eu não conseguia prestar atenção ao que o meu pai falava. Porque a gente tem a voz dos pais como uma voz doméstica, a voz do ambiente onde você está mais descontraída e relaxada, e quando o meu pai comneçava a falar, e aquilo era chato como tudo, eu apagava. Mas me deu boas notas, sim (risos). Acho que eu mereci.
Quando foi a primeira vez que veio a Portugal?
Precisamente com meu pai, quando veio dar aulas na Universidade Clássica de Lisboa. Eu tinha uns 20 anos e encantei-me com aquele país tão diferente do Brasil. De repente, as ligações ficaram ainda mais fortes. Os meus pais são netos de portugueses do norte. Então a minha irmã conheceu o marido dela, um português de Coimbra, num bar de S Paulo, e casaram.
A Ruth já era uma mulher do mundo: vivera e estudara em Paris e em Roma, e planeava voltar a França…
Mas um dia vim a Lisboa passar o natal com a minha irmã e conheci um amigo do marido dela. E pensei, em vez de estudar em Paris, vou estudar em Portugal. E vim. Eu não gosto de perguntas sem respostas. Lembro-me de pensar, não quero ficar em S. Paulo e ficar para sempre com esta incógnita na minha viuda. Vou ver no que dá. Vim e fiquei 7 anos em Portugal. Até hoje, mantenho essa vida dupla: venho e volto. Fiz o doutoramento, ganhei um marido e uma enteada que adoro até hoje, que criou dos 3 aos 10 anos e de quem continuo próxima.
Como foi separar-se em plena pandemia?
Uma confusão enorme. Única coisa que a Francisca, minha enteada, perguntou foi se eu ia embora. Eu disse-lhe que iria mais ao Brasil, mas que estaria sempre presente na vida dela. E tenho cumprido essa promessa.
O divórcio não foi a sua única perda…
Perdi o meu pai de repente, há um ano. Perder um pai é como viver numa casa sem telhado. É exatamente essa a sensação. Mas a gente vai reconstruindo a casa. No outro dia a minha mãe queixava-se que eu acumulo muita coisa: muita roupa, muito sapato, muito livro, e eu disse-lhe, ‘olha, eu já perdi tanto nos últimos anos, o divórcio, a morte do meu pai, a mudança de país, que eu não tenho vontade de me desfazer de nada’… Voltei a São Paulo por razões profissionais mas nunca deixei de vir a Portugal. E continuo a aprender muita coisa aqui.
Por exemplo?
Por exemplo, encontrei uma coisa surpreendente: uma relação muito forte com a terra. Sobretudo para uma citadina. Eu nunca achei que era uma pessoa ligada ao campo. Até porque a natureza no Brasil é bastante mais agreste, mais ameaçadora, mais intensa. Eu encontro mais animais estranhps no meu apartamento de São Paulo do que aqui quando vou passear ao campo. Aqui, você faz uma caminhada e encontra dois melros, um esquilo e quando muito um coelho. Em S Paulo, aparecem uns gafanhotos enormes, formigas vermelhas mutantes, uma família de gambás (um animal tipo texugo) no telhado. No outro dia achei um bicho chamado jacu, que parece um peru vermelho, na minha janela do closet, eu saí do banho e dei de caras com uma ave desse tamanho!
Pois, em Portugal não há jacus… (risos)
Em S. Paulo a gente invadiu a natureza, esses animais não queriam estar ali, estão ali porque alguém ocupou o lugar deles. Em Portugal, nada é tão invasivo, há uma proximidade com o mar e o campo que eu acho extraordinária. A gente sai de Lisboa, meia hora depois está na praia. E isso traz uma diferença que, afirma, também se nota na alimentação. Por exemplo, em Portugal eu descobri que as comidas têm endereço. Há maçãs de Albobaça, Peras do Oeste, carne do Alentejo, cereja do Fundão, laranja do Algarve… Até agora, para mim uma laranja era uma laranja, sabia lá de onde ela vinha… Também aprendi a comer segundo as estações, no Brasil ninguém espera o verão para comer nêsperas ou o outono para comer castanhas, aqui há essa naturalidade e esse respeito pela natureza que eu acho muito bonito.
O bebé que também já entra na história é o seu filho Joaquim
O meu marido é argentino, e quisemos um nome que desse em três países, em Portugal, no Brasil e na Argentina. Então escolhemos Joaquim, mas depois descobri que em Portugal ele será Quim, no Brasil Joca e na Argentina Juaco, então cada um chamará de maneira diferente…
Como conheceu Agustín?
Conheci-o no Brasil, ele é divorciado, com um filho da idade da Francisca.
E por falar em homens, os portugueses ainda são machistas?
Somos todos. Até eu. Neste momento em que o Brasil acabou de se livrar de Jair Bolsonaro, não é um bom momento para dizer que o Brasil é melhor que isto ou aquilo. E o machismo brasileiro é incomparavelmente pior que o português. Mas ainda há, em Portugal, uma força muito inibidora da mulher, uma ideia de família tradicional muito ligada à Igreja católica. E senti isso na pele, com a gravidez. Por exemplo, aqui é perfeitamente banal você casar e logo a seguir toda a gente perguntar ‘então quando é que vem o bebé’? Em São Paulo nem os meus pais nunca me perguntaram isso. Toda as opções são válidas. Casar ou não casar, ter ou não ter filhos, adotar ou ter seu. Em Portugal, sinto que as minhas amigas portuguesas se chegam aos 30 anos sem filhos, têm uma sensação extrema de que falharam na vida. É como se houvesse só essa maneira de ser mulher e de ser feliz.
Como é ser mulher em Portugal?
Uma coisa que eu noto muito é que em Portugal a vida de uma mulher ainda está muito condicionada socialmente. Quando um homem não se casa nem tem filhos, é uma escolha. Mas uma mulher não pode fazer essa escolha. E o peso de ser igual aos outros, num meio mais pequeno, pode ser sufocante. A família do meu ex-marido era muito tradicional. Lembro-me de uma vez, logo quando cheguei a Portugal, em que eu fui a uma festa de aniversário deles. E de repente, achei que estava dentro de um pesadelo em via a mesma família repetida vezes sem conta. As mulheres com as mesmas roupa e as mesmas malas da mesma marca, e os homens com as mesmas calças caqui com camisa azul, e trabalhando em sítios parecidos, e todos com 2 ou 4 filhos, e as crianças todas com roupas a condizer, e com os mesmos nomes, e eu pensei ‘Mas é assim que funciona?’ No interior de São Paulo as famílias são mais tradicionais, mas na cidade não acontece isso, nem no mesmo meio. Por exemplo, quando eu ia buscar o meu enteado à escola havia mães mais alternativas, uma mãe com uns birkenstocks, meias laranja e um casaco oversize, também era um desfile, mas a ideia era ver quem era mais diferente que a outra.
O objetivo lá é a diferença e não a matilha, é isso?
Sim, lá tem de tudo, mas o padrão é fugir do padrão, e aqui o padrão é tentar a todo o custo caber no padrão, porque senão você é julgada e excluída! Outra das poucas coisas a que nunca consegui acostumar-me aqui: encontrar conhecidos em qualquer lugar. Um dia fui jantar com ao Porto com um amigo e na mesa ao lado estava um tio do Filipe. Então eu senti que eu tinha de explicar tudo, que ele era só um amigo, etc, um stresse. Em São Paulo não existe encontrar um conhecido! Isso seria sufocante. Uma das minhas melhores amigas mora a 3 bairros de mim, e se eu encontrei ela 3 vezes em 5 anos, foi muito. Lisboa é a única cidade onde você sai atrasado e chega na hora (risos)
E para voltarmos ao machismo, é uma luta constante, mesmo para quem se acha desempoeirada?
É. Tal como todos os outros ‘ismos’, nunca está muito longe da nossa vida, porque todos gostamos de pensar que somos muito à frente, mas o mundo também nos molda. É uma luta constante, porque nós mesmas continuamos a olhar para as outras mulheres com um olhar de julgamento sobre o corpo, sobre a roupa, sobre a maternidade, a gente segue julgando e isso é uma luta que não tem fim. Não é que nem um mestrado ou um doutoramento, que a gente faz e fica feito, é uma aprendizagem e uma luta constantes. E isso vale para a homofobia, para gordofobia, para todos os tipos de discriminação. Todos nós estamos inseridos nesse contexto coletivo.
Como é que o machismo se infiltra na nossa vida sem darmos por isso?
De formas por vezes muito banais. Por exemplo: uma forma muito fácil de a gente ver o machismo é a diferença entre aquilo que os pais querem paraas filhas e a forma como olham para as noras. Muitas mães querem que as filhas sejam independentes, que tenham uma carreira, que tenham homens companheiros, mas depois querem noras servis. Se a casa está uma bagunça, a culpa é sempre da mulher, não do filho.
E a Ruth, alguma vez se apanhou dizendo o que não devia?
Já. Por exemplo, uma vez em que a Francisca era pequena e estava a fazer uma birra infernal. “Eu virei-me para ela e ouvi-me dizer ‘assim você nunca vai entar numa universidade de princesas!’. Depois parei, refleti, voltei, e disse ‘olha falei uma bobagem. Os seus estudos não têm nada a ver com a sopa e o banho.’ Mas tudo bem, a gente não tem de se condenar para sempre, mas sempre tem de assumir que disse uma bobagem.
Mas continuamos a educar rapazes e raparigas de forma diferente, não continuamos?
Sim. Eu tomo essa minha maternidade de menino como um grande desafio. Primeiro, eu até agora só tive meninas na família. Eu trabalho com mulheres, eu escrevo sobre mulheres, o meu enteado é fácil, amoroso, cooperante, mas já veio pronto para a minha vida. Agora esse aqui, a responsabilidade vai ser minha. Ouço muitas vezes ‘ai tens sorte, menino é ótimo porque eles são mais simples, são mais básicos’, mas eu penso, será que a gente não considera que os meninos são mais simples porque a gente não legitima as emoções deles? Será que, se a gente desse para eles o mesmo espaço emocional que damos às meninas, eles não seriam igualmente sensíveis e emocionais?
Isso de os rapazes serem menos sensíveis é mito, portanto?
Acho que é um pouco mito. Acho que não tem a ver com género mas com construção social. Então eu pretendo que o Joaquim seja a pessoa que ele for, e não aquilo que a sociedade diz que ele vai ser. Acho importante, por exemplo, educarmos rapazes e raparigas de forma igual de maneira a que, por exemplo, os rapazes sejam autosuficientes numa casa. No Brasil esse problema é até maior do que aqui, porque temos muitas empregadas domésticas e muitos rapazes não sabem fazer nada. A mão de obra é mais barata, e quando a gente cria filhos que não sabem lavar uma louça ou fazer uma cama, a gente está a criar seres disfuncionais no futuro, e a gente sabe que na maioria dos lares isso acontece mais com os rapazes. Quando um quarto está bagunçado, se é de um rapaz desculpa-se, se é menina manda-se arrumar. Se a gente quer criar um mundo antimachista isso começa em criança e em coisas como as tarefas de casa.
O que é então ser feminista?
Ser feminista é escolher a liberdade de cada pessoa poder decidir o que quer para si, mesmo que seja uma escolha dita ‘conservadora’. Por exemplo, quando me casei pus o apelido do meu marido porque a Francisca queria. Não era uma coisa minha, não era uma coisa dele, a lei não obrigava, mas ela quis. Então foi uma decisão conservadora mas que eu tomei porque concordei. Então, há decisões conservadoras que também são fruto do feminismo, porque também são uma escolha.
Quais são os maiores problemas das mulheres atualmente?
A paridade de salários continua muito dramática. A gente tem uma falsa impressão de igualdade quando se diz, ‘ah mas tal empresa tem muitas mulheres, ai já há muitas mulheres nas universidades e nos tribunais’. Isso é umtelhado de vidro porque a nossa presença ali não acontece em geral por reconhecimento, ela acontece por uma demanda do capital. A mulher nunca foi verdadeiramente emancipada, ela foi requisitada pelo capital, uma coisa que já vem da revolução industrial quando se descobriu que dava para pagar menos às mulheres. As mulheres não estão ali porque necessariamente reconhecem o seu valor. E segundo, elas estão ali a exercer papéis masculinizados. A sociedade cobra que a gente seja mãe a vida inteira, mas no dia que se é mãe, a gente tem de disfarçar muito bem. O filhos não podem aparecer na nossa carreira e no nosso corpo, a gente nem pode falar que tem filhos, você tem de fingir que não é mulher.
É a favor das quotas?
Sou super a favor. Quando se vem de um país como o Brasil com desigualdades históricas e com resquícios de escravatura, a gente entende que as quotas são mecanismos que mudam o futuro. Quando a gente fala em escravatura, em exploração de género, a gente olha para o lado em vez de pensar que há uma reparação histórica que precisa ser feita por todos nós. Quotas são uma reparação histórica. Então dizemos, ‘ah eu sou branca mas eu nucna explorei ninguém’. Porque é que eu consigo estar agora aqui a falar consigo e a fazer uma entrevista em Portugal? Porque a Mara, que é a minha empregada em S. Paulo, está a receber um salário dentro da lei mas que é um salário que permite a minha carreira. A Maria, que foi a minha babá negra, sempre permitiu que a minha mãe trabalhasse. Então como é que eu vou dizer que eu não beneficiei do sistema de exploração das mulheres negras? Mesmo que a gente cumpra o que está na lei, a gente se aproveita sim dos sistema instituído. A gente se aproveita disso com as faxineiras, a gente se aproveita com as pessoas que limpam o chão para a gente passar. Podemos até fazer tudo dentro da lei mas continuamos dentro do contexto de exploração, continuamos privilegiados.
O que é mais ugente fazer?
O mais urgente é o debate, é reconhecer que estes problemas existem, porque as pessoas ficam sempre num lugar de negação. É como quando você pergunta para alguém, ‘você é machista?’ E a pessoa responde imediatamente ‘eu não!’ Ora o machismo é um problema de todo o mundo. E a partir do momento em que você reconhece que é um privilegiado, você assume: sou machista sim, sou racista sim, usufruo de um sistema de opressão de outras pessoas sim. Depois você pensa como é que trata disso. É importante se desconstruir, conversar, regular o termómetro.
Porque temos tanta dificuldadem em aceitar a diversidade?
Isso é uma pergunta muito profunda, que vai à base da construção da sociedade. Há lutas de classes de interesses divergentes, há muitas camadas, e a certa altura a gente aceita isso como um dogma, é assim porque sim. Quando se pertence a algum grupo vulnerável, seja mulher, seja pessoas com deficiência, negras, etc, isso faz com que a gente sinta a necessidade de diversidade. Quando você é a única mulher numa sala com 20 homens, você se sente desconfortável.
Passou por isso?
Milhões de vezes, como mulher, como palestrante, como escritora, tantas situações em que fui a única mulher, e eu sou branca, sou loira, tenho tantas coisas que facilitam a minnha aceitação, e mesmo assim é difícil! Quando a gente fala em mudançs reais, quem mais resiste é quem é privilegiado, porque sente que vai perder privilégios. E vai.
Os homens também sentem que vão perder privilégios?
Claro. Sabe, eu fico muito impressionada com quantos homens maus profissionais existem. Portugal é uma sociedade se você estudou no sitio tal e tem o apelido tal, você tem emprego garantido mesmo que não mereça. E esses homens têm muita certeza do lugar deles, e então isso não corresponde a um esforço. Eu sempre trabalho com mulheres melhores que homens nas mesmas condições. Promover mulheres boas é um interesse das empresas, mas estamos longe de promover mulheres incompetentes.
Apesar de tudo isto, é uma otimista?
Eu sou otimista sim, se não fosse não estava aqui. Acho que a gente consegue promover mudanças reais com comportamentos muito simples. Por exemplo, quando um homem faz uma piada homofóbica ou racista ou sexista, e você responde – Ah ó fulano, mas já estamos em 2023 e você ainda vai aí – quando se diz isso, ele da próxima vez vai pensar duas vezes antes de fazer uma piada. E acho que as pessoas mudam, sim.E quando percebem que mudaram para melhor, mudam ainda mais. Porque o sistam machista oprime os homens também. Quando os homens percebem que acabar com esse sistema também gera mais liberdade para eles, é muito bonito. Falar mal de machismo não é falar contra os homens, é proteger os direitos e as liberdades de todos.
Estamos a mudar?
Eu acho que sim. Conto às vezes uma história do meu pai que me perguntou uma vez que varinha mágica havia de comprar, e disse-me: ‘esta é boa, é igual à que sua mãe tem em Lisboa’, depois parou e disse ‘é igual à que eu e sua mãe temos. O que eu disse foi machista’. Mas é difícil reconhecer e dizer uma coisa destas. Porque é que o meu pai disse isso? Porque sabia que isso era importante para mim. Então, cada um de nós tem esse micropoder de mudar mentalidades.